Entre esquerda e direita, rola um clima?

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Evandro Oliveira
Evandro Oliveira
PÓS GRADUADO EM GESTÃO E DIREÇÃO ESCOLAR; ESPECIALISTA EM "POLÍTICAS DA IGUALDADE RACIAL NA ESCOLA", SABERES AFRICANOS E AFRO-BRASILEIROS NA AMAZÕNIA - PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ (UFPA); GRADUADO CIÊNCIAS SOCIAIS COM ÊNFASE EM SOCIOLOGIA - UFPA; ATUA COMO PROFESSOR DE FILOSOFIA E SOCIOLOGIA NA REDE PÚBLICA E COMO PROFESSOR NO ENSINO SUPERIOR E CURSOS PRÉ-VESTIBULARES.
O que para a direita é um jogo contábil comercial (qual alternativa é mais rentável, tirar o Bozo ou deixar?); para a esquerda é uma escolha política, ética, e de vida ou morte, entre deixar rolar o morticínio até a próxima eleição ou agir imediatamente para impedi-lo. Para que Lira tome a decisão de abertura do impeachment, a balança tem que pender. Como ele não está sob suspeita como Cunha estava, quem tem que fazer a diferença é o povo nas ruas e a oposição no Congresso (AFP)

Diante de mais de 120 pedidos de abertura de processo de impeachment contra Bolsonaro, o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira, resiste em apreciá-los. Lira não despachou nenhum deles, estão engavetados, não disse que sim nem que não. Pode isso?

A decisão sobre os pedidos é de competência do presidente da Câmara. Mas há controvérsias quanto a ser uma obrigação ou uma opção deste receber ou não, deliberar ou não, quanto aos pedidos.

A grande mídia tem lançado mão da interpretação de que em existindo crime e indícios de que o presidente seja autor é uma obrigação do presidente da Câmara abrir o procedimento, e não uma opção, ou no jargão, uma decisão discricionária.

O apelo a este formalismo só tem efetividade, na realidade, se houver algum tipo de punição para a alegada omissão do referido deputado presidente da Câmara. Contudo, tal punição não existe. O que poderia obrigá-lo, então?

Quando do impeachment da Dilma, o presidente da Câmara era Eduardo Cunha. Profundo conhecedor do regimento do Congresso, além de um baita picareta, sabia Cunha que nada o obrigaria a aceitar pedidos contra a presidenta.

Entretanto, quando aquele deputado percebeu que Dilma não alisaria quanto às denúncias de desvio de dinheiro e corrupção contra ele, donatário de contas milionárias nos bancos suíços, tomou a decisão de abrir o processo de impeachment. Ou seja, por um motivo particular, Cunha iniciou o processo que botou o governo abaixo  por razões muito menores do que as que justificariam hoje o impedimento de Bolsonaro.

Os motivos de Cunha foram questionados pela defesa da ex-presidenta. Buscou-se demonstrar o desvio de finalidade no ato de Cunha, que abrira o processo buscando, não o interesse público, mas se defender, se safar, e também se vingar.

Hoje a situação é outra. Sobram motivos para impedir Bolsonaro, e sua política de morticínio. O trato deste presidente para com a saúde pública e quantas mortes isso resultou são o central dos pedidos, contudo, algo ainda o sustenta. Diferente de Dilma, a “velha política” está com Bolsonaro. O chamado Centrão, nome sob o qual disfarça-se a direita mais fisiológica, mantém o presidente de pé. Sabendo disso, Bolsonaro aumenta o preço do aluguel, destinando cada dia mais recursos orçamentários e cargos para esta direita.

Tudo isso é muito lógico, pois o próprio Bolsonaro sempre foi acionista deste campo político. Só se disfarçou de outsider para conquistar aquela eleição de 2018 e outras mais que venceu, e os eleitores e as eleitoras (estas menos que aqueles) caíram na armadilha.

O ponto de virada, portanto, é o que Lira chamou de “clima”, dizendo não haver clima para o impeachment. Para Cunha houve clima quando acataram a denúncia contra ele no conselho de ética da Câmara, o custo aumentou e o impeachment passou a ser a melhor saída. Traduzido no politiquês da direita da qual eles fazem parte, hodiernamente, o custo vs. benefício ainda pende para que o governo Bolsonaro seja mantido de pé.

Afinal há garantias de que o governo pagará o aluguel que promete, porque Lira não vislumbra no horizonte terremoto popular que venha a ameaçar tal aluguel; porque a imagem do próprio Lira não está ainda associada ao genocídio deste governo; porque eleitoralmente ele ainda não se sente ameaçado por sustentar a necropolítica; porque seus pares também têm a mesma sensação.

Ou seja, nada relacionado com motivos ou interesses públicos, a defesa da saúde pública, da população ou da própria democracia. Contudo, a temperatura tem subido, e se continuar assim, poderemos sim chegar a ter esse tal “clima”.

Portanto, para que Lira tome a decisão de abertura do impeachment, a balança tem que pender. Como ele não está sob suspeita como Cunha estava, quem tem que fazer a diferença é o povo nas ruas e a oposição no Congresso. Os mesmos que foram ludibriados em 2018, têm que sair em massa às ruas para garantir ao presidente da Câmara que ele vai ganhar mais com a abertura do processo de impeachment do que com os altos valores orçamentariamente prometidos pelo governo.

O interessante nessa história: o que para a direita é um jogo contábil comercial (qual alternativa é mais rentável, tirar o Bozo ou deixar?); para a esquerda é uma escolha política, ética, e de vida ou morte, entre deixar rolar o morticínio até a próxima eleição ou agir imediatamente para impedi-lo. Essa é a motivação para ir às ruas, essa é a diferença e o anti-clima entre direita e esquerda. (por Marcel Farah)

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