O alerta de Boulos, o crescimento de Bolsonaro e um antídoto

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Evandro Oliveira
Evandro Oliveira
PÓS GRADUADO EM GESTÃO E DIREÇÃO ESCOLAR; ESPECIALISTA EM "POLÍTICAS DA IGUALDADE RACIAL NA ESCOLA", SABERES AFRICANOS E AFRO-BRASILEIROS NA AMAZÕNIA - PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ (UFPA); GRADUADO CIÊNCIAS SOCIAIS COM ÊNFASE EM SOCIOLOGIA - UFPA; ATUA COMO PROFESSOR DE FILOSOFIA E SOCIOLOGIA NA REDE PÚBLICA E COMO PROFESSOR NO ENSINO SUPERIOR E CURSOS PRÉ-VESTIBULARES.
Avanço do presidente nas pesquisas é limitado, mas real e perigoso. Para enfrentá-lo, não basta formar frentes políticas. É preciso apresentar um programa de mudanças concretas e factíveis – que evidencie, por contraste, a destruição provocada pelo bolsonarismo

Desta vez, Guilherme Boulos foi cirúrgico. Na sexta-feira (18/2), ele advertiu, numa sequência de postagens no twtter, para o perigo de considerar as eleições de outubro liquidadas e de desprezar as chances de recuperação de Bolsonaro. Dois elementos, argumentou, levam a esta atitude perigosa. O primeiro é desconsiderar o efeito eleitoral das políticas de emergência do Palácio do Planalto – entre elas, o “auxílio Brasil” de até R$ 400, pago até o fim do ano a 18 milhões de famílias. O segundo é acreditar que uma grande frente de partidos bastará para afastar o fantasma da ultradireita. O líder do MTST parece incomodado, em especial, com o risco de a esquerda a mergulhar na discussão aveludada sobre “coligações, federações e palanques” e se esquecer das maiorias, cuja vida é cada vez mais árida.

Boulos captou os movimentos detectados pelas sondagens eleitorais de fevereiro. Numa delas, do PoderData, divulgada em 16/2, a diferença entre Lula e Bolsonaro caiu, em 30 dias, de 14 para 9 pontos percentuais. Como a distância anterior entre os dois candidatos era folgada, o movimento atual ainda tem impactos limitados. Segundo a mesma sondagem, no segundo turno Lula continua com folga de 15 pontos tanto sobre Bolsonaro quanto sobre Sérgio Moro. Mas há um mês, a frente era de 22 pontos.

Para conter o movimento atual é preciso conhecer suas razões. A grande dianteira alcançada por Lula, no segundo semestre de 2021, foi obtida graças principalmente ao eleitorado mais empobrecido – os eleitores do Nordeste e das periferias, por exemplo. Deve-se à percepção de que os grandes dramas do país – as mortes desnecessárias por covid, o desemprego, o empobrecimento, a inflação – estão relacionados à ausência de políticas e ao descaso do governo. No período mais recente, por exemplo, um dos fatos que mais abalou a popularidade de Bolsonaro foi o desprezo diante das tragédias provocadas pelas inundações na Bahia.

Mas este eleitorado é, além de muito numeroso, heterogêneo e, por isso mesmo, volátil. Parte dele sofre a influência das religiões conservadoras. E está sujeito a condições de vida tão precárias que qualquer pequena melhora é sentida. Bolsonaro sabe que tem, neste ponto, uma brecha. Está ciente, também, de que pode contrariar, neste momento, o grande poder econômico, que constitui a base essencial de sua sustentação. Caso vença, a recomposição se fará em seguida. Teve fôlego para contrariar Paulo Guedes em relação ao valor do “auxílio Brasil”. Poderá ter, também, para outras medidas parciais e temporárias, porém de repercussão imedidata (pense, por exemplo, em redução dos preços de combustíveis, do gás de cozinha ou de outros itens da cesta básica).

Para afastar esta ameaça, o caminho mais certeiro é fugir da armadilha da mediocridade. Exige recompor um horizonte político de transformações reais. É perfeitamente possível demonstrar, às maiorias, que a reconstrução do país, em novas bases, não poderá ser feita por meio de medidas precárias e limitadas, como o auxílio-Brasil e um vale-gás. Para isso, é preciso colocar na agenda nacional temas que acendam a esperança numa vida de fato melhor e que exponham, por contraste, a miséria do projeto que o bolsonarismo expressa. Entre muitos outros, a garantia, pelo Estado, de empregos dignos para quem deseje trabalhar. O fortalecimento e expansão do SUS e da escola pública. O alívio ao endividamento das famílias. O investimento pesado em Educação, Cultura e Ciência, para dar alento a uma legião de profissionais bem formados e subaproveitados. A redução das contas de eletricidade, com conversão ecológica da matriz energética. Um programa de habitação e urbanização que vá muito além do “Minha Casa, Minha Vida”. A redução imediata dos preços dos alimentos, por meio de medidas emergenciais (como a retirada dos impostos sobre a cesta básica), seguidas de uma reforma agrária com viés agroecológico. O amparo e a recuperação das pequenas e médias empresas. Etc etc etc.

Um programa assim não estava no horizonte dos primeiros governos de esquerda. Pesava sobre eles a necessidade de cumprir a “disciplina fiscal” imposta pelo Consenso de Washington. O cenário transformou-se totalmente, após a pandemia. O próprio bolsonarismo adaptou-se à mudança. Muito parcialmente (porque não pode contrariar sua base principal), mas a ponto de ousar as medidas por meio das quais tenta, agora, recuperar seu eleitorado.

A reconstrução do Brasil em novas bases é uma possibilidade real, que precisa ser enunciada. Ela exige, como frisa Boulos, mudar o foco da campanha – tirando-a das tratativas de acordos alimentadas pelo “já ganhou” e devolvendo-a à “batalha pelos becos e vielas”. Vale notar que esta flexão não requer romper com o esforço de articular, contra a ultradireita, uma frente muito ampla. Num novo projeto de país há espaço para um leque vasto de sujeitos sociais – das periferias aos empresários não conformados com a submissão ao capitalismo financeiro. É assunto para um comentário futuro.

Por Antônio Martins

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