Eleições: O “feminismo” de fundamentalistas e oligarcas

Leia mais

Evandro Oliveira
Evandro Oliveira
PÓS GRADUADO EM GESTÃO E DIREÇÃO ESCOLAR; ESPECIALISTA EM "POLÍTICAS DA IGUALDADE RACIAL NA ESCOLA", SABERES AFRICANOS E AFRO-BRASILEIROS NA AMAZÕNIA - PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ (UFPA); GRADUADO CIÊNCIAS SOCIAIS COM ÊNFASE EM SOCIOLOGIA - UFPA; ATUA COMO PROFESSOR DE FILOSOFIA E SOCIOLOGIA NA REDE PÚBLICA E COMO PROFESSOR NO ENSINO SUPERIOR E CURSOS PRÉ-VESTIBULARES.
Candidaturas femininas crescem no país, até em partidos conservadores. Se o atributo de gênero perde marcas pejorativas, desponta a tentativa de passar ao eleitorado uma receita morna de “defesa das mulheres” – bem ao gosto do patriarcado

O acesso das mulheres às eleições, primeiro como votantes e depois como candidatas e, finalmente, como eleitas, foi um processo de conquistas sucessivas, às vezes com retrocessos, fruto de muita luta e sofrimento.

Em 1910, professora Leolinda de Figueiredo Daltro (1860-1935), depois que teve recusado seu pedido de alistamento eleitoral, fundou o Partido Republicano Feminino. Ela sofreu todo tipo de agressão e chegou a ser chamada de “mulher do diabo”. Na década seguinte, a professora Maria Lacerda de Moura (1887-1945) e a bióloga Bertha Maria Júlia Lutz (1894-1976) se destacaram nessa mesma luta e fundaram a Liga para a Emancipação Internacional da Mulher. Só em 1932 as mulheres conquistaram o direito ao voto, pela luta das mulheres do Rio Grande do Norte.

Nas décadas seguintes, as mulheres foram sendo eleitas, uma aqui, outra acolá, mas as instituições políticas continuaram sendo eminentemente patriarcais, masculinas, em um mundo fundamentalmente machista e controlado por homens, proprietários e oriundos das elites agrárias (até 1950) e urbanas. Os sobrenomes dos deputados e senadores e suas profissões tornam fácil a tarefa de mostrar isso.

Hoje, nas eleições deste ano, quando deveremos eleger quem assumirá a Presidência da República, os governos estaduais, uma das três cadeiras por estado do Senado Federal, as cadeiras das Assembleias Legislativas estaduais e distrital e da Câmara dos Deputados, a candidatura de mulheres é a maior da história brasileira, quase 35% do total. Isso porque a Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, art. 10,§ 3º, determina que cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo (com redação dada pelo art. 3º da Lei nº 12.034/2009).

A cada pleito, desde então, as mulheres lutam em seus partidos para ver respeitada a lei. Os primeiros movimentos dentro dos partidos foi no sentido de burlar a lei, colocando mulheres somente para figurar nas listas apresentadas aos tribunais eleitorais. As mulheres continuaram a lutar para que a lei que determinava o mínimo de participação por gênero fosse respeitada, garantindo não somente a possibilidade de candidaturas femininas, mas também recursos, estrutura eleitoral entre outros requisitos. Não é uma questão resolvida, mas se avançou nas últimas décadas.

O que tem chamado a atenção de analistas e jornalistas nesta eleição de 2022, além do protagonismo de mulheres, da extrema-direita até a esquerda, é que aparentemente para as eleitoras e os eleitores o atributo do gênero perdeu as marcas pejorativas imputadas às mulheres ou até mesmo o fato de ser mulher tem sido colocado como uma vantagem eleitoral. Não por menos que no espectro político mais à direita têm se destacado candidaturas femininas.

Além de candidaturas e projetos políticos conservadores usarem a figura de mulheres, estas têm se apresentado como feministas e até mesmo têm repetido algumas das demandas feministas. A candidata da chamada “terceira via”, senadora Simone Tebet (MDB-MS), chegou a afirmar “que ser feminista é defender o direito das mulheres e que essa bandeira não pertence à direita, nem à esquerda”. Essa forma de nivelar todo mundo e transformar o feminismo em uma morna receita de defesa das mulheres tem sido o discurso de organizações de direita em todo o mundo. Mas nem por isso chega perto da verdade e deixa o campo da manipulação política.

O feminismo que guia a luta das mulheres no mundo e há, pelo menos, dois séculos é muito mais que isso. É a luta contra a sociedade patriarcal e, portanto, defendemos outro tipo de sociedade. É a luta de reparação e resgate das mulheres negras. É a luta contra o capital que usa gratuitamente a força de trabalho das mulheres para reduzir salários e pagamentos, barateando o custo da reprodução social dos(as) trabalhadores(as). É a luta contra todo tipo de violência, desde a violência representada pela maternidade, especialmente a compulsória, e a violência sexual e de gênero. É também a luta por igualdade no mercado de trabalho, mas também por direitos sexuais e reprodutivos, que incorporam o direito ao seu corpo, ao uso de métodos contraceptivos de livre-escolha, e ao aborto.

No Brasil, os feminismos que podem se apresentar em múltiplas facetas, só são feminismos quando se incorporam às lutas da classe trabalhadora, às lutas das mulheres indígenas, às lutas das mulheres negras, quilombolas, ribeirinhas, camponesas e trabalhadoras rurais, da juventude e das idosas.

Não é possível um feminismo que seja instrumento de oligarquias e grandes latifundiários(as) contra indígenas e camponesas. Não é possível um feminismo fascista, como quer defender a senadora e candidata Soraya Thronicke (União Brasil-MS).

O feminismo, mesmo quando visto em vários movimentos feministas, não tem como admitir e suportar em si o ideário de direita e extrema direta. É incompatível como feminismo o genocídio cometido contra as populações indígenas. É antagônico ao feminismo o racismo e a escravidão. É insustentável o discurso em defesa das mulheres que mantém a opressão e o ódio às mulheres lésbicas, transgênero e bissexuais.

Se as candidatas mulheres estão ganhando cada vez mais o respeito da população, ainda predominantemente machista e excludente, isso se deve à luta das feministas. Lutas diárias, sofridas, que exigem muito esforço e atenção. De lutas que vão desde os microespaços políticos da vizinhança, das famílias e locais de trabalho, até a continuada luta por respeito no transporte público e pelo direito de ir e vir sem ser estuprada, chegando na luta por participação igualitária nas esferas de poder e por leis que assegurem os direitos sexuais e reprodutivos, incluindo o aborto.

Por Cfemea, na coluna Baderna Feminista

VOZ DO PARÁ: Essencial todo dia!

- Publicidade -spot_img

More articles

- Publicidade -spot_img

Últimas notíciais