Em reação aos protestos, governo de Cuba corta internet e prende mais de 100

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Evandro Oliveira
Evandro Oliveira
PÓS GRADUADO EM GESTÃO E DIREÇÃO ESCOLAR; ESPECIALISTA EM "POLÍTICAS DA IGUALDADE RACIAL NA ESCOLA", SABERES AFRICANOS E AFRO-BRASILEIROS NA AMAZÕNIA - PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ (UFPA); GRADUADO CIÊNCIAS SOCIAIS COM ÊNFASE EM SOCIOLOGIA - UFPA; ATUA COMO PROFESSOR DE FILOSOFIA E SOCIOLOGIA NA REDE PÚBLICA E COMO PROFESSOR NO ENSINO SUPERIOR E CURSOS PRÉ-VESTIBULARES.
Presidente culpa embargo americano pela crise, mas jovens se revoltam por liberdade

As autoridades cubanas cortaram o acesso às principais plataformas de redes sociais para tentar deter o fluxo de informação sobre as manifestações contra o governo. A informação é do grupo NetBlocks, com sede em Londres, que mostraram interrupções desde segunda-feira no WhatsApp, Facebook, Instagram e também em alguns servidores do Telegram.

Em outra reação às manifestações do fim de semana, o governo cubano deteve mais de 100 pessoas, entre elas alguns opositores conhecidos, como Guillermo Fariñas, o ex-preso político Daniel Ferrer e o artista Luis Manuel Otero Alcántara, de acordo com várias fontes.

O governo pode interromper o acesso por meio da estatal Empresa de Telecomunicações de Cuba (Etecsa) e o único serviço de comunicações móveis Cubacel, segundo o NetBlocks. O NetBlocks disse que alguns cubanos conseguiram contornar as restrições mediante o uso de redes privadas virtuais ou VPN.

No domingo, milhares de cubanos saíram às ruas espontaneamente em cerca de 40 cidades e povoados da ilha para protestar pela crise econômica, que foi agravada pela escassez de alimentos e medicamentos. As sanções americanas, impostas em 1962 e radicalizadas durante o governo de Donald Trump, e a ausência de turistas, devido à pandemia, mergulharam Cuba em uma profunda crise econômica e geraram forte insatisfação social.

O governo de Cuba reforçou o policiamento nas ruas do país enquanto o presidente Miguel Díaz-Canel acusa os cubano-americanos de usar as redes sociais para provocar uma rara manifestação contra preços altos e escassez de alimentos. Uma jornalista da agência de notícias espanhola EFE disse que havia uma “calma tensa” nas ruas. Sem internet na ilha, a jornalista diz ser difícil “saber ao certo” o que se passa em todo o país.

De acordo com uma lista publicada na segunda-feira à noite no Twitter pelo Movimento San Isidro (MSI), um grupo de intelectuais e universitários que exigem liberdade de expressão e criação, 114 pessoas foram detidas ou não estão localizadas. Até o momento, as autoridades não divulgaram ainda um número oficial de detenções, mas existe uma lista provisória elaborada por ativistas locais que conta com 65 nomes só em Havana.

Dada a gravidade da situação, Raúl Castro teve que sair da aposentadoria. Castro, de 90 anos e autor da revolução junto ao seu irmão Fidel, se aposentou e concedeu em abril o poder máximo como líder do Partido Comunista a Díaz-Canel, que é presidente de Cuba desde 2018.

Apesar de estar aposentado, no domingo participou de uma reunião do gabinete político do Comitê Central do PCC, na qual “analisaram provocações orquestradas por elementos contra-revolucionários, organizados e financiados pelos Estados Unidos com propósitos desestabilizadores”, disse o jornal Granma, órgão informativo do partido.

Direito a manifestação

“Vimos como a campanha contra Cuba estava crescendo nas redes sociais nas últimas semanas”, disse Díaz-Canel na segunda-feira em uma aparição na televisão nacional na qual todo o seu gabinete estava presente. “É assim que se faz: tente criar inconformidade e insatisfação manipulando emoções e sentimentos.”

Em comunicado, o presidente dos EUA, Joe Biden, disse que os manifestantes cubanos estavam reivindicando seus direitos básicos. “Apoiamos o povo cubano e seu clamor por liberdade e alívio das trágicas garras da pandemia e das décadas de repressão e sofrimento econômico a que foi submetido pelo regime autoritário de Cuba”, disse Biden. Os EUA exortam o governo cubano a servir ao seu povo “em vez de enriquecer”, acrescentou Biden.

Os Estados Unidos pressionaram nesta terça-feira (13) para que Cuba acabe com as restrições à internet e renovaram o pedido de libertação dos manifestantes detidos. “Pedimos aos líderes cubanos que mostrem moderação (e) respeito pela voz do povo, abrindo todos os meios de comunicação, tanto digitais como não digitais”, disse o porta-voz do Departamento de Estado, Ned Price, em entrevista coletiva. “Parabenizamos o povo de Cuba por mostrar grande coragem”, disse Price, acrescentando que Havana respondeu tentando “silenciar suas vozes”.

O porta-voz adjunto da ONU, Farhan Haq, enfatizou a posição da organização “sobre a necessidade da liberdade de expressão e de reunião pacífica ser totalmente respeitada, e esperamos que seja esse o caso”.

