Federação partidária – o debate no PT

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Evandro Oliveira
Evandro Oliveira
PÓS GRADUADO EM GESTÃO E DIREÇÃO ESCOLAR; ESPECIALISTA EM "POLÍTICAS DA IGUALDADE RACIAL NA ESCOLA", SABERES AFRICANOS E AFRO-BRASILEIROS NA AMAZÕNIA - PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ (UFPA); GRADUADO CIÊNCIAS SOCIAIS COM ÊNFASE EM SOCIOLOGIA - UFPA; ATUA COMO PROFESSOR DE FILOSOFIA E SOCIOLOGIA NA REDE PÚBLICA E COMO PROFESSOR NO ENSINO SUPERIOR E CURSOS PRÉ-VESTIBULARES.
Construir uma federação para fortalecer a identidade programática da esquerda

O debate sobre a possibilidade das federações partidárias para as eleições de 2022 esquentou nos últimos dias. O PSB fez consulta a deputados de sua bancada federal e também às presidências dos diretórios estaduais sobre a possibilidade de federar com PT, PCdoB, Psol e PV, com ampla maioria a favor. A Executiva Nacional do Psol decidiu abrir diálogos com PCdoB e Rede. A posição do PDT – não se sabe até quando – é por não federar. Já no campo à direita, Cidadania e PSDB devem constituir federação. PSL e DEM já criaram o União Brasil. O PT decidiu em reunião de seu Diretório Nacional que irá iniciar conversas com PSB, PCdoB, Psol e PV.

A questão que se coloca para a esquerda e para o PT não é se vamos federar, mas com quem e como federar. Essa tarefa é fundamental e estratégica para nosso objetivo de eleger Lula e estancar a reação conservadora, autoritária e neoliberal do bolsonarismo.

O que serão as federações partidárias?

A lei 14.208/21 prevê que dois ou mais partidos poderão reunir-se em federação, que atuará como se fosse uma agremiação partidária, isto é, aplicam à federação todas as normas relativas ao funcionamento dos partidos nos parlamentos e à fidelidade partidária. Terá um programa, um estatuto e regras de funcionamento próprias. Por outro lado, a lei também prevê a preservação da identidade e da autonomia dos partidos componentes da federação. Isto é, os partidos manterão suas cores, número de legenda, organização interna, estatutos e regimentos internos

A abrangência das federações é nacional e sua duração é de no mínimo quatro anos. As penalidades para o caso de desistência em meio a esse período são as seguintes: vedação de entrar em outra federação, vedação de celebrar coligação nas duas eleições seguintes e de utilizar o fundo partidário até o final do período previsto da vigência da federação.

Às federações de partidos se aplicam à escolha e registro de candidatos para as eleições majoritárias e proporcionais, à arrecadação e aplicação de recursos em campanhas eleitorais, à propaganda eleitoral, à contagem de votos, à obtenção de cadeiras, à prestação de contas e à convocação de suplentes, como está textualmente na lei.

O sistema partidário e eleitoral brasileiro e as mudanças recentes

O sistema partidário brasileiro é o mais fragmentado do mundo. Em 2018, foram eleitos deputados de 30 partidos. Pelo índice de dispersão partidária formulado pelos cientistas políticos Marku Laakso e Rein Taagepera, que identifica o número “efetivo” de partidos – que leva o tamanho de cada bancada em relação ao total de cadeiras dos parlamentos e às demais bancadas – temos 16,4 partidos. Essa quantidade de partidos reforça o comércio de apoios nas eleições e no Congresso, dificulta a relação entre posicionamento ideológico do eleitorado e o voto, aprofunda o caciquismo na política e a rejeição geral aos partidos políticos.

No entanto, a legislação eleitoral vem mudando e respondendo à necessidade de buscarmos um sistema partidário e eleitoral menos predatório dos recursos públicos e menos confuso. Isso se deve em grande parte a setores da sociedade civil[i] que insistem em acreditar que há uma relação direta entre a organização da arena de disputa política e seus resultados. Com eles, acredito que mudanças institucionais podem provocar mudanças políticas. E isso também diz respeito à esquerda e sua tarefa de transformar o Brasil.

Elenco abaixo as principais inovações legislativas no último período e que fornecem o contexto no qual as federações partidárias se inserem.

(1) fim das coligações proporcionais: ocorreu a partir da aprovação da Emenda Constitucional 97/2017 e tivemos com ela a primeira experiência em 2020, nas eleições municipais. As coligações proporcionais eram contratos de ocasião, realizados entre partidos com ou sem afinidade ideológica. Duravam apenas o período das eleições. Depois, não significavam nada. Poderíamos votar no candidato do PT e ajudar a eleger candidato filiado a partidos de direita, como ocorreu em diversos municípios na década passada.

(2) cláusula de barreira: também fruto da EC 97/2017. Ela estabelece que os partidos só terão direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão os partidos se tiverem um desempenho mínimo nas eleições anteriores. Para continuar tendo esses acessos, os partidos deverão ter no mínimo 2% dos votos válidos em 2022, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação, com o mínimo de 1% dos votos válidos em cada uma delas ou deverão eleger pelo menos 11 deputados federais distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação. Essa cláusula vai se ampliar em 2026 (2,5% ou 13 deputados) e 2030 (3% ou 15 deputados). Por isso, partidos como Rede, PV, Patriota, Cidadania, PCdoB, Avante, Novo, Psol e PROS deverão, necessariamente, fazer federações, uma vez que, se permanecerem isolados, correm muito risco de não terem acesso ao fundo partidário.

