O Ministério Público Federal recomendou ministérios e órgãos a não negociarem sobre mineração nas terras protegidas por lei.
Áudios vazados expõem um grupo de garimpeiros que exploram terras indígenas na região de Jacareacanga, sudoeste do Pará, organizando uma comitiva de 102 indígenas da etnia Munduruku para irem até Brasília (DF). O Ministério Público Federal informou que recomendou ministérios e órgãos a não negociarem sobre mineração nas terras protegidas por lei.
Segundo o MPF, o grupo pretende defender a atividade ilegal em encontros com autoridades públicas durante a semana do Dia do Índio, que começa na próxima segunda (19). Para isso, já teriam arrecadado aproximadamente R$100 mil para custear a viagem, segundo fontes locais informaram ao MPF.
Esta semana foi marcada por protestos a favor do garimpo ilegal na cidade. Um acampamento custeado por garimpeiros foi montado para bloquear o acesso à Jacareacanga. Um carro do ICMBio foi bloqueado pelo manifestantes e o MPF questionou se alguma ação de fiscalização foi impedida.
Ainda de acordo com o MPF, as autoridades federais não devem fazer tratativas com a referida comitiva sobre planejamento e operação de ações de repressão e retirada de garimpeiros e mineradores ilegais do território indígena Munduruku. As investigações do órgão apontam que uma minoria indígena foi aliciada para apoiarem a exploração ilegal.
“A comitiva não representa o interesse da maioria da etnia Munduruku, e sim apenas o interesse de mineradores ilegais que aliciaram e financiam o grupo minoritário”, afirma o MPF.
O MPF informou, ainda que, os áudios postados em grupo de garimpeiros “revelam que a estratégia dos criminosos é levar os indígenas a Brasília para barrar operações contra a mineração ilegal, e para pressionar pela aprovação do Projeto de Lei 191/2020, que libera a mineração em terras indígenas”.
‘Matar no ninho’
Em um dos áudios, o líder garimpeiro Vilelú Inácio de Oliveira, conhecido como Vilela, segundo o MPF, afirma, “mais uma vez se vê necessário ir pra Brasília, levar uns dois ônibus lotados de índio, pra que nós podemos tentar reverter esse quadro da Polícia Federal, que tá preparada pra vir aqui dentro da área indígena, junto com o Ibama e Exército, igual veio da outra vez. Dessa vez é ordem judicial, não tem como eles saírem fora”, referindo-se ao processo judicial em que o MPF pede à Justiça Federal decisão para obrigar a atuação de forças federais na região.
“Então se faz necessário ir pra Brasília pra tentar matar esse passarinho no ninho, lá, e também o pedido da PL 191, pra podermos legalizar, aí, nossa atividade dentro da terra indígena”, prossegue Vilela. “A hora é agora, se alguém realmente que não tenha operação na terra indígena, e queira que essa lei seja aprovada, é agora”, conclui.
Na recomendação, o MPF aponta que “permanece em vigor um estado de coisas totalmente ilegal e inconstitucional, em que, de maneira evidente, determinados grupos organizados se sentem à vontade não apenas para incorrer em crimes, como também para aliciar e buscar intervir politicamente nas decisões dos órgãos e entidades de proteção territorial e de prevenção e repressão aos ilícitos ambientais, inclusive para promover atos de violência e interferir na realização da fiscalização ambiental”.
O MPF cita, na recomendação, que a mineração “tem promovido desmatamento, contaminação de rios, tráfico de drogas, prostituição, e a disseminação da Covid-19 nas terras indígenas”.
Sobre o risco da pandemia em território Munduruku, o MPF afirma que a ida da comitiva a Brasília sem respeito a protocolos sanitários também pode representar risco de contaminação pelo novo coronavírus nas aldeias, e por isso recomendou também que ministérios e órgãos públicos orientem os indígenas a retornarem ao território Munduruku.
A recomendação foi enviada à Fundação Nacional do Índio (Funai), à Agência Nacional de Mineração (ANM), ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e às secretarias executivas dos ministérios do Meio Ambiente, da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, da Justiça e Segurança Pública, e de Minas e Energia.
Assim que receberem o documento, os ministérios e órgãos destinatários terão 24 horas para apresentar respostas.
Garimpo ilegal gera conflito
A região de Jacareacanga, distante 1.735 km da capital Belém, vive uma situação de conflito entre apoiadores do garimpo ilegal e defensores das terras indígenas.
Por conta disso, o MPF vem fazendo pedidos à Justiça Federal para que forças federais sejam obrigadas a atuar com urgência para impedir ataque violento dos garimpeiros ilegais aos indígenas.
No dia 25 de março, a sede de uma associação de mulheres indígenas da etnia Munduruku foi atacada por garimpeiros e indígenas aliciados, segundo aponta o MPF. Uma campanha de arrecadação foi lançada para reconstruir o espaço. A ONU Direitos Humanos e ONU Mulheres pediu investigação sobre o caso.