Exploração religiosa na TV ou para salvar a televisão brasileira, “só rezando mesmo”

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Evandro Oliveira
Evandro Oliveira
PÓS GRADUADO EM GESTÃO E DIREÇÃO ESCOLAR; ESPECIALISTA EM "POLÍTICAS DA IGUALDADE RACIAL NA ESCOLA", SABERES AFRICANOS E AFRO-BRASILEIROS NA AMAZÕNIA - PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ (UFPA); GRADUADO CIÊNCIAS SOCIAIS COM ÊNFASE EM SOCIOLOGIA - UFPA; ATUA COMO PROFESSOR DE FILOSOFIA E SOCIOLOGIA NA REDE PÚBLICA E COMO PROFESSOR NO ENSINO SUPERIOR E CURSOS PRÉ-VESTIBULARES.
A água benta de R. R. Soares não é diferente da cloroquina de Bolsonaro. Apesar da dívida, R.R. Soares segue como o quarto pastor mais rico do país (Reprodução/Twitter/R.R.Soares)

Nada como um dia após o outro. O diagnóstico de Covid-19 e internação do pastor evangélico R. R. Soares serve para escancarar uma verdadeira praga, ignorada por governos e autoridades há muitos anos: a indiscriminada comercialização e exploração da fé na televisão brasileira.

O autoproclamado missionário é o mesmo que, desde 2020, vem prometendo a cura para a Covid apenas por meio de orações e uma tal bênção do copo d’água. Em rede nacional, a boa vontade de crentes fervorosos e incautos é explorada por meio de programas como O show da fé e SOS da fé.

Na Páscoa do ano passado, em live desastrosa promovida pelo governo com a presença de Bolsonaro e líderes religiosos, o homem já afirmava que o capeta do corona estava amarrado, em nome de Jesus. Longe de querer desmenti-lo (mas com todas as evidências provando o contrário), de lá para cá já são quase 500 mil brasileiros mortos por conta do vírus. 

No final, foi o corona que amarrou o pastor na cama do hospital e Jesus não tem nada a ver com isso. A irresponsabilidade de Soares não difere muito da atuação do presidente durante a pandemia. Foi preciso chegar a tanto para provar que o copo d’água abençoado se iguala à cloroquina quando o assunto é combater a Covid. Na ausência de alguma ação firme do Ministério Público, foi mesmo a providência divina a responsável por desmascarar o teatro do missionário.

Este homem que vinha prometendo milagres no atacado é bem mais que um simples divulgador das Sagradas Escrituras. Além de fundador e titular da Igreja Internacional da Graça de Deus, é também o proprietário da RIT (Rede Internacional de Televisão), um pool de emissoras de TV com afiliadas e repetidoras por todo o país. Sua programação, não resta dúvida, serve de púlpito eletrônico para cooptação e manutenção de fiéis.

Soares é pioneiro no país da televangelização, mas foi seu cunhado e ex-sócio, Edir ‘nada a perder’ Macedo, quem melhor soube gerenciar a estratégia. Hoje, o bispo da Universal do Reino de Deus é o todo poderoso da TV Record, enquanto o missionário amarga uma dívida de 162 milhões de reais inscritos na dívida ativa da União. Talvez por isso, entre uma bênção e outra, o que ele mais faz é pedir doações ao telespectador. Evangelizador moderno que é, já está aceitando até transferência por PIX.

Ironia das ironias, apesar da dívida, segue como o quarto pastor mais rico do país, atrás apenas do cunhado que não tem nada a perder; de Silas Malafaia, o conselheiro do presidente; e de Valdomiro Santiago – aquele que vendia feijões mágicos que, segundo o próprio, também curariam Covid. Em comum, compartilham o apoio a Bolsonaro e o hábito de, mais ou menos ostensivamente, replicarem as práticas de arrecadação financeira operada pelo homem do copo da água abençoada. Uma gangue de respeito, pode-se dizer. 

Não satisfeito com a própria emissora, Soares também compra horários na grade de programação da Band e Rede TV! Quanto ao teor do que transmitem durante os programas do pastor, os canais afirmam não serem responsáveis. Lavam as mãos como Pilatos apenas para contar as moedas como Judas Iscariotes.

E esta vem sendo, via de regra, a história da televisão no Brasil. Apesar dos canais serem uma concessão pública, pouco ou nada de interesse público acaba indo ao ar. E, como ninguém cobra nada de ninguém, os maiores absurdos vão se banalizando e se perpetuando.

Infelizmente, tudo que já era desregrado por natureza e ao arrepio da Constituição, parece se agudizar no governo Bolsonaro. Enquanto o capitão malha a Rede Globo e passa a mão na cabeça da CNN, a ex-pública TV Brasil faz as vezes de órgão de propaganda estatal. Em flagrante conflito de interesses, o titular do Ministério das Comunicações é genro de Silvio Santos, por acaso o dono do SBT.

Para combater estas e inúmeras outras distorções, uma lei de regulação da mídia no Brasil deve ser prioridade de qualquer chapa à presidência minimamente decente que se apresente para as eleições do ano que vem. Regulação não é censura, como querem crer e convencer aos demais os detratores da ideia. É como determina o bordão imortalizado pelo comentarista e ex-árbitro Arnaldo Cezar Coelho: “a regra é clara”. Sem regra, seguiremos no escuro. 

Concessões públicas não podem continuar como casa da mãe Joana e as diferenças entre público, estatal e comercial precisam ser claramente delimitadas. Em nome do interesse público determinado na Constituição há deveres a cumprir e, mais importante, os concessionários têm que se responsabilizar pelo que levam ao ar – independente se produção própria ou conteúdos (religiosos ou não) de terceiros que compram horários na grade.

Do contrário, seremos obrigados a concordar com R. R. Soares: para salvar a televisão brasileira, só rezando mesmo.

VOZ DO PARÁ: Essencial todo dia!

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