A pessoa conseguirá visualizar e experimentar o ambiente digital projetado pelo equipamento, inclusive ao se relacionar com outras pessoas
Em 2030, o cidadão de Seul, capital da Coreia do Sul, poderá visitar órgãos públicos, solicitar documentos e serviços e até interagir com servidores sem precisar sair de casa. O município pretende gastar até US$ 3,3 bilhões para criar uma cidade inteiramente virtual e se integrar ao Metaverso. A intenção sul-coreana é apenas um exemplo de como o conceito que se popularizou a partir de outubro de 2021, quando o Facebook foi renomeado para Meta, irá remodelar a forma de viver e de fazer negócios.
A expressão não é recente e foi cunhada em 1992 pelo escritor Neal Stephenson em seu livro Snow Crash. Entretanto, somente agora sua aplicação prática começa a ganhar corpo. Natural, portanto, que seja um tema que ainda desperte sentimentos variados entre empresas e pessoas, com mais dúvidas do que certezas por enquanto. Tanto que, apesar de 80% da população brasileira jamais ter acessado algum recurso desse novo mundo virtual, 37% afirmaram que já conhecem o termo, segundo pesquisa da Toluna, especializada em investigação de mercado por meio de insights.
Dessa forma, é preciso reforçar mais uma vez a proposta de valor (na intenção) do Metaverso, bem como suas peculiaridades. Trata-se do desenvolvimento de um ecossistema que irá combinar diferentes tecnologias e plataformas para criar um universo virtual que permitirá combinar de forma jamais vista a nossa experiência digital com a nossa vida real. Em outras palavras, em alguns poucos anos poderemos nos socializar, trabalhar, nos divertir e explorar os limites de nossas criatividades por meio de avatares e outros artefatos totalmente baseados na tecnologia e potencializados por soluções como blockchain e IA. E, como em um universo, é importante ressaltar que serão vários mundos, diferentes tipos de metaverso, cada um com seu próprio objetivo, regras, fortalezas e características.
É uma ideia muito similar ao que o Second Life, jogo de simulação bastante popular nos anos 2000 e que conheci logo no início por intermédio do lançamento de ações-teste de uma das primeiras marcas brasileiras a estar por lá, tentou implementar. A questão é que agora há uma tecnologia própria que permite à pessoa “entrar” realmente no mundo virtual, por intermédio de sensores que “capturam” os dados do mundo “físico” e permitem a interação em tempo real com o mundo digital. Assim, tão importante quanto os softwares que construirão o mundo virtual, são os hardwares que permitirão a todos aproveitar suas funcionalidades. Os óculos de realidade virtual, cada vez mais eficientes, devem servir como porta de entrada inicial para os early adopters do metaverso.
A realidade virtual, inclusive, é uma das tecnologias-chave para entender o conceito de Metaverso. A pessoa conseguirá visualizar e experimentar o ambiente digital projetado pelo equipamento, inclusive ao se relacionar com outras pessoas. Da mesma forma que ocorre com a realidade aumentada (exemplos populares são o Pokémon Go e as imagens de dinossauros e tigres na sala usando o Google), que permite projetar imagens em ambientes reais de nosso cotidiano e interagir com elas através de nossos sentidos. Outro artefato importante para o metaverso é o NFT, o token não fungível, que é um certificado digital protegido por uma chave de uso exclusivo e pessoal, baseado na tecnologia blockchain. Os NFTs estão em franca expansão e podem funcionar como moeda de troca para esse mundo virtual, em conjunto com outras criptomoedas como o bitcoin. Ou seja, já há estrutura física, mundos virtuais em construção e meios de negociação com aplicações de monetização. Elementos fundamentais para uma futura expansão, que atinja uma maior parcela da população.
É um movimento que, evidentemente, vai começar com a geração mais jovem. Não apenas porque as crianças e adolescentes de hoje estão mais acostumados com as soluções digitais e a utilização da tecnologia para resolver problemas reais do dia a dia. Mas também porque eles já experimentaram uma amostra disso em seus momentos de lazer. O Metaverso encontra nos jogos eletrônicos um campo fértil para testar recursos e lançar funcionalidades. O Fortnite é um dos maiores exemplos, com marcas já explorando as possibilidades deste tipo de ambiente há algum tempo e permitindo que os jogadores gastem dinheiro real para equipar seus personagens virtuais, comprar skins, etc.
As empresas varejistas perceberam essa tendência e começam a desenvolver projetos dentro do Metaverso. São iniciativas com uma experiência ainda fragmentada, é verdade, mas que representam importantes primeiros passos. A rede Walmart criou uma loja própria durante o CES (Consumer Eletronics Show) de 2022. A Coca-Cola lançou seu refrigerante virtual antes de colocá-lo nas prateleiras reais. A Under Armour foi além: vendeu um tênis na versão NFT para ser usado por avatares por 333 dólares – e se esgotou rapidamente. Já há dezenas, centenas de exemplos no mercado, em um período de poucos meses.
Ou seja, não se trata de falar se o varejo vai ser afetado pelo Metaverso, mas sim de entender quando isso vai acontecer de forma mais profunda. Está surgindo uma nova categoria de produtos e serviços, que atendem não apenas aos nossos desejos e necessidades “reais”, mas também os dos nossos avatares. Vai ser questão de tempo para uma loja de calçados vender tênis reais combinados com a versão NFT em um mesmo pacote – ou ainda com itens exclusivos para um ou para outro mundo. E para quem se pergunta se haverá quem pague por isso, basta analisar não somente o mercado dos games, mas todo o mercado de luxo, por exemplo, que é baseado muito mais na percepção de valor de um produto ou serviço, do que no valor intrínseco em si.
Se ainda hoje falamos em diferenças de canais digitais e canais físicos de vendas, no futuro próximo essa discussão vai ser secundária. O Metaverso surge para integrar a nossa experiência de compra – e nossa experiência de vida como um todo. Os jovens (sempre eles!) já caminham nessa direção. No futuro, todo esse ecossistema de soluções tecnológicas vai estar tão integrado em nossas vidas como o celular está atualmente.
No caso do varejo, é questão de sobrevivência. As marcas precisam estar onde seus clientes estão – e, se estiverem no Metaverso, é melhor elas estarem lá antes de seus concorrentes! Afinal, a história dos negócios demonstra que, quando se tem a tecnologia e o conhecimento a favor, as marcas pioneiras na inovação e aplicação das tendências que surgem diariamente capturam maior valor junto a seus públicos-alvo. E, em se tratando de metaverso, elas têm a capacidade de mudar o mundo ou até mesmo de criar um novo totalmente digital.
*Fernando Moulin é partner da Sponsorb, professor e especialista em negócios, transformação digital e experiência do cliente