‘Estamos presos aqui’: refugiados haitianos definham no México

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Incapazes de obter asilo nos EUA e enfrentando discriminação no México, os haitianos dizem que não têm para onde ir e estão perdendo as esperanças

 

Tijuana, México – Todas as manhãs, Samuel deixa o quarto apertado que divide com uma dúzia de outros requerentes de asilo haitianos no centro de Tijuana e vai até o acampamento improvisado de migrantes que ele costumava chamar de lar.

El Chaparral, uma extensa cidade de tendas de migrantes perto da fronteira EUA-México, é o lar de cerca de 1.000 migrantes e requerentes de asilo [Barrett Limoges / Al Jazeera]

El Chaparral, uma enorme cidade de barracas de migrantes perto da fronteira EUA-México, abriga cerca de 1.000 migrantes e requerentes de asilo [Barrett Limoges / Agência de Notícias

Até o mês passado, ele vivia pacificamente em El Chaparral, uma enorme  vila de barracas de migrantes perto do muro da fronteira EUA-México, ao lado de haitianos e de outros estrangeiros, todos esperando para tentar entrar nos Estados Unidos. Mas Samuel diz que o clima ficou hostil.

“É onde eu morava”, disse ele à imprensa, apontando para um ponto entre a colcha de retalhos enrugada de tendas brancas e azuis que abrigam mais de 1.000 pessoas. “A vida  aqui ficou muito difícil e o racismo dos outros [moradores] era terrível. Eu senti que precisava ir embora ”.

Enquanto milhares de requerentes de asilo migraram para o norte, para a fronteira dos EUA com o México nos últimos meses, na esperança de entrar nos Estados Unidos, os haitianos dizem que estão enfrentando um flagelo extra: o racismo anti-negro da polícia e de outros migrantes no México.

A maioria dos refugiados haitianos chegaram a El Chapparal em meados de 2020, mas como milhares de outros migrantes mudaram para Tijuana e se abrigaram no campo, os últimos  haitianos abandonaram o assentamento improvisado a pouco tempo.

Os haitianos dizem que outros refugiados estrangeiros faziam ataques racistas a eles, criando um ambiente que levou Samuel e outros a irem embora e se refugiarem em apartamentos miseráveis ​​ou abrigos nos arredores da cidade.

“A discriminação é muito forte por parte de outros migrantes, mas até mesmo por parte das organizações mexicanas que trabalham no campo”, disse Arold*, um ativista haitiano que documentou abusos contra a comunidade em Tijuana e entrega alimentos e outros tipos de ajuda aos refugiados haitianos.

“Ninguém queria dividir a comida que estava sendo distribuída com os haitianos”, disse ele, acrescentando que também recebeu relatos de que uma escola informal administrada por moradores também impedia as crianças haitianas de frequentar as aulas.

Arold, 32, que veio para Tijuana há quatro anos com esperança de obter asilo, disse que vive com medo de retaliação da polícia ou de grupos armados locais. Como muitos outros haitianos que falaram com a imprensa, ele solicitou anonimato com medo de sofre retaliação.

Crise no Haiti

Um colapso econômico relacionado à pandemia em grande parte da América Latina, uma  violenta explosão de gangues, somadas  a promessa de asilo do governo Biden desencadearam um aumento na migração para os Estados Unidos.

Somente em março, as autoridades de imigração dos EUA prenderam mais de 172 mil pessoas que tentavam entrar através do México, enquanto uma tsuname de migrantes de mais dez países continua a aumentar em cidades fronteiriças como Tijuana. Só o número de haitianos está estimado de 4.000.

Mas o êxodo dos haitianos remonta a 2010, quando a capital, Porto Príncipe, foi destruída por um terremoto devastador. O desastre deixou pelo menos 220.000 mortos e 1,5 milhão de desabrigados, e desencadeou uma onda massiva de emigração.

A maioria tinha como destino o Brasil, onde as autoridades inicialmente concederam vistos de trabalho aos haitianos e contrataram milhares para trabalhar em projetos de infraestrutura para a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos do Rio de 2016. Mas muitos perderam seu sustento quando esses projetos terminaram e, a partir de 2016, dezenas de milhares de haitianos viajaram a pé para tentar pedir asilo nos Estados Unidos.

