Gettr, a rede social de Trump que já conta com presença de Bolsonaro e seu clã

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Evandro Oliveira
Evandro Oliveira
PÓS GRADUADO EM GESTÃO E DIREÇÃO ESCOLAR; ESPECIALISTA EM "POLÍTICAS DA IGUALDADE RACIAL NA ESCOLA", SABERES AFRICANOS E AFRO-BRASILEIROS NA AMAZÕNIA - PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ (UFPA); GRADUADO CIÊNCIAS SOCIAIS COM ÊNFASE EM SOCIOLOGIA - UFPA; ATUA COMO PROFESSOR DE FILOSOFIA E SOCIOLOGIA NA REDE PÚBLICA E COMO PROFESSOR NO ENSINO SUPERIOR E CURSOS PRÉ-VESTIBULARES.
Rápida adesão de brasileiros ao Gettr levanta suspeitas sobre o alinhamento entre as estratégias dos trumpistas e bolsonaristas nas redes sociais

“O Brasil será um grande mercado para a Gettr”, comemorou Jason Miller, o ex-porta voz do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, CEO da nova rede social. Dois dias depois da estreia, no último dia 4 de julho, dia da Independência americana, a plataforma já estava disponível em português (BR).

Apenas três dias depois do lançamento, o presidente Jair Bolsonaro já tem uma conta verificada com mais de 99 mil seguidores na plataforma. O perfil parece estar vinculado à conta oficial do presidente no Twitter, com descrição e publicações idênticas, no entanto, a criação da conta no Gettr não foi anunciada pelos canais oficiais.

Um dos primeiros políticos brasileiros a criar conta na plataforma foi o filho do presidente e senador da República, Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ). “Mais uma rede em defesa da liberdade. Acesse, se inscreva e me siga”, anunciou em suas redes sociais. 

Flávio Bolsonaro divulgou a nova rede social para seus seguidores (Reprodução/Instagram)Flávio Bolsonaro divulgou a nova rede social para seus seguidores (Reprodução/Instagram)

No Gettr, ele foi recebido diretamente pelo fundador Jason Miller com mensagem de boas vindas e selo de verificação – a conta do filho mais velho do presidente era uma das poucas brasileiras verificadas. “É uma honra ter o Brasil representado de uma forma tão proeminente”, publicou o CEO.

Outros nomes influentes do Bolsonarismo também se inscreveram no Gettr. A Agência Pública identificou pelo menos sete perfis oficiais de aliados ao presidente, entre eles dos deputados federais Carlos Jordy (PSL-RJ), Carla Zambelli (PSL-SP), Caroline de Toni (PSL-SC), Daniel Freitas (PSL-SC), Paulo Eduardo Martins (PSC-PR), Helio Lopes (PSL-RJ) e Major Vitor Hugo (PSL-GO). Os parlamentares divulgaram a criação de contas no Gettr em seus canais do Telegram. 

Eduardo Bolsonaro, deputado federal pelo PSL (que também está verificado pela plataforma), Carlos Bolsonaro, vereador do Rio de Janeiro pelo Republicanos, e a primeira-dama Michelle Bolsonaro, também já têm conta na plataforma. O ministro Fábio Farias, do Ministério das Comunicações, e o assessor especial da Presidência, Filipe Martins, também possuem perfis verificados. Questionada, a assessoria de Eduardo Bolsonaro afirmou que não pode responder se a conta pertence ao parlamentar e afirmou que o responsável entraria em contato, o que não ocorreu; a reportagem não obteve retorno dos outros citados.

‘Peguem ela’

A equipe do ex-presidente americano Donald Trump descreve a rede como “uma nova rede social fundada nos princípios da liberdade de expressão, pensamento livre e rejeição à censura política e à ‘cultura do cancelamento'”.

O nome da plataforma, Gettr, é uma referência à expressão “Get Her” (“Peguem ela”, em tradução livre), usada por Trump na campanha contra Hillary Clinton. A rede já reúne cerca de 500 mil usuários. Com menos de uma semana do lançamento, os brasileiros já se tornaram a segunda maior nacionalidade na rede, depois dos estadunidenses. 

A reportagem também encontrou um perfil com o nome do ministro Paulo Guedes, da Economia, mas a pasta afirmou que não é oficial.

Em resposta à Pública, a coordenadora do Departamento de Conteúdo e Gestão de Canais da Secretaria de Comunicação da Presidência, Amanda Leiria, afirmou que a Secom não tem conhecimento de se as contas de Jair Bolsonaro, Michelle Bolsonaro e Filipe Martins são reais: “Isso não passa por aqui, a gente não cuida das redes, só do institucional”. Sobre se existe a intenção de que a Secretaria de Comunicação da Presidência crie uma conta no Gettr, respondeu que “não tem nenhuma orientação nesse sentido”.

Já o Gabinete Pessoal do presidente da República respondeu via telefone que “não saberia dizer [se as contas são oficiais]”. De acordo com Leila Olinto, técnica, essa informação só pode ser acessada por meio de uma “carta enviada para Jair Bolsonaro”.

A reportagem também entrou em contato com o Ministério das Comunicações e com os parlamentares e funcionários citados, mas não obteve resposta até a publicação.  

Liberdade de expressão que atrai desinformação

O Gettr funciona com postagens de até 777 caracteres e vídeos de até 3 minutos, além de estética semelhante ao Twitter. Nos seus termos de uso, a plataforma afirma que tem a liberdade de expressão como seu valor central e que não irá “censurar” as opiniões de seus usuários.

O deputado federal Carlos Jordy (PSL-RJ) caracterizou a plataforma como “uma rede que foge aos padrões globalistas das big techs como Facebook, YouTube e Twitter” – o termo globalismo é utilizado pela extrema direita para se referir a um suposto plano de dominação das elites ao redor do mundo.

