Halston, a armadilha do sucesso

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Evandro Oliveira
Evandro Oliveira
PÓS GRADUADO EM GESTÃO E DIREÇÃO ESCOLAR; ESPECIALISTA EM "POLÍTICAS DA IGUALDADE RACIAL NA ESCOLA", SABERES AFRICANOS E AFRO-BRASILEIROS NA AMAZÕNIA - PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ (UFPA); GRADUADO CIÊNCIAS SOCIAIS COM ÊNFASE EM SOCIOLOGIA - UFPA; ATUA COMO PROFESSOR DE FILOSOFIA E SOCIOLOGIA NA REDE PÚBLICA E COMO PROFESSOR NO ENSINO SUPERIOR E CURSOS PRÉ-VESTIBULARES.
O estilista norte-americano Halston, hoje praticamente esquecido, foi um símbolo da moda, do luxo, do sucesso e da loucura da década de 1970. A série biográfica da Netflix, que o apresenta com o rosto de Ewan McGregor, pode ser vista como um aviso sobre os resultados irreconciliáveis do excesso de autoconfiança.

No Brasil, as décadas de 70 e 80 foram um período de reinvenção da democracia e dos seus valores, de luta política e de adaptação progresso que parecia iminente. Por isso é natural que sejam recordadas de maneira diferente do resto do mundo, especialmente dos Estados Unidos. Lá, foi a época do luxo, do edonismo, das drogas e da ascensão social a todo o vapor. A especulação bolsista, os lobies, e o carreirismo em carreiras que anteriormente passavam despercebidas, como corretor de bolsa ou conselheiro financeiro, fizeram fortunas instantâneas e criaram a mentalidade de que o chico-espertismo vale a pena. Outras profissões alternativas, que igualmente moviam milhões, vieram para a frente do palco, especialmente na moda, na música e em certas artes (cinema e fotografia, por ex.).  Acabou tudo com a grande recessão de 1982, e nunca mais houve euforia que se lhe compare.

Nenhuma cidade viveu mais intensamente esses anos loucos do que Nova Iorque, a metrópole que simboliza todas as metrópoles. Centro do mercado financeiro, da moda, da vida noturna e do luxo, foi em Nova Iorque que despontaram os mitos mais exuberantes. Um deles foi Halston ?” não o único, mas um dos poucos.

Amigo de Lizza Minnelli, Elsa Peretti, Andy Wharol, Bianca Jagger, Martha Graham, Betty Ford, e de toda as estrelas que frequentavam as noites do Studio 54, e inimigo de Calvin Klein, Oscar de la Renta, Bill Blass e de todos os designers concorrentes, Halston criou uma imagem ao mesmo tempo sedutora e temível, que lhe rendeu milhões de dólares e fama internacional.

Uma pessoa pode não saber quem foi Halston, mas com certeza que se lembra do vestido que Lizza Minnelli usou ao cantar “New York, New York”, já viu jóias Peretti (que ele “descobriu”), ou ouviu falar na coreógrafa Martha Graham (para quem ele fez os figurinos de incontáveis ballets). Isto para não mencionar Andy Wharol, que redefiniu o que é ser artista plástico, e que terá dito que os desfiles de Halston eram “a Arte da década de 70”.

Nascido em 1932 em des Moines, no Ohio ?” o que quer dizer, “para trás do sol posto” ?” Halston aparece pela primeira vez em Chicago como designer de chapéus (para encurtar uma longa história) e teve a oportunidade de desenhar o famoso “pill box”, o chapéu ícone da icónica Jackie Kennedy. Esse sucesso levou a que fosse levado pela Bergdorf Goodman para Nova Iorque. Mas em 1966 os chapéus femininos estavama passar de moda e as colecções que fez para o armazém mais chique da cidade não pegaram. Graças ao apoio financeiro de algumas clientes ricas que o adoravam, instalou-se por conta própria e em poucos anos era um sucesso fenomenal. Os seus modelos flutantes faziam as mulhes diáfanas, mesmo quando já não eram muito frescas, e isso terá contribuido para que todas as colecções se esgotassem.

(No Brasil, talvez o estilo mais próximo era o de Markito, que tinha uma personalidade completamente diferente.)

Num gesto impensado, mas que na altura fazia sentido, vendeu o seu nome ao financeiro Norton Simon, cuja esposa, Lucille Ellis, era uma admiradora incondicional de Halston. Anos mais tarde, quando a marca Halston não via crescer as vendas ao ritmo que os investidores gostam, Simon vende-a a outra empresa de investimentos, a Esmark, que não teve paciência para aturar os incumprimentos do designer, nem via com bons olhos a sua vida “dissoluta”. Sim, porque, entretanto, Halston levava uma vida publica e notória de festas loucas, muita droga e relações homosessuais, uma permanente e outras efémeras. Gastava rios de dinheiro e trabalhava cada vez menos. Considerava-se um génio e não admitia que o admoestassem de nada.

O resultado foi que a Esmark terminou com o contrato, usando as alíneas que Halston nunca se tinha dado ao trabalho de ler. Perdeu o controle do atelier e, pior, perdeu o direito de usar o seu próprio nome. (Este processo, aliás, aconteceu com vários designers, como Jill Sander, Thierry Mugler, John Galiliano e Calvin Klein.)

Halston ficou com uma pensão de um milhão de dólares ?” modesta, para o que o seu nome dava a ganhar à Esmark ?” e retirou-se para uma casa frente ao mar na Califórnia, onde morreu de Aids, solitário e amargurado.

Moral da história: talvez seja mais difícil lidar com o sucesso do que viver com o insucesso.

Quanto à série da Netflix, apenas duas notas: Ewan McGregor é, de fato, um ator extraordinário. Só ele, vale a série toda. E, embora a história contada seja verdadeira, está mal contada. Halston formava um quarteto inseparável com Andy Wharol (que quase não aparece), Liza Minelli (que, vá lá, aparece um bocadinho) e Elsa Peretti (que é mostrada mais como uma empregada dedicada do que como a amiga que foi). Se eu fosse crítico de séries, dava cinco estrelas a McGregor, três estrelas à produção e uma estrela ao roteiro. Fora isso, vale a pena ver!

por José Couto Nogueira

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