Neste domingo, franceses vão às urnas. Numa análise em profundidade do 1º turno, pistas sobre a disputa entre Macron e Le Pen. Quem seduzirá o eleitorado de Mélenchon? Os porquês de um país cindido, entre velha ordem e excluídos do sistema
Por Jacques Lévy, Dorian Maillard, Sébastien Piantoni, Justine Richelle e Vinicius Santos Almeida, na coluna Outras Cartografias
A eleição presidencial francesa mostra uma certa polarização constituída por uma forte concentração de votos em três candidatos; todos os três melhoraram em comparação com a eleição de 2017. Emmanuel Macron (27,84%, +3,83), Marine Le Pen (23,15%, +1,85) e Jean-Luc Mélenchon (21,95%, +2,37) somam quase 73% dos votos.
Essa configuração baseia-se nos apoios adquiridos ao longo da campanha e em votos táticos, que são aqueles que iriam para outros candidatos, mas que se modificaram nos últimos dias na esperança de que algum outro candidato, melhor colocado nas pesquisas, fosse qualificado como segunda opção, mesmo que concordassem apenas em parte com seu projeto político. Foi assim que uma parte dos eleitores que tinham escolhido Éric Zemmour (extrema direita), Valérie Pécresse (Les Républicains, direita), Yannick Jadot (verdes), Fabien Roussel (Partido Comunista) e Anne Hidalgo (Partido Socialista) inflaram os resultados dos três primeiros. Assim, desde o início da guerra na Ucrânia, Macron se beneficiou do apoio de uma parte do eleitorado de Valérie Pécresse, enquanto uma parte da esquerda governista enxergava em Mélenchon um mal menor para o segundo turno.
O resultado é que, em alguns aspectos, o primeiro tem cara de segundo turno por sua característica seletiva: os candidatos foram tanto “eliminados” como “escolhidos”. Essa conjuntura particular se explica pelo fato, surgido pela primeira vez em 2002, de que se existem mais de dois candidatos que podem chegar ao segundo turno; surgem aí turbulências que os eleitores têm dificuldade de controlar e a tentação de simplificar a solução para que se não vença o melhor, que seja o menos ruim. Em consequência, as especificidades do eleitorado desses três candidatos beneficiários de votos de concentração encontram-se em parte apagadas por essa composição heterogênea.
Esta série de mapas comentados propõe uma análise orientada para a dimensão geográfica do voto. Como os votos dos candidatos se distribuem no espaço francês, ou ainda quais escolhas fizeram os habitantes de diferentes lugares no território francês?
Uma França para cada candidato
Nós escolhemos confrontar os candidatos de acordo com as suas geografias, que podem ser apreendidas pela padronização de classes e números. Os votos obtidos são expressos nas superfícies do terreno (mapa euclidiano) e na população (cartograma), enquanto que a terceira imagem apresenta um fundo de mapa no qual a configuração corresponde aos resultados: quanto mais forte (relativamente) um candidato é em uma comuna [ou município], maior o espaço ocupado por essa comuna no mapa.
Como podemos ver nesse conjunto de quatro mapas a seguir, cada candidato tem seu próprio espaço, sua própria França. É impressionante constatar que temos aqui quatro espaços que são, de fato, sobrepostos pois os lugares são os mesmos, coabitados por todos os franceses e, como um todo, resumem a diversidade da vida política, incluindo oferta e demanda.
As Franças de Macron e Mélenchon têm em comum o fato de serem majoritariamente urbanas, principalmente para o segundo candidato. No entanto, este tem maior apoio no núcleo das zonas urbanas, enquanto que Macron teve melhor desempenho nas comunas do entorno imediato desses núcleos. As regiões do leste e oeste aparecem como mais favoráveis a Macron, enquanto que no litoral mediterrâneo vemos uma sobreposição interessante: os núcleos urbanos votaram mais em Mélenchon, mas a região concentra as maiores porcentagens de votos a Zemmour, um dos candidatos da extrema-direita.
