A sete meses das eleições presidenciais de outubro, a sorte parece já estar lançada para os pré-candidatos na disputa – mas especialmente para os dois nomes à frente nas pesquisas de intenção de voto. Conforme o último levantamento do instituto Datafolha, divulgado na quinta-feira (24), sete em cada dez eleitores declaram que pretendem votar ou em Luiz Inácio Lula da Silva (PT), líder com 43%, ou em Jair Bolsonaro (PL), segundo colocado, com 26%.
Se o pleito fosse hoje, a polarização estaria dada: o ex-presidente e o atual mandatário disputariam o segundo turno, com favoritismo de Lula, a crer no Datafolha e na imensa maioria dos institutos de pesquisa. Seus vértices confirmam a tendência em curso desde, pelo menos, março de 2021, quando o ministro Edson Fachin, do STF (Supremo Tribunal Federal), anulou todas as condenações de Lula impostas à margem da lei pela operação Lava Jato, tornando-o novamente elegível.
A decisão monocrática de Fachin, expressa num notável despacho de 46 páginas e posteriormente ratificada pelo plenário da Corte, foi o ponto de partida para a reviravolta na cena pré-eleitoral. Até então, Bolsonaro, mesmo com rejeição alta, liderava as pesquisas e caminhava para uma candidatura mais competitiva à reeleição. Porém, além da volta de Lula ao páreo, o bolsonarismo perdeu força com o desgaste acumulado pelo governo na pandemia e com a CPI da Covid-19 no Senado, bem como com a crise econômica.
Os movimentos observados nos últimos dias dão pistas de que os principais pré-candidatos consolidam alianças, ensaiam discursos e traçam rotas. Para além da federação partidária formada por PT, PCdoB e PV, o ex-presidente sedimenta o apoio do PSB. Filiaram a este partido lideranças pró-Lula, como Flávio Dino, Marcelo Freixo e, mais recentemente, Geraldo Alckmin, cotado para concorrer a vice na chapa presidencial.
“Temos que ter os olhos abertos para enxergar, a humildade para entender que ele (Lula) é hoje o que melhor reflete e interpreta o sentimento de esperança do povo brasileiro. Aliás, ele representa a própria democracia, porque ele é fruto da democracia”, declarou Alckmin, na quarta (23), ao assinar sua ficha de adesão ao PSB.
Três dias depois, no sábado (26), o próprio Lula foi ao Festival Vermelho, em Niterói (RJ), onde participou do Ato Político Frente Ampla para Florescer a Esperança. Num discurso de 47 minutos, Lula agradeceu a parceria histórica do PCdoB – que comemorava seu centenário –, lembrou a luta contra as condenações e a prisão injustas, passou a limpo o legado de seu governo e não deixou dúvida de que está em pré-campanha.
Além de denunciar os abusos da operação Lava Jato, o ex-presidente centrou sua fala no governo Bolsonaro, ao qual chamou de “fascista” e “corrupto”. Houve críticas à política de preços da Petrobras, à inflação e à carestia, ao desmonte de programas sociais, à falta de oportunidades para jovens, ao sigilo de documentos de aliados e familiares do presidente, à política externa atual do Brasil, aos ataques à democracia, entre outros pontos. “Nós vamos recuperar este país”, frisou Lula. “Temos o direito de ser felizes outra vez. Tenho certeza de que, com o apoio do povo brasileiro e do PCdoB, Bolsonaro pode se preparar, porque nós estamos chegando!”
Bolsonaro também elevou o tom eleitoral. A aposta num programa como o Auxílio Brasil – substituto eleitoreiro do Bolsa Família – ainda não vingou. Conforme o Datafolha, 23% dos brasileiros moram em domicílios atendidos pelo programa. Porém, para 68% dos beneficiários, o valor-base pago mensamente, de R$ 400, é “insuficiente”. Entre esses beneficiários, ademais, 59% declaram voto em Lula – 16 pontos percentuais acima da média geral do ex-presidente.
Assim, na tentativa de camuflar os inúmeros desastres e crimes de seu governo de destruição, Bolsonaro volta a enfatizar o “risco PT” e busca construir uma narrativa sobre os feitos de sua gestão. Numa de suas últimas lives de quinta-feira, surpreendeu a participação de Emilly Coelho, a secretária nacional da Juventude – pasta ligada ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. O presidente se deu conta de que precisa, urgentemente, falar para fora de sua base mais permanente e sólida.
Ciente de que sua rejeição é ainda maior entre os jovens de 16 a 24 anos – que somam, hoje, quase 20 milhões de eleitores –, Bolsonaro, ao lado de Emilly, fez alarde sobre duas ações de seu governo: a desburocratização do “instituto da aprendizagem” e a renegociação das dívidas do Fies (Financiamento ao Estudante do Ensino Superior). Se o que o bolsonarismo tem a mostrar à juventude se resume a essas medidas, é pouco para combater a elevada taxa de desemprego (igualmente maior entre os mais jovens), a evasão escolar e a falta de oportunidades. Ainda assim, são ensaios eleitorais.
Já no domingo (27), quando o PL promoveu o ato “Movimento Filia Brasil” e lançou, simbolicamente, a pré-candidatura do presidente à reeleição – com o slogan “o capitão do povo” –, ficou mais clara a tática do “nós contra eles”. Bolsonaro afirmou que o “inimigo” do Brasil não é “interno”. Mais do que “esquerda contra a direita”, haveria uma luta “do bem contra o mal”, disse o presidente. “E nós vamos vencer esta luta.”
Os passos iniciais de Lula e Bolsonaro, no rumo de uma intensa campanha eleitoral, devem ser contrapostos a um elemento fundamental: o humor do eleitorado brasileiro. Nesse ponto, o caminho que o atual presidente tem de percorrer é mais longo. O Datafolha mostrou que 24% já reclamam de comida insuficiente em casa, devido à carestia. Entre os mais pobres, a insegurança alimentar chega a 35%. Além disso, 68% responsabilizam Bolsonaro pela alta dos combustíveis e 75% o culpam pela inflação em geral. Vários indicadores da pesquisa apontam, ainda, para um pessimismo mais elevado com a economia brasileira.
Ajustes de discursos e iniciativas são comuns da pré-campanha eleitoral à campanha propriamente dita. Sem margem para a terceira via, Lula e Bolsonaro começam a intensificar os passos, prenunciando o que veremos até a eleição. Até aqui, a vantagem é do ex-presidente, não só pelas sondagens de intenções de voto ou pelo legado de suas gestões – mas também pelo confronto com os fatos atuais: os brasileiros, em sua maioria, firmam a certeza de que é preciso se livrar de Bolsonaro.