Considerações sobre o editorial do jornal O Estado de S. Paulo
“O homem médio dirá que as coisas racionais são as que se mostram obviamente úteis” (Max Horkheimer, Eclipse da Razão).
Saudações neste 2022, que tem cara de fim-de-feira: hortaliças, legumes, verduras frescas se sobrepõem, aos poucos, às laranjas, bananas, goiabas e olivas em estado de putrefação. Como bem sabemos, sempre que a (des)razão de mercado se vê em perigo, os ciosos conservadores (“conservadores” de quê, hein?) vêm a público para refundar os pseudoargumentos do assinante e, se possível, confundir o leitor de ocasião.
Felizmente, não assino folhas, diários e tabloides orientados pela imbecilidade neoliberal: não sou cúmplice de veículos que detonaram João Goulart em nome de deus-propriedade-família; que apoiaram a ditadura; que promovem golpes (inclusive o mais recente) e, dentre outras peripécias, ajudaram a eleger o não-ser em 2018, coparticipando das fake News disseminadas pelas redes sociais. Poupo o leitorado de reproduzir trechos do editorial injusto e ofensivo publicado no jornal. Mas é preciso compreender as “razões” do Estadão, com o perdão do trocadilho.
A chamada “grande” imprensa – aquela em que setores da classe média confiam – parece não ter aprendido muita coisa com o golpe de 2016 e o assalto às urnas, com direito a três-oitão como comprovante de votação no monstro. Ou melhor, talvez tenha aprendido que o sistema em que vivemos é autodestrutivo. Nem precisaremos esperar pelo meteoro, même tão celebrado nas redes sociais, para morrermos de calor e falta de água, cercados de plástico e sem sombra de árvore.
Para o paulistano que tem fobia a qualquer coisa que cheire à “bem-estar-social”, “dignidade”, “ocupação de imóveis vagos”, “defesa do SUS”, “proteção à soberania nacional”, “ampliação do parque industrial”, “agricultura familiar”, “combate aos preconceitos”, “luta contra a misoginia” etc., certamente as palavras do editor, às vésperas dos 468 anos da Pauliceia – a perseverar tucana e cinicamente, a ponto de ignorar as 31 mil pessoas em-situação-de-rua – as falácias veiculadas no jornal terão soado como um big presente. Veja lá se o editorial não parece um texto de encomenda, financiado pelos setores mais reacionários da “elite” paulistana.
Sim, porque nossa classe média, salvo um punhado de especialistas e orgulhosos leitores de best-sellers, praticamente não cultiva algo além de mensagens que escorregam entre os dedos na tela do smartphone, financiado em suaves prestações. Nada melhor para esse público seleto que receber essa dádiva: um texto repleto de falácias travestidas de senso comum, caros à “ética” neoliberal. Nesse sentido, o editorial do Estadão não deve nada aos livros que levam na capa a magia de internalizar o dane-se-o-resto, celebram o empreendedorismo-sem-patrão (no país sem clientes) e detonam a coisa pública (com exceção de setores providencialmente bem-remunerados pelo Estado FEDE-ral).
Marco Aurélio de Carvalho[i] está certíssimo em se indignar contra a “resistência demonstrada por certos setores da grande mídia”, que acusam Luiz Inácio Lula da Silva de atentar contra a democracia. Que nome se dá a isso? Cinismo? Hipocrisia? Cumplicidade de genocídio? Apologia da destruição do Estado? Nessas horas nos damos conta de que a moral de alguns seres é tão elástica quanto o jeton que recebem e tão conveniente quanto a defesa dos interesses próprios ou de seus apaniguados.
Por que peças como essa contagiam tais leitores? Primeiramente, pelo pragmático incentivo à preguiça. O editorial é um gênero breve e “de opinião”: não cansa ler e resulta “instrutivo”, “sincerão” feito o atual Desgovernante. Em segundo lugar, porque, a despeito da desvalorização da memória e o cultivo do imediatismo, o leitor de resenhas e congêneres poderá reter três ou quatro palavras-chave do texto estampado num “veículo-que-tem-credibilidade” e, assim, entabular conversas-de-botequim ou prosas-de-elevador: enérgicas, apesar de embasadas em nada.
Convenhamos. É um fenômeno, no mínimo, curioso que parte desses raros leitores-de-jornal (eventuais ou de carteirinha) critique os “excessos” daquele ideólogo vitimado pelo vírus, caroço-de-azeitona, mas não veja semelhança entre incertos editoriais do Estadão e as bravatas pseudofilosóficas de um “pensador” tão neoliberal quanto autoritário; tão patriota quanto sugeria sua moradia, a salvo desta neocolônia teocrática, nos States.
por Jean Pierre Chauvin | a Terra é Redonda
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