Campanha envolveu perfis com alta probabilidade de automação e sites acusados de desinformação
No dia 24 de março, quando o Brasil atingiu a triste marca de 300 mil mortes por Covid-19, uma hashtag no Twitter associou o movimento Sleeping Giants a um termo que vinha sendo utilizado para criticar as ações do presidente Jair Bolsonaro na pandemia: a palavra genocida.
Apenas entre 12h50 e 19h40, a hashtag #SleepingGiantsGenocida foi usada mais de 39 mil vezes por mais de 11 mil perfis no Twitter, segundo dados do projeto PegaBot, do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS), compartilhados com a Agência Pública.
A análise mostra que a ação envolveu pelo menos 893 perfis com alta probabilidade de automação. Apesar de serem cerca de 8% do total de perfis que usaram a hashtag, eles foram responsáveis por 18,7% das postagens publicadas sobre o assunto – mais de 7,4 mil tuítes. Alguns usuários chegaram a compartilhar a hashtag mais de 200 vezes.
A reportagem identificou que, na campanha contrária ao Sleeping Giants, destacou-se o perfil Awake Giants, antagônico ao movimento. A hashtag foi criada a partir de uma publicação do site Terça Livre, sendo endossada também pelo portal Brasil Sem Medo – ligado a Olavo de Carvalho – e por jornalistas da rádio Jovem Pan.
Awake Giants vs Sleeping Giants
O Sleeping Giants se descreve como um movimento internacional de consumidores contra o financiamento de portais de desinformação e discurso de ódio. Nas redes sociais, especialmente o Twitter, eles denunciam empresas e instituições que anunciam em canais que eles consideram disseminadores de desinformação ou discurso de ódio, com o objetivo de tentar desmonetizar esses canais.
O movimento chegou ao Brasil em maio de 2020 e já promoveu a retirada de anunciantes de sites como Jornal da Cidade Online, Brasil Sem Medo, Conexão Política e Terça Livre. Os organizadores estimam ter promovido a retirada de R$ 5,4 milhões do financiamento de sites acusados de propagar discurso de ódio e fake news.
No dia 23 de março deste ano, o Sleeping Giants pediu, em uma postagem no Twitter, que seus seguidores denunciassem empresas, hospitais e médicos que estivessem vendendo ou recomendando remédios sem eficácia comprovada — como cloroquina e ivermectina, não recomendados pela Organização Mundial da Saúde no tratamento da Covid-19 (link) – no tratamento do coronavírus. O tuíte recebeu mais de 600 comentários e “tomou uma proporção muito maior do que esperado”, conforme avalia um dos fundadores, Leonardo Leal.
Postagem atingiu mais de 600 comentários
A publicação foi o estopim para, no dia seguinte, o perfil Awake Giants iniciar uma campanha contra o movimento e a favor do tratamento sem eficácia.
O Awake Giants é um perfil anônimo criado em novembro de 2020 para antagonizar o movimento Sleeping Giants. Eles se descrevem como uma “União de CONSUMIDORES na luta contra a CENSURA”, segundo a biografia no Twitter. O perfil promove campanhas de boicote e contrárias a empresas que, devido às campanhas do Sleeping Giants, deixaram de anunciar em sites de desinformação. Recentemente, criaram um aplicativo que também está no anonimato: o domínio foi registrado no estado de Goiás em uma organização de nome “ADVOCACIA”. O único meio de contato é o Twitter do Awake Giants.
“Pessoal, é GUERRA”, dizia post do perfil, que pedia que seus seguidores subissem a tag #SleepingGiantsGenocida. “Além da tag, coloquem alguma outra frase ou palavra, caso contrário, não é computada. Apenas a tag não sobe!”, orientava o tuíte, que recebeu mais de 3 mil retuítes.
Menos de duas horas depois, a tag já estava no primeiro lugar dos assuntos mais comentados do Brasil no Twitter.
“Perfis automatizados são criados para criar um movimento coordenado nas redes sociais – e em especial no Twitter – com a intenção de imitar um engajamento orgânico e assim fazer parecer que determinado termo ou hashtag está na boca do povo”, afirma a pesquisadora Thayane Guimarães, do ITS. “A ação deles [perfis automatizados], na sua grande maioria, é de compartilhamento de mensagens de influenciadores”, explica.
Entre as postagens estavam ataques e ofensas ao movimento Sleeping Giants e aos seus organizadores. “Vamos lá deixar nossas BOAS VINDAS aos genocidas”, tuitou o Awake Giants. Em outra postagem, o perfil escreveu: “A hora de vocês chegou, filhos de satã”.