(3) sobras eleitorais: a Lei 14.211/21 alterou a regra da disputa pelas sobras eleitorais. No sistema proporcional de eleição para os parlamentos a soma dos votos válidos para os candidatos e candidatas e as legendas dos partidos são somadas e depois divididas pelas cadeiras em disputa. O resultado é o chamado quociente eleitoral. Até 2020 acontecia assim: vamos supor que o quociente eleitoral em determinada eleição seja 20.000 votos. Se o partido X tiver 65.000 votos, ele terá 3 cadeiras e mais 5.000 votos de “sobra”. Se o partido Y tiver apenas 15.000 votos, ele não alcançou o quociente eleitoral, mas pode disputar as sobras e terá muita chance de eleger pelo menos um candidato.

A partir de 2022, o que vai acontecer é o seguinte: as vagas das sobras só poderão ser disputadas por partidos que conseguirem ao menos 80% do quociente eleitoral, ou seja, no exemplo acima, o partido Y já não disputaria as sobras. Além disso, também esses hipotéticos 15.000 votos irão se somar às sobras. Portanto, a nova regra irá fortalecer a posição dos partidos com grande votação e das federações que vierem a ser formadas, pois as sobras preencherão muito mais vagas.

Há mais uma alteração importante quanto às sobras: apenas os candidatos e candidatas que obtiverem votos em número igual ou superior a 20% do quociente eleitoral poderão disputar as vagas das sobras. Ou seja, no nosso exemplo em que o quociente eleitoral é de 20.000 votos, apenas quem obtiver 4.000 votos poderá disputar as vagas.

(4) registro de candidatos: a Lei 14.211/21 também alterou a quantidade de candidatos/as que poderão concorrer às eleições. Antes era possível que até 150% pessoas fossem candidatas, na relação com as cadeiras disputadas. Isto é, se 20 cadeiras estivessem em disputa, cada partido poderia apresentar até 30 candidatos/as. isso foi alterado e em 2022 valerá a regra de que o teto de candidatos/as deverá ser de 100% mais 1 das cadeiras em disputa, isto é, no nosso exemplo, apenas 21 candidatos/as.

Como avaliar essas mudanças? Elas provocam maior vínculo do eleitor ao projeto político do partido do candidato ou candidata. Tentam tornar o sistema mais racional no sentido de diminuir a “sopa de letrinhas” das legendas e provocar uma identificação maior sobre o lugar no espectro político ocupado pelos partidos, se à esquerda, ao centro ou à direita. Elas diminuem a quantidade de candidatos e candidatas, o que vai gerar exigir que sejam mais representativos, que haja maior discussão interna para a composição das listas de candidaturas, sob pena de aumentar a oligarquização partidária.

A federação que precisamos construir

O Diretório Nacional do PT decidiu iniciar conversações sobre a federação partidária com PSB, PCdoB, Psol e PV, a partir de um debate programático, e com debate interno às bases do partido nos estados e municípios.

Os incentivos para a criação de federações partidárias são muitos. As mudanças nas regras eleitorais estão propiciando a diminuição da fragmentação partidária. Vamos ter menos partidos e isso leva inevitavelmente a maior clareza ideológica para o eleitorado. Esse ambiente vai propiciar a construção de partidos maiores, mais nacionalizados, mais diversificados internamente. E vai diminuir os incentivos à criação e manutenção de partidos pequenos, caça-níqueis. O PT batalhou muito por isso e precisa fazer parte deste processo.

Uma federação com o PT como integrante, por seu peso político nacional, inevitavelmente o terá como principal componente. Assim, o partido tem uma grande responsabilidade por coordenar o programa-base da federação, assim como seu estatuto e regras de funcionamento. Mas, é claro, como toda federação que se preze, trata-se de um processo que deverá ser feito com muita capacidade de diálogo e construção coletiva, internamente ao PT e também com os outros partidos.

A campanha para a eleição de Lula e fim do flagelo bolsonarista vai se beneficiar muito de uma federação de esquerda. Ela deve ser o primeiro polo aglutinador de forças sociais e políticas que vão sustentar a onda vermelha que já está se formando pela retomada da construção de um país justo, diverso e democrático. Mesmo com a grandeza do PT e de sua força na esquerda, se estivermos sozinhos não vamos conseguir governar e transformar esse país. Nossas tarefas são ainda maiores do que as que tivemos a partir de 2002.

A federação, é claro, não tem apenas aspectos positivos. Em alguns estados e municípios certamente teremos divergências com os outros partidos que venham a compor a federação. Elas precisam ser superadas com base em um programa compartilhado. À esquerda e à direita da posição média do PT, temos divergências com parlamentares dos partidos apontados como possíveis componentes da nossa federação (PSB, PCdoB, PSol e PV).

Apesar disso, a militância do PT de todo o Brasil precisa se somar à tarefa de retomar o governo federal e criar condições políticas para que Lula possa governar. Precisamos nos focar na reconstrução de tudo o que Bolsonaro e suas milícias vêm destruindo. Essa é a nossa principal missão nos próximos quatro anos, a partir de 2023. Estamos numa guerra contra o conservadorismo, o autoritarismo e o neoliberalismo e precisamos derrotar Bolsonaro e Moro!

Como se dará a convivência entre o PT e os partidos da nossa federação é uma tarefa a ser construída com rapidez e com muita imaginação política, pois o tempo é curto e a derrota de Bolsonaro é para ontem. O debate programático é crucial e é preciso que ele seja fortemente antineoliberal, que reforce a democracia participativa e o papel do Estado na garantia de direitos fundamentais, que construa o ecossocialismo e a transição ecológica, que retome nosso projeto de soberania nacional e união dos povos latino-americanos e que garanta direitos de igualdade a mulheres, negros e negras, indígenas, à comunidade LGBTQIA+.

Construir nossa federação e fortalecer a identidade programática da esquerda é tarefa política necessária para o PT nos próximos meses.

por Wagner Romão | a Terra é Redonda

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