O Brasil que abraça os Yanomamis

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Evandro Oliveira
Evandro Oliveira
PÓS GRADUADO EM GESTÃO E DIREÇÃO ESCOLAR; ESPECIALISTA EM "POLÍTICAS DA IGUALDADE RACIAL NA ESCOLA", SABERES AFRICANOS E AFRO-BRASILEIROS NA AMAZÕNIA - PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ (UFPA); GRADUADO CIÊNCIAS SOCIAIS COM ÊNFASE EM SOCIOLOGIA - UFPA; ATUA COMO PROFESSOR DE FILOSOFIA E SOCIOLOGIA NA REDE PÚBLICA E COMO PROFESSOR NO ENSINO SUPERIOR E CURSOS PRÉ-VESTIBULARES.
Em dois dias, mais de 19 mil pessoas inscrevem-se, como voluntárias, em Força Nacional do SUS. Mobilização histórica responde ao genocídio e à cumplicidade do governo Bolsonaro – e gera primeiro movimento de união para reconstruir o país

O genocídio Yanomami escancara em 2023 o horror provocado por 4 anos da extrema direita no poder no Brasil. E gera o primeiro movimento de solidariedade numa população refém da manipulação do ódio do governo de Jair Bolsonaro (2019-2022). Diante das cenas de crianças morrendo de fome e de doenças com tratamento, muitas delas incapazes de se equilibrar sobre as próprias pernas, em apenas dois dias, 22 e 23 de janeiro, 19.400 profissionais de saúde se inscreveram como voluntários no programa Força Nacional do Sistema Único de Saúde (FN-SUS). Médicos, enfermeiros, psicólogos, entre várias outras profissões, dispostos a deixar sua rotina no momento em que forem chamados para atuar diretamente na Terra Indígena Yanomami e colaborar para salvar as vidas possíveis. O número de inscritos representa um aumento de 700%: até dezembro de 2022, a FN-SUS tinha 2.502 voluntários cadastrados; hoje, são mais 33 mil.

A psicóloga Juliana Sangoi, 39 anos, moradora de Brasília, é uma das profissionais que se inscreveu no programa da Força Nacional do SUS. “Quando vi as imagens dos Yanomami em tamanha desnutrição e li sobre as violações que eles têm sofrido, logo me veio à mente as imagens que vemos nos livros de história, nas reportagens e em visitas que fiz aos memoriais das vítimas do Holocausto, em Berlim e Praga”, conta. “Fui tomada por uma tristeza profunda. O que os Yanomami estão vivendo é uma catástrofe humanitária global.”

Genocídio deixou de ser uma palavra usada apenas por uma parcela da população para definir a ação de Bolsonaro em diversas frentes e se tornou uma das palavras mais pronunciadas na última semana no Brasil. Na segunda-feira, 23, o Ministério da Justiça e Segurança Pública enviou um ofício determinando que a Polícia Federal (PF) inicie um inquérito para apurar diversos crimes por parte de Jair Bolsonaro (PL) e de seu governo. Entre eles, o crime de genocídio e de omissão de socorro. Três dias antes, em 20 de janeiro, SUMAÚMA denunciou que pelo menos 570 crianças com menos de 5 anos morreram por causas evitáveis no território Yanomami nos 4 anos de governo Bolsonaro: 29% mais do que nos 4 anos anteriores, das gestões Dilma Rousseff (PT) e, após o impeachment, Michel Temer (MDB). É provável que o número seja bem maior, já que a terra indígena sofreu um apagão estatístico.

Por meio de nota, a Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal afirmou que “a grave situação de saúde e segurança alimentar sofrida pelos Yanomami resulta da omissão do Estado brasileiro em assegurar a proteção de suas terras”. O documento de cinco páginas traz um resumo da atuação judicial e extrajudicial do MPF na busca por soluções para a proteção dos Yanomami, entre eles, a expulsão dos garimpeiros do território. Destaca, porém, que “as providências adotadas pelo governo federal foram limitadas”.

Nos últimos dias, o governo Lula (PT) promoveu diversas mudanças em vários cargos da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), entre elas 38 exonerações e 5 dispensas. Ao menos 13 militares foram demitidos. No território Yanomami, mais de mil indígenas com graves problemas de saúde e situação de extrema vulnerabilidade já foram resgatados, a maioria com desnutrição e malária, afirmou o novo secretário de Saúde Indígena (Sesai), Ricardo Weibe Tapeba.

A psicóloga Juliana Sangoi se emociona ao falar dos milhares de voluntários que, como ela, estão dispostos a embarcar para o território Yanomami no primeiro chamado. “Precisamos mais do que nunca de união, de gente, pois teremos muito trabalho pela frente”, diz. “Que esse seja esse um momento de retomada, no sentido de construir, fortalecer, as políticas de saúde para os povos indígenas.”

