Os aplicativos de transporte deixaram de ser um complemento de renda e passaram a ser a renda principal
Para aumentar seus rendimentos, motoristas de aplicativos têm aceitado fazer sexo com passageiros em troca de dinheiro.
A prática foi descoberta pela Folha de São Paulo, o jornal ouviu relatos e depoimentos de condutores cadastrados na Uber, na 99 e no InDriver que confirmaram a existência da prática. As empresas afirmaram que os envolvidos podem ter suas contas desativadas.
Na maioria dos casos, tanto o passageiro quanto o motorista são do sexo masculino. Há relatos de condutores que receberam ofertas de passageiras mulheres que queriam pagar a corrida com sexo em vez de dinheiro, mas estes são mais raros.
Segundo os motoristas, existe uma espécie de código, com sinais que podem ser enviados discretamente por quem estiver interessado no sexo.
O mais comum deles é a letra “b” —uma referência a sexo oral— escrita no chat da plataforma e enviada pelo passageiro ao motorista antes de entrar no carro. Ele foi criado por usuários em resposta a apps que detectam automaticamente e punem quem usa o espaço para escrever termos pornográficos.
A abordagem inicial pode ocorrer também durante o trajeto através de olhares no retrovisor, gestos e perguntas.
Na sequência, as partes combinam o que desejam fazer (masturbação, sexo oral ou anal) e os valores que serão cobrados. O ato pode ser praticado com o carro em movimento, parado em ruas pouco movimentadas, em um motel (bancado pelo cliente) ou até na casa do passageiro.
O valor de um programa pode custar entre R$ 50 e R$ 200. Isso equivale a quase todo o lucro médio diário das corridas. O pagamento pode ser feito em dinheiro ou Pix.
Segundo pesquisa divulgada em maio pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), o ganho médio de um trabalhador de aplicativos de transporte ou mercadorias no Brasil é de R$ 1.900 por mês.
Alguns motoristas esperam a abordagem vir do próprio passageiro, geralmente nunca responde a códigos enviados pelo chat, pois temem que as mensagens virem provas contra eles. Os motoristas informam que aumentou a quantidade de programas desde dezembro do ano passado, em meio à elevação do preço da gasolina.
Para Luciane Soares, professora de sociologia na UENF (Universidade Estadual do Norte Fluminense), a prostituição entre motoristas e passageiros representa a “precarização dentro da precarização”.
“Os aplicativos de transporte deixaram de ser um complemento de renda e passaram a ser a renda principal de boa parte da população desempregada. O quadro se acentua com a pandemia”, avalia ela.
“A prática é o resultado de uma crise quando parte da população não consegue mais sustentar o preço dos combustíveis e as contas não fecham. Você tem realmente algo aí com elemento de crueldade.”
Como a prostituição não é crime no Brasil, motorista e passageiro não podem ser punidos pela prática, diz a advogada criminalista Maria Pinheiro, da Rede Feminista de Juristas. “Mas, na hipótese de fazerem isso de maneira pública, existe o delito de ato obsceno. E aí, nesse caso, ambos poderiam ser responsabilizados criminalmente”, ressalta.
A pena para o crime é de três meses a 1 ano de detenção, mas também pode ser convertida em cesta básica ou em serviços prestados à comunidade.
Em nota, a Uber ressalta que, de acordo com seus códigos de conduta, “qualquer comportamento que envolva violência, conduta sexual, assédio ou discriminação ao usar o aplicativo resultará na desativação da conta“.
“Isso também se estende ao que é digitado nas mensagens que podem ser enviadas dentro do app, já que o respeito entre todos da comunidade deve ser mantido em todas as interações —virtuais ou reais”, diz o aplicativo. A 99 não quis se manifestar e a InDriver não retornou o contato da reportagem.