A análise revelou ainda que os peixes, principal fonte de proteína das comunidades, também estão contaminados
No médio Rio Tapajós, nos municípios de Itaituba e Trairão, no Pará, o povo indígena Munduruku está sofrendo com o impacto do mercúrio usado largamente em atividade de garimpo. Um estudo realizado pela Fiocruz em parceria com o WWF-Brasil indica que todos os participantes da pesquisa estão afetados por este contaminante. De cada dez participantes, seis apresentaram níveis de mercúrio acima de limites seguros: cerca de 57,9% dos participantes apresentaram níveis de mercúrio acima de 6µg.g-1 – que é o limite máximo de segurança estabelecido por agências de saúde.
A contaminação é maior em áreas mais impactadas pelo garimpo, nas aldeias que ficam às margens dos rios afetados. Nessas localidades, nove em cada dez participantes apresentaram alto nível de contaminação. As crianças também são impactadas: cerca de 15,8% delas apresentaram problemas em testes de neurodesenvolvimento.
“Esse projeto foi concebido para atender a um pedido da Associação Indígena Pariri, que representa o povo indígena Munduruku, em virtude da elevada devastação do ambiente natural e da contaminação provocada pelo mercúrio no Tapajós e seus afluentes. Os resultados nos mostram que a atividade garimpeira vem promovendo alterações de grande escala no uso do solo nos territórios tradicionais da Amazônia, com impactos socioambientais diretos e indiretos para as populações locais, incluindo prejuízos à segurança alimentar, à economia local, à saúde das pessoas e aos serviços ecossistêmicos”, explicou o coordenador do estudo e pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), Paulo Basta.
“Além de impactar a saúde dos rios e florestas, a atividade garimpeira na Bacia do Tapajós impõe aos Mundurukus o abandono do seu modo de vida tradicional, já que altera por completo a relação dessa população com os rios, que de fonte de vida passaram a ser a principal fonte de ameaça à reprodução física e cultural deles” ressalta Danicley de Aguiar, da Campanha da Amazônia do Greenpeace Brasil.
A análise revelou ainda que os peixes, principal fonte de proteína das comunidades, também estão contaminados. Dados obtidos a partir das entrevistas indicaram que 96% dos participantes ingerem peixes regularmente. Foram capturados 88 exemplares de peixes, pertencentes a 18 espécies distintas: todos estavam contaminados. A partir daí, o estudo descobriu que as doses de ingestão diária de mercúrio estimadas para os participantes, de acordo com cinco espécies de peixes piscívoros amostrados, foram 4 a 18 vezes superiores aos limites seguros preconizados pela Agência de Proteção Ambiental Norte-Americana (EPA).
As espécies piscívoras, ou seja, que se alimentam de outros peixes, apresentaram os níveis mais altos de contaminação. As maiores médias foram reportadas entre a piranha preta (Serrasalmus rhombeus), ultrapassando em quase quatro vezes o limite máximo permitido (0,5 µg.g-1) para comercialização e consumo de pescado, de acordo com as recomendações da FAO/OMS.
“Os indígenas querem saber o que comer, pois os peixes contaminados estão na nossa mesa e o alimento que temos vem do rio. A presença do garimpo afeta não só a saúde, mas toda a nossa vida social com a chegada das drogas, da violência doméstica e da prostituição. É preocupante, mas precisamos de uma solução. A gente tem que criminalizar e punir as pessoas que contaminam o rio”, revela a líder indígena Alessandra Korap Munduruku.
O estudo traz também uma série de recomendações, incluindo a interrupção imediata do garimpo em terras indígenas, um plano para descontinuar o uso de mercúrio no garimpo, assim como um plano de manejo de risco para as populações cronicamente expostas ao mercúrio. A coleta de dados ocorreu entre 29 de outubro e 9 de novembro de 2019, com 200 habitantes de três aldeias impactadas pelo garimpo: Sawré Muybu, Poxo Muybu e Sawré Aboy. O processo incluiu entrevistas, avaliação clínico-laboratorial, coleta de amostras de cabelo e coleta de amostras de peixes para aferição dos níveis de mercúrio.
Curso forma lideranças sobre impactos do garimpo
Em dezembro ocorrerá o 3º módulo do curso Impactos da Atividade Garimpeira e a Defesa dos Direitos dos Povos Tradicionais do Brasil. O curso é resultado de uma parceria firmada entre a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), a Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz) e o WWF-Brasil.
O objetivo é contribuir para a formação de lideranças comunitárias que militam contra a expansão da atividade garimpeira na Amazônia e em defesa dos direitos dos Povos Tradicionais Brasileiros. O curso é direcionado para lideranças indígenas, lideranças jovens, representantes de comunidades quilombolas e ribeirinhas, entre outras, e que vivam em áreas do Brasil que estejam sob a influência direta ou indireta da atividade garimpeira.
Para a pesquisadora Ana Claudia Vasconcellos (EPSJV/Fiocruz), o curso é de fundamental importância, pois colabora para análise e a reflexão sobre o tema, favorecendo a construção de argumentações em defesa dos direitos dos povos tradicionais.
“Quando tivemos a oportunidade de debater os resultados da pesquisa com as lideranças indígenas, percebemos o quanto seria importante falar com mais clareza sobre o impacto do garimpo e sobre como ocorre a contaminação humana e ambiental pelo mercúrio. Por meio do curso, buscamos empoderar essas lideranças incentivando o conhecimento técnico sobre o tema”.
Fonte: Fiocruz