Outra profissional inscrita é a médica Cecília Machado, de 24 anos. Formada há pouco mais de 1 ano, ela mora em Salvador, na Bahia, onde faz residência em pediatria. “Soube do caso por meio das redes sociais e decidi me inscrever porque a situação me comoveu bastante. Fiz a inscrição através do formulário. Acredito que tenho muito a contribuir nesse contexto”, diz. “Não é tolerável que em um país com tanto potencial como o nosso, a fome continue a matar. O que a gente quer mesmo é ver o SUS funcionando na prática, dando mais a quem mais precisa, como deve ser.”

A Força Nacional do SUS é acionada em situações extremas, quando a capacidade de resposta do estado ou município se esgotam. No caso dos Yanomami, ela foi requisitada após o decreto de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional, em 20 de janeiro. Entre os trabalhadores que podem colaborar estão: assistente social, biólogo, biomédico, condutor de veículos de urgência, dentista, enfermeiro, farmacêutico, fisioterapeuta, médico, nutricionista, profissional de educação física, psicólogo, socorrista, técnico em enfermagem, técnico em radiologia, terapeuta ocupacional e veterinário, entre outros profissionais da saúde.

No Brasil, a FN-SUS já atuou em apoio a situações de desastres como enchentes, deslizamentos e desassistência, além de tragédias como a do incêndio da boate Kiss, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, em que morreram 242 pessoas. “Quando soube do estado de desnutrição, da impossibilidade de acessar os serviços de saúde pelos Yanomami, em função do cerco do garimpo, da morte de crianças, tudo começou a me incomodar. Achei que deveria dar consequência para esse incômodo – e a consequência é ajudar”, diz o psiquiatra e psicanalista Nilson Sibemberg, 61 anos, gaúcho de Porto Alegre que vive hoje em São Paulo. “São mais de 500 crianças que morreram e têm ainda as crianças que estão vivas. Como ficam essas crianças que estão vivas diante da morte de tantas outras crianças com as quais elas conviviam? E quantas dessas crianças estão perdendo a paz por essa situação?”

Militante pelo SUS, Sibemberg afirma que o número de profissionais inscritos no programa em tão pouco tempo é um “alento” diante do reacionarismo da categoria dos médicos. “Não à toa a vice-presidenta do Conselho Federal de Medicina, Rosylane das Mercês Rocha, estava no 8 de janeiro apoiando os invasores da Praça dos Três Poderes e postando fotos nas redes sociais”, aponta. Presidente interina do CFM na data da tentativa de golpe de Estado por apoiadores de Bolsonaro, a médica postou vídeos do momento em que os terroristas subiram a rampa do prédio após furar um bloqueio policial. Na legenda, escreveu: “Agora vai”. Também compartilhou uma imagem da escultura Justiça. Localizada em frente ao prédio do Supremo Tribunal Federal (STF), a obra de arte foi vandalizada com a frase “Perdeu mané”.

“A classe médica apoiou em peso o Bolsonaro. Saber que 19 mil colegas tiveram o despojamento de se oferecer para fazer esse trabalho humanitário é bárbaro”, comenta o psiquiatra. “Que esses colegas que realmente têm a possibilidade de fazer uma ação solidária em direção do outro que está sofrendo possam aparecer.”

A médica infectologista Luíza Matos, 46 anos, de Brasília, no Distrito Federal também se inscreveu para atuar no território em colapso humanitário. Ela avalia que situações como as que foram vistas com os Yanomami só são encontradas em locais de guerra e que a mobilização dos profissionais de saúde é proporcional ao tamanho da calamidade. “Penso que o passo agora é tentar salvar o máximo de pessoas possíveis”, diz. Médica de Família e Comunidade, Debora Fontenelle, 60 anos, do Rio de Janeiro, conta ter feito a inscrição no momento em que se deparou com o horror. “Quando eu soube da situação dos Yanomami, fiz imediatamente a inscrição. Muita gente pensa que existe só a Força Nacional de Segurança, mas existe também a do SUS. O alto número de inscritos mostra a força da solidariedade. Não estamos totalmente perdidos.”

Em apenas dois dias, 22 e 23 de janeiro, 19.400 voluntários se inscreveram no programa Força Nacional do Sistema Único de Saúde para atender os Yanomami na Amazônia. Foto: Igor Evangelista/Ministério da Saúde

Como ajudar o povo que segura o céu

  • No Brasil, três instituições Yanomami que atuam no território ajudam os indígenas com alimentação e transporte, para que alimentos e equipamentos cheguem aos que precisam. Veja na foto abaixo.
  • A campanha SOS Yanomami, da Ação da Cidadania começou no sábado, 21 de janeiro, e já arrecadou o equivalente a 50 toneladas de alimentos. Doações podem ser realizadas pelo PIX sos@acaodacidadania.org.br ou no site www.acaodacidadania.org.br.
  • A Central Única das Favelas (Cufa) e a Frente Nacional Antirracista (FNA) lançaram no dia 22 uma campanha pelos Yanomami de alcance nacional. As doações podem ser feitas nas sedes da Cufa, por pix (doacoes@cufa.org.br) ou em campanha de financiamento coletivo da vakinha.
Voluntário do FN-SUS e criança Yanomami conversam durante campanha de atendimento em Boa Vista, no estado de Roraima. Foto: Igor Evangelista/Ministério da Saúde

Fonte: Sumaúma

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