O metaverso e a contenção jurídica

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Evandro Oliveira
Evandro Oliveira
PÓS GRADUADO EM GESTÃO E DIREÇÃO ESCOLAR; ESPECIALISTA EM "POLÍTICAS DA IGUALDADE RACIAL NA ESCOLA", SABERES AFRICANOS E AFRO-BRASILEIROS NA AMAZÕNIA - PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ (UFPA); GRADUADO CIÊNCIAS SOCIAIS COM ÊNFASE EM SOCIOLOGIA - UFPA; ATUA COMO PROFESSOR DE FILOSOFIA E SOCIOLOGIA NA REDE PÚBLICA E COMO PROFESSOR NO ENSINO SUPERIOR E CURSOS PRÉ-VESTIBULARES.
A era da informatização, a 4ª Revolução Industrial, ainda não foi devidamente compreendida no cenário jurídico

Alguns fatores e problemas incomodam extremamente no Direito, e mais ainda no ensino jurídico, no século XXI. A era da informatização, a 4ª Revolução Industrial, ainda não foi devidamente compreendida no cenário jurídico. Alguns ainda exemplificam sobre o habeas corpus a partir de sua proposição até por meio de papel de embrulhar pão, ao invés de problematizar sua interposição por meio de whatsAppinstagram ou facebook.

Outros ainda debatem a propriedade dos frutos a partir da maçã que cai de um lado ou outro da divisa do muro que há entre duas casas. Ao passo que a discussão da propriedade, ou não, de “memes” passa a descoberto. Isso tudo em uma época em que a maioria dos estudantes sequer sabe o que é o símbolo no “word” por meio do qual se “salva” um documento. O exercício de explicar o que era um disquete é quase antropológico.

Mas é justamente o efeito e cenário dessa 4ª Revolução que está a lançar minas e problemas semeados na sociedade, para os quais se espera que o debate jurídico não desperte somente quando Tício, Caio e Mévio conseguirem compor seus conflitos em uma audiência de conciliação no Juizado Especial. Aliás, errado falar em Facebook, pois a empresa mudou, agora é Meta. A alusão é claramente voltada para o novo cenário sociocultural e econômico que se avizinha, com a profusão do metaverso, que já implica negociações como a passada pela Microsoft, em aquisição na casa de 69 bilhões de dólares, como noticiado pelo New York Times.

O metaverso é mais do que uma realidade virtual, é um mundo virtual de imersão, é um mergulho em realidade criada e controlada, é uma vida paralela. O nível de sofisticação almejado implica em vivenciar como se fossem reais experiências individuais, sociais, culturais das mais diversas espécies. Há possibilidade de se criar, em futuro não tão distante, um mundo virtual pleno de felicidade e satisfação. As emoções humanas ou os lapsos existenciais poderiam ser preenchidos com a criação de memórias, ou a geração de realidades que se tornem memórias.

A partir de imagens e fragmentos de voz, a realidade de imersão virtual poderá proporcionar ao indivíduo o prazer de jantar com um ente querido que já partiu, poderá proporcionar encontros, dos mais diversos tipos, com quem se imaginar, poderá mudar seu corpo ou seus bens, alterar sua profissão, sua vida. O indivíduo pode aspirar a ter uma família ou amigos, mas só no plano virtual. No espaço virtual, tudo poderá se adequar ao máximo para transformar toda a árdua vida real em algo transitório entre uma conexão e outra. Não por acaso as empresas de tecnologia se projetam tanto na concretização dessas ideias. O mercado que envolverá é incomensurável.

Se Stuart Mill falava em uma espécie de direito à felicidade, dentro de seu utilitarismo, a reflexão e a provocação que se projetam agora são outras. Talvez sejam ainda mais perturbadoras ou críticas, inclusive. Poderá o Direito conter a felicidade? Será legítimo pensar em formas e diretrizes de bem-viver ligadas ao mundo real físico que limitem o mundo real virtual? Afinal, não se pode mais negar realidade aos aspectos virtuais da existência, sob risco de ainda encararmos o metaverso como um simples game.

A criação de um mundo de sonhos em realidade de imersão virtual pode desencadear níveis de vício e distanciamento sociais que são inimagináveis, inclusive com perda de empatia e dispersão quanto à concretização de diálogos sociais, além de sujeitar o indivíduo a patamar ainda pouco assimilável de dependência em relação às empresas que “fornecerão o serviço”. A aflição de ficar algumas horas longe do smartphone pode se converter em desespero e angústia de se estar a viver o cotidiano da vida real física.

Recai ao Direito o papel polêmico de atuação regulatória não dos níveis de suscetibilidades sociais ou individuais, mas um papel (potencial) de regulador de alternativas e vias de concretização de felicidade e plataformas tecnológicas de vida. Previsível que de um lado se situem, desde já, aqueles que tendam a uma linha liberal atomística, a considerar o tema somente como uma decisão individual. Assim, não deve o Direito se envolver. D’outro lado, previsível também aqueles que guardem inclinação comunitária, a pregar atuação normativa em favor de pautas de bem-viver ou primados éticos. Portanto, nessa visão, deve o Direito intervir.

Seja qual for a linha a ser seguida, não pode o Direito caminhar a reboque, não pode se manter no século XXI como datilógrafo do cinema mudo. A discussão do metaverso e seus efeitos sobre bens jurídicos não pode ser ignorada.

Voz do Pará com informações do Dom Total

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