A França de Emmanuel Macron (27,84% dos votos)
A França de Jean-Luc Mélenchon (21,95% dos votos)
A comparação entre a França de Le Pen e aquela de Zemmour mostra uma oposição socioeconômica entre as zonas industriais e o periurbano (subúrbios mais próximos às zonas urbanas), onde as reivindicações de um Estado de bem-estar mais protetor favoreceram Le Pen, enquanto que Zemmour obteve bons resultados nos bairros abastados das grandes cidades, nas aglomerações de forte atividade turística e na parte do litoral mediterrâneo marcada pela presença dos pieds-noirs [franceses que viveram na Argélia até sua independência, quando retornaram para sua terra natal].
A França de Marine Le Pen (23,15% dos votos)
A França de Éric Zemmour (7,07% dos votos)
Planos de fundo
Quisemos situar três imagens da sociedade civil francesa, frente às lógicas eleitorais: diplomas, renda e urbanidade. Nos dois primeiros casos, não há uma correspondência direta, simplesmente porque os dois grupos, diplomados/renda e eleitores, estão longe de coincidirem completamente, mas encontramos nisso indícios úteis sobre o ambiente social dos diferentes lugares onde vivem os eleitores franceses.
No mapa dos diplomas, vemos uma França na qual as grandes cidades, as maiores áreas urbanas, concentram porcentagens mais elevadas de pessoas com diploma de ensino superior. As áreas vermelhas, que representam um certo equilíbrio entre as formações relativamente curtas no ensino superior (graduação e mestrado, ou bac+2 à bac+4) e as formações mais longas (doutorado em diante ou bac+5 e maiores), são bem representadas nos subúrbios das grandes áreas urbanas, enquanto que as formações longas predominam nos centros das metrópoles. As áreas amarelas no mapa correspondem a um baixo nível de formações longas: elas são encontradas nos espaços menos urbanizados e em antigas áreas industriais. Essa divisão em três grupos é encontrada também nos votos e pode servir para a sua interpretação.
O mapa da renda na França nos mostra que o subúrbio próximo das grandes cidades (periurbano) constitui um anel das maiores rendas medianas, demonstrando que, no conjunto, o periurbano não deve ser visto como “o país dos pobres”, como é comum ouvir. Pelo contrário! No periurbano as taxas de pobreza são mais baixas. Resta o fato de que há uma real semelhança entre as baixas rendas e a orientação de oposição [tribunicienne], que podemos chamar também de orientação de protesto ou populista.
Foi Georges Lavau quem propôs esse termo para definir a relação do Partido Comunista Francês ao poder no seu período de força eleitoral (1945-1981). Idealmente, um partido tribunitien [de oposição] procura conquistar apoio na sociedade com o objetivo de contestar as escolhas feitas pelos partidos no poder, mas sem pretender tornar-se ele mesmo parte do governo. Permanecendo sempre na oposição, ele foge dos limites de credibilidade e de responsabilidade e pode se permitir fazer propostas políticas inaplicáveis ou perigosas. Se, no entanto, esse tipo de partido chega ao poder, ele se encontra em uma posição incômoda e tentado a fugir, como vimos na Itália com o governo que associava a Lega (extrema-direita) e o Movimento 5 Estrelas em 2018-2019. O risco de atacar as instituições para evitar enfrentar as suas contradições é grave, como vimos na Hungria e na Polônia na última década. Trata-se de uma das maiores tensões da vida política contemporânea em todo o Ocidente: o fato de que uma parte importante das pessoas desfavorecidas econômica e culturalmente se consideram excluídas do “sistema” político e, quando ela não se refugia na abstenção, ela opta por orientações de protesto pouco propícias a dar soluções para seus problemas e seu mal-estar.
A força confirmada dos gradientes de urbanidade
A noção de gradiente de urbanidade é explicitada pelos dois mapas que mostram sua construção: esses gradientes integrados baseiam-se em uma equivalência entre a posição em relação às cidades e o tamanho destas. A partir do gradiente 1 (Paris intramuros, mais de 2 milhões de hab.), chega-se ao gradiente 2 ou se distanciando do centro (o subúrbio parisiense), ou adentrando nos centros das zonas urbanas de mais de 700.000 habitantes, e assim sucessivamente até o gradiente 8 que corresponde aos 6% da população francesa que vive fora das zonas urbanas.
