‘Interromper transmissão da varíola dos macacos é grande desafio’

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Evandro Oliveira
Evandro Oliveira
PÓS GRADUADO EM GESTÃO E DIREÇÃO ESCOLAR; ESPECIALISTA EM "POLÍTICAS DA IGUALDADE RACIAL NA ESCOLA", SABERES AFRICANOS E AFRO-BRASILEIROS NA AMAZÕNIA - PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ (UFPA); GRADUADO CIÊNCIAS SOCIAIS COM ÊNFASE EM SOCIOLOGIA - UFPA; ATUA COMO PROFESSOR DE FILOSOFIA E SOCIOLOGIA NA REDE PÚBLICA E COMO PROFESSOR NO ENSINO SUPERIOR E CURSOS PRÉ-VESTIBULARES.
Para epidemiologista, múltiplas parcerias sexuais são fator que impulsiona disseminação do vírus

Desde que a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a monkeypox, ou varíola dos macacos ,emergência de saúde pública de importância internacional, o número de casos não para de aumentar no Brasil e em vários países, como nos Estados Unidos.

Mais de 2 mil infecções já foram registradas somente no Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde, e uma morte foi confirmada.

Em entrevista à DW, Andrea von Zuben, epidemiologista e professora da Unicamp, alerta para a velocidade da contaminação. A especialista aponta que de 95% a 98% dos infectados são homens que declararam fazer sexo com outros homens e que têm múltiplos parceiros.

Um dos maiores problemas seria o aparecimento de lesões que se confundem com espinhas dias depois da contaminação. “Como as lesões não são características, são parecidas com outras coisas, é muito fácil que a pessoa nem pense [que se trata de varíola dos macacos]”, comenta.

Até agora sabe-se que transmissão não é via relação sexual, mas principalmente pelo contato com a pele. “Foi encontrado o vírus em sêmen, mas a transmissão sexual ainda não foi documentada. Mas isso pode mudar a qualquer momento”, diz a epidemiologista. Ela considera que provavelmente o número de casos está ligado a múltiplas parcerias sexuais e que interromper a transmissão é um grande desafio.

DW Brasil: O ritmo de disseminação da varíola dos macacos no mundo fez a Organização Mundial da Saúde lançar um alerta global. Por que o cenário é tão preocupante?

Andrea von Zuben: O cenário é muito preocupante pelo ritmo de crescimento do número de casos. É uma doença endêmica na África. É uma zoonose, ou seja, uma doença transmitida do animal para o homem. Existem, inclusive, duas variantes em circulação: uma mais comum no Congo e uma outra diferente na Nigéria. A que chegou e explodiu no mundo é a variante que circula na Nigéria.

A gente tinha tido anteriormente alguns pequenos surtos bem limitados, ligados a viajantes que tinham ido para a África. Mas a gente nunca tinha vivido uma transmissão tão grande, tão acentuada, acometendo vários países do mundo ao mesmo tempo e que cresce de forma exponencial.

Neste momento, os casos crescem especialmente na comunidade de homens que fazem sexo com homens. A epidemiologia está mostrando claramente que de 95% a 98% dos casos estão entre homens que relatam múltiplas parcerias. Provavelmente o número de casos está crescendo por essa questão das múltiplas parcerias.

A gente tem até algumas hipóteses que nessa fase de pós-pandemia, depois de as pessoas terem ficado muito tempo sem festas, sem sair, elas estão se encontrando mais agora e tendo relações propícias à transmissão do vírus – e a relação sexual é um contato de pele prolongado. E aí o vírus encontrou condições ideais.

Isso preocupa porque, quando aumenta o número de casos, a gente sempre vai encontrar quem tem a imunidade mais baixa. Inclusive, a gente vê um grande número de casos de pessoas HIV positivas também, que têm a imunidade menor. E a gente pode vir a encontrar também crianças e outros imunossuprimidos por outras causas. E preocupa pelo risco de morte.

A “vantagem” é que essa variante é menos letal do que a variante que circula no Congo, mas, ao mesmo tempo, é mais transmissível porque as lesões não aparecem tanto, e as pessoas tendem a ter parcerias [sexuais] porque elas não sabem que estão infectadas.

Já existem informações suficientes de contágio no Brasil que possibilitem a identificação dos grupos mais acometidos pelo vírus?

Na ficha de anamnese, nós estamos fazendo a pergunta sobre o tipo de contato sexual que o paciente tem: se é homem que faz sexo só com homem, se é homem que faz sexo com homens e mulheres, mulheres com mulheres, enfim, é parte da pergunta [investigação da doença].

Quando você vai fazer a análise epidemiológica, 95% dos casos ainda estão nessa comunidade, de homens que fazem sexo com outros homens. Eles podem também fazer sexo com mulheres, mas têm essa característica. Hoje a [transmissão] da doença se apresenta dessa forma.

Para esclarecer então a forma de transmissão da varíola dos macacos, quais são as principais vias?

