No Pará, o garimpo ganhou passe livre, mas quem paga em ouro é a Amazônia
Repórter Brasil – Uma mudança na legislação ambiental no Pará tem facilitado a concessão de licenças para garimpos em áreas protegidas da Amazônia. Desde setembro de 2024, uma resolução do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Coema) transferiu para os municípios a responsabilidade de licenciar garimpos de até 50 hectares. Especialistas alertam que a medida enfraquece o controle ambiental e impulsiona o desmatamento na Área de Proteção Ambiental (APA) do Tapajós, a unidade de conservação mais afetada pelo garimpo ilegal no Brasil.
Impacto do garimpo na APA do tapajós
A APA do Tapajós, localizada em Itaituba, no sudoeste do Pará, registra uma devastação histórica causada pelo garimpo. Entre 1985 e 2022, mais de 51,6 mil hectares da área foram desmatados, segundo dados da plataforma MapBiomas.
A nova norma permite que garimpos menores sejam licenciados pelas prefeituras, mas os especialistas apontam falhas graves no processo. “As licenças municipais são basicamente um papel sem condicionantes claras”, afirma Lincoln Michalski, coordenador de operações do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

O modelo também abre brechas para o fatiamento de grandes empreendimentos em áreas menores, o que reduz ainda mais a fiscalização. Um caso emblemático envolve o empresário Valdinei Mauro de Souza, conhecido como Nei Garimpeiro, que fragmentou um terreno de 4 mil hectares em 29 áreas de 50 hectares para obter licenças municipais.
Licenciamento sob questionamento
O ICMBio questiona a legalidade das licenças emitidas na APA do Tapajós e aponta o uso de escavadeiras hidráulicas, indicando uma exploração em larga escala. Segundo o órgão, nenhuma dessas áreas fragmentadas obteve autorização formal.
Além disso, em 2023, o Ministério Público Federal (MPF) já havia alertado sobre a incompatibilidade do licenciamento municipal com a legislação ambiental, devido ao alto impacto socioambiental do garimpo. O MPF recomendou que o estado revogasse a norma, mas a resolução foi apenas ajustada, reduzindo o limite de 500 para 50 hectares.
Município de Itaituba sob críticas
Itaituba, epicentro da atividade garimpeira, tem sido alvo de críticas pela falta de fiscalização. Em entrevista de 2022, o prefeito Valmir Climaco admitiu que concedeu mais de 500 licenças a garimpos sem qualquer fiscalização. Embora tenha prometido mudanças, o cenário permanece alarmante.
Recentemente, o Ibama suspendeu 331 permissões de lavra garimpeira na APA do Tapajós, após identificar infrações como despejo de sedimentos nos rios e uso indiscriminado de mercúrio.
Questão deve ser resolvida no STF
O Partido Verde (PV) ingressou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para suspender os efeitos da resolução do Coema. A sigla argumenta que o modelo paraense intensifica o garimpo ilegal e viola princípios constitucionais. O STF ainda não definiu uma data para a conclusão do julgamento.
Impactos irreversíveis na Amazônia
Organizações como WWF-Brasil e Instituto Socioambiental defendem que o licenciamento do garimpo seja centralizado no estado ou na União, devido ao alcance dos danos ambientais. O uso de mercúrio, por exemplo, contamina cursos d’água e representa um risco que vai muito além dos limites municipais.
“O impacto do garimpo é regional, e os municípios não têm capacidade técnica para gerenciar essa atividade”, explica Ariene Cerqueira, analista do WWF-Brasil.