Constatamos, por exemplo, que Macron é forte nos gradientes mais elevados e não é particularmente fraco nos outros, enquanto que Le Pen apresenta um perfil bastante contrastado, com predomínio claro nos gradientes baixos [zonas menos urbanas]. A evolução dos resultados de Mélenchon é caracterizada por um reforço significativo dos gradientes 1 e principalmente 2 (subúrbios da Île-de-France e centro das grandes cidades fora de Paris), mas um debilitamento em todo o resto.
Três Franças… ou duas?
O resultado do primeiro turno da eleição presidencial dá a impressão de uma divisão do eleitorado entre três principais candidatos. No entanto, essa leitura suscita duas reservas. De um lado, esses “campos” são em grande parte conjunturais, sobretudo no que se refere a Mélenchon, que recebeu votos de parte da esquerda que é muito crítica às suas políticas.
A situação é um pouco menos clara nos dois outros casos: uma boa parte do eleitorado de Zemmour reconhece grandes convergências com o projeto do Rassemblement National [partido de Le Pen], enquanto que os partidários de Pécresse ou Jadot, que votaram em Macron para evitar um duelo Le Pen–Mélenchon no segundo turno, participaram de um novo episódio da decomposição/recomposição da cena política que começou em 2017 e que continua até hoje.
Para esclarecer esse questionamento, nós reorganizamos os candidatos em grupos e observamos que, segundo o princípio do reagrupamento, os mapas resultantes não são os mesmos. Os mapas que espacializam, de um lado, a relação esquerda/direita (mapa a seguir) e a distinção entre candidatos “do governo” (Macron, Pécresse, Jadot, Hidalgo) e da oposição (todos os outros) (apresentado acima), desenham melhor o contexto. A relação esquerda/direita é muito sensível aos gradientes de urbanidade: a esquerda é claramente mais urbana que a direita, enquanto que as grandes cidades são o principal campo de confronto entre governistas e oposição.
Não devemos subestimar o último mapa. De fato, existem importantes porosidades que devem se manifestar no segundo turno entre os dois grupos rivais. Isso pode se expressar em um estilo comum (uma agressividade muitas vezes odiosa em relação ao presidente que deixa o governo e as suas escolhas), por um populismo argumentativo (reduzindo algumas questões a fórmulas simplificadas), mas também por verdadeiras convergências programáticas. Tanto Mélenchon quanto Le Pen propõem reforçar a dimensão puramente protetora do Estado de bem-estar social, em vez de associar liberdade e igualdade à responsabilidade e à co-construção de capacidades. Eles valorizam mais a democracia direta do que a democracia representativa e são pouco cuidadosos na defesa do Estado de Direito. Durante anos, eles apoiaram as reivindicações e o estilo de governo de Vladimir Putin. Eles querem uma política exterior baseada mais em “interesses” do que em valores. Eles são alérgicos à qualquer abordagem federativa e promovem uma escala única, aquela do Estado nacional contra a Europa e o mundo.
Essas convergências resultam em duas Franças, em vez de três. Nessa reunião de alta tensão, porque muito está em jogo, é Le Pen quem leva ao segundo turno da eleição esse projeto, partilhado com Mélenchon: debilitar a Europa, recuar para a cena nacional e fazer a França mudar de lado na guerra civil mundial, encarnada de maneira hiper-realista pelo conflito na Ucrânia, que coloca as repúblicas democráticas contra os despotismos.
Esse trabalho foi realizado por Jacques Lévy, geógrafo francês, e o Núcleo de Cartografia da Cátedra Inteligência Espacial da Universidade Politécnica Altos-da-França (Dorian Maillard, Sébastien Piantoni e Justine Richelle, com contribuição de Vinicius Santos Almeida). Publicado originalmente no jornal Le Grand Continent, em 13/4.
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