As manifestações foram extremamente incomuns em uma ilha onde pouca dissensão contra o governo é tolerada. A última grande manifestação pública de descontentamento, por causa das dificuldades econômicas, aconteceu em 5 de agosto de 1994, milhares de cubanos saíram às ruas de Havana para protestar contra as políticas do governo, no primeiro levante contra o regime de Fidel Castro, que assumiu o poder em 1959.

Cuba enfrentava a depressão econômica após o fim da União Soviética. O combustível e a comida eram escassos na ilha, que enfrentava períodos de falta de energia, impossibilitando o uso de ventiladores em meio a um calor intenso, e de bombas de água.

No ano passado, houve pequenas manifestações de artistas e outros grupos, mas nada tão grande ou generalizado quanto o que estourou no fim de semana. “Estamos fartos das filas, das faltas. É por isso que estou aqui”, disse um manifestante de meia-idade à Associated Press. Ele se recusou a se identificar por medo de ser preso.

 

Jovem é detido por policiais por participar de protestos, em Havana (Yamil Lage/AFP)Jovem é detido por policiais por participar de protestos, em Havana (Yamil Lage/AFP)

PERGUNTAS E RESPOSTAS SOBRE A CRISE CUBANA

Qual é a origem da crise econômica?

Cuba já estava em crise antes da chegada da pandemia do coronavírus à ilha, em março de 2020. A queda da economia venezuelana, que tem sido seu principal suporte, e o endurecimento do embargo norte-americano durante a gestão de Donald Trump, com mais de 240 sanções adicionais, nocautearam a economia cubana.

As sanções impostas pelo então presidente republicano incluíram o fechamento dos escritórios da Western Union na ilha no final de 2020. Isso afetou diretamente a população que recebe dólares de seus parentes no exterior.

Além disso, os navios de cruzeiro dos Estados Unidos foram proibidos de fazer escala na ilha, e o capítulo 3 da Lei Helms-Burton foi aplicado, o que assustou investidores e bancos, afetando diretamente o governo. O governo Joe Biden manteve essa política, enquanto a pandemia impediu a entrada de turistas na ilha, a segunda entrada de moeda estrangeira no país.

Afetada por reformas lentas e por má gestão administrativa, a economia cubana registrou uma queda de 10,9% em seu Produto Interno Bruto (PIB) em 2020, a pior queda desde 1993.

Qual o impacto na população?

Os cubanos esperam em longas filas, devido à escassez de alimentos e de remédios no país. Carente de liquidez, o governo abriu várias lojas em dólares, moeda que os cubanos recebem do exterior, ou devem obtê-la no mercado negro, porque não podem obtê-la nos bancos, nem nas casas de câmbio. Enquanto isso, as lojas que recebem pesos cubanos estão praticamente sem estoque, o que tem causado indignação por parte da população que não tem moeda estrangeira.

Diversas usinas termelétricas das 18 que geram a energia do país tiveram problemas com a chegada do verão, o que obrigou a cortes no abastecimento. Os apagões estão causando uma irritação cada vez maior. A tudo isso, soma-se a reforma financeira que entrou em vigor no início de 2021 para unificar o peso cubano e o peso conversível (CUC), em vigor há 26 anos.

A medida aumentou o salário mínimo em cinco vezes, para US$ 87, e elevou significativamente os demais salários. Do mesmo modo, houve aumento nos preços de bens e serviços. Segundo a Economist Intelligence Unit, em 2021 haverá uma inflação de 400% a 500%.

Como está a situação sanitária?

Embora a ilha, de 11,2 milhões de habitantes, tenha conseguido por mais de um ano conter relativamente o avanço da pandemia, na última semana enfrentou seu momento mais crítico. A ilha registra 244.914 infecções e 1.579 mortes até agora.

Os cientistas cubanos desenvolveram cinco vacinas candidatas contra a Covid-19, incluindo Abdala. Na semana passada, esta última recebeu autorização do regulador cubano para seu uso emergencial e se tornou o primeiro imunizante desenvolvido na América Latina. O país começou a vacinar a população em maio. Até o momento, 1,7 milhão de pessoas foram imunizadas com três doses.

Qual é o papel da internet móvel?

A chegada da telefonia móvel em 2018 deu à sociedade civil e, principalmente à geração dos chamados millennials, uma capacidade de mobilização que antes não existia e que tem desconcertado o governo.

A comunicação nas redes sociais foi vital após o tornado que atingiu Havana em 27 de janeiro de 2019 para distribuir ajuda às vítimas. Também foi uma ferramenta fundamental para o protesto de 27 de novembro de 2020, em frente ao Ministério da Cultura, exigindo liberdade de expressão.

As manifestações de domingo foram amplamente divulgadas nas redes sociais, causando um efeito cascata em todo país. Com isso, as autoridades cortaram o acesso à Internet móvel.

O que os cubanos pedem nas ruas?

Quatro anos e meio após a morte de Fidel Castro e três meses depois que Raúl Castro deixou o poder para se aposentar, muitos cubanos, principalmente jovens, estão pedindo uma mudança. Boa parte exige do presidente e primeiro-secretário do Partido Comunista (PCC, único), Miguel Díaz-Canel, espaço para outras formas de pensar e para o debate de diferentes pontos de vista.

Além dessas demandas políticas, os cubanos também querem melhorar as condições de seu cotidiano e ter mais liberdade nos negócios, em um país onde a abertura do setor privado avança lentamente. (AFP)

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