No final daquele ano, pelo menos 40.000 haitianos haviam chegado a Tijuana, mas praticamente todos tiveram a entrada proibida nos Estados Unidos pela fronteira.

Fronteira dos EUA fechada

No início deste ano, muitos migrantes haitianos esperavam que o presidente dos EUA, Joe Biden, adotasse políticas de fronteira mais compassivas, mas a fronteira dos EUA permanece efetivamente fechada para a maioria dos adultos e famílias migrantes.

Sob o Título 42, uma lei de saúde pública invocada pelo governo dos Estados Unidos no ano passado devido à pandemia COVID-19, o país fechou parcialmente suas fronteiras e restringiu drasticamente o acesso para requerentes de asilo. Apesar das promessas do governo Biden de permitir a entrada de mais requerentes de asilo, os defensores dizem que cerca de 1.200 haitianos foram deportados nos últimos meses.

“Desde que Biden assumiu o cargo, já foram enviados 28 voos de expulsão para o Haiti”, disse Guerline Jozef, presidente da Haitian Bridge Alliance, um grupo humanitário em San Diego que ajuda migrantes haitianos em ambos os lados da fronteira.

Embora as autoridades dos EUA tenham fechado um acordo com o México no ano passado, para deportar cidadãos de vários países da América Central, os haitianos não estão cobertos pelo acordo. O Departamento de Segurança Interna usou o Título 42 para continuar a expulsar migrantes de volta para o Haiti.

“Como eles justificam a maneira como estão tratando os migrantes negros?” Perguntou Jozef. “Nesses voos, temos mulheres grávidas, temos bebês que estão com um mês de idade, temos filhos que estão traumatizados”.

‘Sem ter para onde ir’

Enquanto isso, milhares de haitianos permanecem em Tijuana, esperando para entrar nos Estados Unidos ou tentando estruturar a vida no México, como Stephanie, que fugiu do Haiti em 2014 com seus dois filhos pequenos.

Após a destruição de todo o seu bairro de Porto Príncipe no terremoto de 2010 e uma série subsequente de surtos de cólera, ela investiu as poucas economias na fuga para a América do Sul em um barco.

“Porto Príncipe não era mais uma cidade quando eu parti”, disse ela. “Apenas uma montanha de lixo – foi disso que saímos.”

Após tentar viver no Brasil, ela deixou os filhos com amigos e começou uma jornada de quatro meses a pé até Tijuana, na esperança de eventualmente conseguir asilo nos Estados Unidos. Ela disse que foi sequestrada e roubada por homens armados no caminho e passou um mês inteiro perdida com outros viajantes haitianos na selva do Panamá.

Ao chegar ao México em 2018, as autoridades a detiveram por dois meses por entrada ilegal. Um erro de digitação no documento de identificação que ela recebeu posteriormente significa que ela ainda é considerada ilegal e não pode obter atendimento médico.

Muitos de seus amigos partiram para cruzar a fronteira nos últimos meses, mas ela disse que desistiu dos sonhos de obter asilo nos Estados Unidos. Ela fala frequentemente ao telefone com os filhos no Brasil, mas também teme pela segurança deles.

“Não sei o que fazer ou como ver meus bebês de novo”, disse Stephanie, que mora em um quarto com uma dúzia de outras pessoas e ganha a vida cozinhando em um restaurante haitiano. “Eu não posso voltar, mas não tenho para onde ir. Estou presa aqui. ”

Perdendo a esperança

As autoridades policiais de Tijuana não responderam a vários questionamentos da imprensa sobre o caso de Stephanie e outras alegações de discriminação policial contra haitianos na cidade.

No verão passado, protestos anti-racismo eclodiram em torno de El Chaparral, estimulados em parte pelo suposto assassinato de um homem haitiano pela polícia local, os ativistas dizem haver uma onda de detenções arbitrárias sobre a comunidade negra.

A cada dia que passa, mais pessoas estão perdendo a esperança de chegar aos Estados Unidos.

Edile Eglaus disse que também se sente preso em Tijuana, onde ele, sua esposa e seus dois filhos vivem em uma pobreza extrema em um abrigo para migrantes na periferia da cidade, sobrevivendo de cestas básicas entregues por instituições de caridade.

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