Governo vai tentar ‘regularizar’ orçamento secreto que criou ‘tratoraço’ de apoio a Bolsonaro

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Evandro Oliveira
Evandro Oliveira
PÓS GRADUADO EM GESTÃO E DIREÇÃO ESCOLAR; ESPECIALISTA EM "POLÍTICAS DA IGUALDADE RACIAL NA ESCOLA", SABERES AFRICANOS E AFRO-BRASILEIROS NA AMAZÕNIA - PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ (UFPA); GRADUADO CIÊNCIAS SOCIAIS COM ÊNFASE EM SOCIOLOGIA - UFPA; ATUA COMO PROFESSOR DE FILOSOFIA E SOCIOLOGIA NA REDE PÚBLICA E COMO PROFESSOR NO ENSINO SUPERIOR E CURSOS PRÉ-VESTIBULARES.
Núcleo político quer dar ao Congresso, via portaria, direito de impor destino das emendas de relator; Ministério da Economia é contra

A ala política do governo quer incluir em uma portaria interministerial uma permissão para repassar formalmente ao Congresso o direito de impor neste ano o destino de emenda de relator, o que atualmente não é permitido pela lei orçamentária. Seria uma forma de “regularizar” o esquema do orçamento secreto, revelado pelo Estadão, depois de as indicações bilionárias feitas no Orçamento de 2020 entrarem na mira do Tribunal de Contas da União (TCU).

A medida, porém, enfrenta resistências dentro do Ministério da Economia, uma vez que não há qualquer lei ou trecho da Constituição que imponha a indicação dos congressistas para o uso desses recursos. Essa previsão só existe para outros tipos de emenda, individuais e de bancada, que todo ano têm valor definido e distribuição igualitária entre parlamentares governistas e de oposição. Técnicos ouvidos pela reportagem veem falta de base jurídica para uma regulamentação que “legitime” o direcionamento do destino das emendas de relator pelo Legislativo.

No Orçamento de 2020, o governo ignorou esse entendimento da Economia. O Ministério Público junto ao TCU pediu abertura de investigação para apurar eventual crime de responsabilidade do presidente da República por causa disso.

Segundo apurou a reportagem, a negociação vem sendo conduzida pela Casa Civil, chefiada pelo ministro Luiz Eduardo Ramos, embora a portaria seja de competência da Secretaria de Governo, da ministra Flávia Arruda, e da Economia. O prazo para regulamentar a execução das emendas termina na primeira semana de junho, daí a pressa nas articulações. Há também pressão da base aliada do governo para que as regras sejam publicadas logo para destravar o uso do dinheiro, que até agora não pôde ser utilizado.

Para tentar driblar as resistências na área econômica, a ala política tenta emplacar um dispositivo “não taxativo”, isto é, opcional. Segundo fontes que acompanham as discussões, a redação estipularia que o ministério beneficiário dos recursos poderá solicitar ao relator-geral a indicação da localidade em que a verba deve ser aplicada. Assim, a decisão de pedir ou não o endereço final da dotação ficaria, em tese, com o chefe da pasta, transmitindo a ideia de que o Executivo segue no controle do uso dos recursos.

O Orçamento de 2021 tem hoje R$ 18,5 bilhões destinados às emendas de relator – valor que pode cair a R$ 17,2 bilhões, caso o Congresso aprove um corte proposto por Bolsonaro para conseguir remanejar recursos e socorrer ministérios (mais informações nesta página). Antes dessa redução, os maiores beneficiários das emendas de relator são os ministérios da Saúde (R$ 7,8 bilhões), do Desenvolvimento Regional (R$ 6 bilhões), da Agricultura (R$ 1,7 bilhão), da Cidadania (R$ 1,1 bilhão) e da Educação (R$ 1 bilhão), segundo dados da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado.

Esquema

O orçamento secreto é um esquema montado pelo governo Bolsonaro em 2020 para ganhar apoio político no Congresso. Um grupo de deputados e senadores fechou acordo com o governo para escolher, naquele ano, o destino de ao menos R$ 3 bilhões das chamadas emendas de relator-geral, indicadas no Orçamento pela sigla RP9, destinadas ao Ministério do Desenvolvimento Regional.

Não há qualquer informação pública sobre qual político indicou o quê, como já admitiu o próprio governo. Grande parte dos recursos foi parar em redutos eleitorais e será usada para a compra de tratores a preços até 250% acima da tabela de referência do governo, razão pela qual o esquema de toma lá, dá cá ganhou o nome de “tratoraço” nas redes sociais.

O ministério tem afirmado que “preço de referência não existe no governo federal” e trata o documento como “uma cartilha meramente ilustrativa”. O ministro Rogério Marinho já admitiu ao jornal O Globo a distribuição política dos recursos, o que ele afirma não ver problema. Pelas regras orçamentárias, os recursos deveriam ser aplicados conforme decisão do governo e com base em critérios técnicos, e não políticos.

Se o dispositivo almejado pela ala política prosperar, os ministérios poderiam solicitar ao relator do Orçamento de 2021, senador Marcio Bittar (MDB-AC), a indicação final dos recursos, abrindo o caminho para o governo honrar seus acordos políticos. No início do ano, o próprio governo acenou com um espaço de R$ 16,5 bilhões em emendas de relator em troca da aprovação da chamada PEC emergencial, que instituiu mecanismos de controle de gastos considerados essenciais pelo time do ministro da Economia, Paulo Guedes. A indicação do relator autorizada pela portaria resguardaria as indicações de 2021.

Em 2020, como mostrou o Estadão, elas foram feitas em ofícios remetidos por parlamentares, em sua maioria aliados do governo, sem a devida transparência e sem compromisso com divisão igualitária de recursos.

O Ministério da Economia confirmou, por meio de sua assessoria, que “não existe nenhum regramento constitucional ou legal que lhe atribua (às emendas de relator) caráter impositivo, ao contrário das emendas individuais e de bancada estadual, às quais se atribui o caráter de execução obrigatória, conforme previsão constitucional”.

“Sendo assim, o entendimento técnico que pauta as discussões sobre a nova portaria é o de que qualquer regulamentação dos procedimentos voltados à execução ou ajustes orçamentários de programações decorrentes de emendas de relator-geral (RP9) deve seguir os mesmos princípios e exigências aplicáveis à execução das despesas discricionárias”, diz a nota.

Os chamados gastos discricionários incluem despesas de custeio e investimentos e são direcionados pelos próprios ministérios.

A Casa Civil informou apenas que a regulamentação dos procedimentos e prazos das emendas é prevista no artigo 73 da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e que a portaria conjunta é normalmente editada pela Secretaria de Governo e pela Economia, direcionando os questionamentos a esses órgãos. A Segov não respondeu até a conclusão desta edição.

O Estado de São Paulo

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