O parlamentar defende que os conservadores estão sendo censurados, e que por isso aderiu à nova rede. “As redes sociais não podem ser utilizadas como controladores sociais e formatadores do pensamento”, respondeu à Agência Pública por meio de sua assessoria.

À Pública, o deputado Paulo Eduardo Martins destacou a defesa da liberdade e seu gosto pela comunicação como justificativa para criar a conta: “Sou um ferrenho defensor das liberdades. Todas elas. E a Gettr promete respeitar a liberdade de expressão”. “Já tem muita gente usando e está legal”, avaliou o parlamentar.

A promessa de não moderação de conteúdo atraiu sites associados à publicação de notícias falsas para o Gettr. O Pleno.News, um dos portais apontados por disseminar desinformação, criou um perfil na plataforma assim que ela foi lançada. O portal evangélico chegou a publicar um texto em seu site ensinando os leitores a também abrirem contas na nova rede social. O site Conexão Política, que já propagou informações falsas sobre a pandemia de coronavírus, também divulgou a rede e criou sua conta.

Terça Livre e seu fundador, Allan dos Santos, investigado em dois inquéritos no STF que apuram a disseminação de notícias falsas e organização de atos antidemocráticos, também aderiram ao Gettr. Ele, que já foi banido de outras redes sociais por publicar desinformação, tem publicado com frequência no Gettr, interagindo com novos usuários e pedindo melhorias na plataforma para os brasileiros. 

A deputada Carla Zambelli, uma das mais ativas no ambiente digital, também está advogando pela adesão de brasileiros à plataforma. Em publicações no Gettr ela comemora a chegada de novos perfis por lá. Em resposta à reportagem, Zambelli afirmou que criou seu perfil para não se “preocupar com perder conteúdo simplesmente porque não agradamos a opinião globalista”. De acordo com a parlamentar, “um post é de direito e responsabilidade de quem publicou”, dessa forma, a retirada de publicações estaria ferindo a Constituição. “Espero que ela [a rede Gettr] mostre às demais big techs e ao mundo em geral o que é liberdade de fato”, concluiu a deputada investigada no inquérito das fake news. 

Um desses recém-chegados é o youtuber bolsonarista Renato Barros. Ele usou a nova plataforma para publicar conteúdo que questiona a segurança das vacinas contra Covid-19. “Há um mês com efeitos da vacina”, escreveu na legenda de um vídeo que mostra jovem com espasmos musculares. Não há evidências de que a reação gravada se trata de um efeito adverso de vacina. No Twitter, ele publicou o mesmo vídeo, mas na legenda substituiu a palavra “vacina” por “picada”, estratégia para driblar a moderação de conteúdo.

Procurado, Barros afirmou que criou perfil no Gettr “porque quis”. “Vivemos em uma democracia. Posso, dentro da lei, fazer o que eu quiser”. O youtuber não se posicionou sobre as postagens sobre vacinas em suas redes sociais, mas expôs as perguntas feitas respeitosamente pela reportagem nas suas redes sociais afirmando que “a extrema-imprensa atua contra as liberdades”. 

A reportagem entrou em contato com as outras páginas citadas, mas não obteve resposta.

Outros usuários também aproveitaram a falta de moderação do Gettr para publicar conteúdos favoráveis ao chamado tratamento precoce – coquetel de medicamentos sem eficácia comprovada no combate ao coronavírus. “Viva a cloroquina! Me censura agora Twitter miserável”, publicou o perfil ‘O Patriota’, acompanhado de uma foto do presidente Bolsonaro segurando o medicamento. 

Reportagem do Núcleo Jornalismo mostrou que “médicos cloroquiners” – aqueles que recomendam medicamentos sem eficácia comprovada – também aderiram à plataforma.

“Quando você tem uma plataforma que só fomenta uma bolha única, você vai pra periferia do debate público”, explica David Nemer, pesquisador e professor de estudos das mídias na Universidade da Virgínia, Estados Unidos. “O perigo disso é que vira um antro radicalizador no sentido de extremistas”, finaliza.

Alinhamento entre bolsonaristas e trumpistas?  

A criação de uma rede social sem “censura” faz parte dos planos de Donald Trump desde que ele começou a ter postagens tarjadas no Twitter, Facebook e Instagram, por publicar notícias falsas. A insistência do ex-presidente em disseminar desinformação (em especial sobre as eleições norte-americanas) culminou no seu banimento das redes sociais tradicionais em janeiro deste ano, após uma publicação sua incitar apoiadores a invadir o Congresso americano.

Depois disso, a primeira tentativa da extrema direita norte-americana de retorno às redes foi através do aplicativo de mensagens Telegram. Assim que o ex-presidente teve as contas banidas, sua base de aliados criou uma série de canais e grupos na plataforma, de forma que o aplicativo se tornou o mais baixado do mundo em janeiro. Na mesma época, bolsonaristas também migraram para o Telegram.

Em março, Trump anunciou o desejo de retornar às redes com uma plataforma própria. Sua equipe chegou a negociar a compra de uma participação na plataforma Parler, que acabou não vingando. O plano parece se consolidar com a criação do Gettr, sob o comando de seu ex-porta voz, Jason Miller. Nomes importantes do trumpismo, como Steve Bannon e Mike Pompeo já estão por lá.

Para alguns pesquisadores, a rápida adesão de brasileiros levanta suspeitas sobre o alinhamento entre as estratégias dos trumpistas e bolsonaristas nas redes sociais. “Fica a curiosidade, se há mesmo um plano por trás disso”, questiona David Nemer.

Trump anunciou no dia 7 de julho que vai processar Facebook, Twitter e Facebook por terem banido suas contas em redes sociais. (Publicado originalmente em Agência Pública.)

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