Acho que o primeiro pensamento das pessoas é: “eu não tenho múltiplos parceiros”, ou “sou mulher, só faço sexo com homem, então não preciso me preocupar”. Isso não é real, porque não se trata de uma transmissão sexual. Inclusive, o uso de camisinha na relação sexual não protege contra a varíola dos macacos porque há o contato pele com pele.

A transmissão ocorre nesse contato com as lesões principalmente. A doença começa com uma febre alta, faz aumentar os linfonodos, os gânglios, dá um cansaço e então começam a aparecer as lesões. Mas temos que esquecer [a ideia de] que vamos olhar para as lesões e encontrar aquelas que estão registradas nos livros. Não estamos encontrando isso.

Estamos encontrando lesões que a gente chama de extrusas, que são algo que se parece com uma espinha, que está perto da vagina, ou às vezes, no homem, perto do pênis ou do ânus, também na região da boca.

Como as lesões não são características, são parecidas com outras coisas, é muito fácil que a pessoa nem pense [que se trata de varíola dos macacos].

Como é pele com pele, a transmissão pode acontecer por exemplo entre um pai e uma criança. Já temos alguns casos em crianças. Pode acontecer por meio de roupa de cama, cobertor, toalhas compartilhadas, talheres compartilhados, por beijo.

A transmissão se dá por contato, não precisa ser na relação sexual. Mas a relação sexual tem a característica de contato pele com pele por um tempo prolongado.

Foi encontrado o vírus em sêmen, mas a transmissão sexual ainda não foi documentada. Mas isso pode mudar a qualquer momento.

Existem evidências científicas de que a vacina que existe contra a varíola também proteja as pessoas contra esse vírus que está circulando?

É tudo muito novo. Parou-se de vacinar contra a [varíola comum]. Na metade da década de 1980, a varíola foi considerada eliminada do mundo.

O que a gente vê: quem está acometido nesse momento tem menos de 45 anos, ou seja, não recebeu a vacina. Parece que quem tomou a vacina, os mais velhos, estão protegidos. Então, existem evidências que mostram isso, que embora o vírus smallpox [varíola comum] seja diferente do monkeypox [varíola dos macacos], existe uma proteção cruzada com essa vacina.

Já está se falando da importância de vacinar alguns grupos populacionais. Alguns países do mundo já estão comprando a vacina e estão pensando em fazer isso, já existe uma mobilização da Organização Mundial da Saúde, e o Ministério da Saúde do Brasil começou a falar sobre isso também.

Vai ser uma vacina para todo mundo? Não. Será uma vacina para quem está com maior chance, maior risco de adoecimento. Não está dito isso exatamente, mas está se imaginando no mundo inteiro e na Europa que esse grupo inclui homens que fazem sexo com outros homens, principalmente que têm múltiplas parcerias, pessoas que tiveram contato com alguém doente e profissionais de saúde que estão atendendo essas pessoas.

Por muitos anos, inclusive, a gente nem tinha esse vírus para produzir vacina.

Quais são as formas de prevenção recomendadas, já que os sintomas não são sempre tão claros?

Para quem já pegou, tem que pensar que nos próximos 20 dias, ou até as lesões secarem completamente, tem que ter a consciência de que é um transmissor. Se puder ficar em casa todos os dias, seria perfeito. A gente sabe que a gente viveu dois anos do “fique em casa”, não é fácil.

Não ter relação sexual, não ter compartilhamento de objetos, tomar muito cuidado. É um período curto. Os maiores transmissores, aqueles que já foram identificados ou que estão com lesão de pele provavelmente esperando o resultado do exame, são aqueles que mais têm que proteger um parceiro ou parceira, seja sexual ou dentro de casa, ou num ambiente de trabalho, evitando um contato íntimo.

A OMS lançou agora um manual que fala um pouco sobre comunicação de risco, e fala-se muito em evitar grandes aglomerações, grandes festas, que tenham muitos contatos sexuais.

Existe um grande problema nesta doença: a transmissão ocorre de dois a três dias antes de as lesões características aparecerem. Às vezes a pessoa já pode estar transmitindo, já passou o período de incubação e ela nem imagina.

Até o Tedros Adhanom [Ghebreyesus, diretor-geral da OMS] falou que diminuir o número de parceiros sexuais para o combate ao vírus é bom. Tem toda uma outra questão de comportamento, de opções, que é difícil de a gente dizer, mas é uma forma.

Até o nome varíola dos macacos a gente está evitando. Até o Ministério da Saúde prefere que a gente chame de monkeypox porque tem um certo estigma. A doença não tem nada a ver com macaco. O macaco é um primata não humano, a gente é primata humano, e ele é tão vítima quanto a gente.

É chamada de varíola dos macacos porque foi descrito o primeiro surto em macacos, mas ele é vítima. Na época da febre amarela, houve gente que matou macacos. Então há um medo de que isso aconteça de novo.

Os animais domésticos também podem, em contato íntimo domiciliar com alguém contaminado, pegar a doença. Inclusive, a gente pede como recomendação que as pessoas doentes retirem animais domésticos d3 casa.

Eu acho que a gente está perante um desafio grande de conseguir interromper a transmissão na forma que está se apresentando no mundo neste momento. (Originalmente no DW)

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