Forças Especiais e o golpe: a queda dos ‘kids pretos’ no comando do Exército

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Após década de ascensão, militares formados nas Forças Especiais ficam de fora da cúpula do Exército pela primeira vez em 2023, com as investigações sobre a tentativa de golpe em 2022 impactando sua imagem

O fim do protagonismo dos “kids pretos” no Alto Comando

O Alto Comando do Exército brasileiro, tradicionalmente composto pelos 16 generais quatro estrelas da Força, apresenta uma nova configuração em 2023, sem a presença de militares formados nas Forças Especiais, os conhecidos “kids pretos”. Pela primeira vez em mais de uma década, esse grupo de elite não ocupa nenhuma posição de destaque na cúpula do Exército, um cenário completamente diferente daquele vivido no final de 2022, quando quatro generais das Forças Especiais estavam em funções estratégicas.

Os “kids pretos” — apelido dado aos militares que completam o rigoroso curso de operações especiais — foram protagonistas na estrutura do Exército durante o governo de Jair Bolsonaro (PL). Contudo, a ascensão desses oficiais ao topo da hierarquia da Força, especialmente nas últimas décadas, foi impactada negativamente por uma série de fatores internos e externos, especialmente pela associação com o Executivo e a subsequente perda de confiança entre os próprios colegas militares.

A ascensão dos “kids pretos” e sua queda

Nos anos finais do governo Bolsonaro, os “kids pretos” eram uma presença constante no Alto Comando do Exército. Generais como Marco Antônio Freire Gomes, Júlio César de Arruda, José Eduardo Pereira e Estevam Theophilo ocupavam posições-chave. Porém, o desgaste da imagem desses oficiais, agravado pela aproximação com o governo Bolsonaro e a participação ativa de muitos deles em cargos estratégicos do Executivo, foi um dos principais fatores para a diminuição de sua influência no comando das Forças Armadas.

Entre 2019 e 2022, ao menos 28 oficiais das Forças Especiais foram deslocados para cargos no governo, incluindo figuras como os generais Luiz Eduardo Ramos e Mário Fernandes. Este movimento de “profissionalização” do Exército no governo Bolsonaro, com militares assumindo funções em ministérios e no entorno do presidente, gerou desconfiança interna, criando um distanciamento entre os “kids pretos” e outros setores da Força.

O desgaste com o governo Bolsonaro

A aproximação dos “kids pretos” com o governo Bolsonaro trouxe um preço alto para sua imagem dentro das Forças Armadas. Embora os militares dessa área sejam reconhecidos por sua disciplina e competência, a relação com o governo e o protagonismo político em momentos de forte polarização no país acabaram por enfraquecer sua posição no Exército. Segundo generais ouvidos pela Folha de S.Paulo, fatores internos, como a criação de uma imagem excessivamente ligada ao governo e a falta de alternativas para ascender no Alto Comando, foram mais determinantes do que os fatores externos.

Além disso, a rivalidade histórica com os “paraquedistas”, representados pelo atual comandante do Exército, general Tomás Paiva, também contribui para a complexidade das relações internas na Força. Enquanto os “kids pretos” representam a elite das operações especiais, os paraquedistas, com seus próprios símbolos e tradições, sempre mantiveram um distanciamento dessa corrente.

A relação com o golpe de 2022 e as investigações da PF

A ascensão dos “kids pretos” ao topo do Exército também gerou um cenário preocupante após as eleições de 2022. A Polícia Federal (PF) identificou a participação de vários militares das Forças Especiais em planos golpistas que tentavam reverter o resultado das urnas e impedir a posse do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva. Dos 37 indiciados pela PF sob suspeita de participação em planos golpistas, 12 eram “kids pretos”.

Dentre os envolvidos, um nome se destaca: general Mário Fernandes, ex-comandante das operações especiais do Exército. Fernandes foi apontado como o principal responsável por elaborar um plano para assassinar o presidente Lula, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o ministro do STF Alexandre de Moraes. A investigação da PF também revela que ele teria recrutado outros “kids pretos” para auxiliar na execução do plano, incluindo o tenente-coronel Rafael Martins de Oliveira, do batalhão de Goiânia.

O envolvimento desses militares em atividades golpistas, como o planejamento de assassinatos de autoridades, levou a um rebaixamento da imagem das Forças Especiais, impactando diretamente na ascensão de novos generais dessa área ao topo do Exército.

O futuro das Forças Especiais

Com a nova composição do Alto Comando em 2023, o Exército parece estar vivendo um período de reavaliação interna, com o protagonismo dos “kids pretos” ficando para trás. A investigação da PF e as repercussões dos eventos de janeiro de 2023 (como os ataques à sede dos Três Poderes) tiveram um efeito devastador sobre a imagem da Força Especial, que, até pouco tempo, era vista como a elite do Exército brasileiro.

Entretanto, apesar de a presença dos “kids pretos” na cúpula do Exército ter diminuído, a elite das operações especiais ainda mantém sua relevância nas Forças Armadas. Com cerca de 2.500 militares formados nas Forças Especiais e com bases em Goiânia, Rio de Janeiro e Manaus, esse grupo continua desempenhando funções essenciais em operações de alto risco, tanto dentro quanto fora do Brasil, como evidenciado em missões no Haiti.

Ainda assim, o legado dos “kids pretos” no Exército parece estar em um ponto de inflexão, à medida que o Exército se reestrutura e tenta recuperar a confiança da população e das demais instituições do país.

Quando os ‘kids pretos’ perdem o comando, a guerra interna no Exército vira um jogo de conspirações!

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