O touro dos tolos

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Evandro Oliveira
Evandro Oliveira
PÓS GRADUADO EM GESTÃO E DIREÇÃO ESCOLAR; ESPECIALISTA EM "POLÍTICAS DA IGUALDADE RACIAL NA ESCOLA", SABERES AFRICANOS E AFRO-BRASILEIROS NA AMAZÕNIA - PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ (UFPA); GRADUADO CIÊNCIAS SOCIAIS COM ÊNFASE EM SOCIOLOGIA - UFPA; ATUA COMO PROFESSOR DE FILOSOFIA E SOCIOLOGIA NA REDE PÚBLICA E COMO PROFESSOR NO ENSINO SUPERIOR E CURSOS PRÉ-VESTIBULARES.
‘Escultura’ do touro dourado foi instalada defronte à bolsa de valores paulista, emblematizando magistralmente a cabeça dessa gente sem noção

Uma das imagens da semana, que gerou perplexidade e incredulidade, foi a ‘escultura’ do touro dourado instalada defronte à bolsa de valores paulista, emblematizando magistralmente a cabeça dessa gente sem noção, sem entendimento mínimo da realidade local e nacional, desprovida de bom senso, que se imagina acima dos que consideram comuns mortais fracassados e obsoletos e dos pobres de espírito em suas vidinhas ordinariamente sem brilho e novidade.

Tolos por princípio e arrogantes por convicção, essa turma deslumbrada com os ícones do capital americano, que transita em Miami e Nova York, retirando de cada um desses lugares o pior em termos de cultura, de símbolos, de marcos e marcas que adoram copiar, possuir, exibir e se vangloriar, ao que parece, é incapaz de demonstrar traços de solidariedade e fraternidade com os que não pertencem ao seu meio.

Uma boa alma, caridosa, poderia ter sinalizado aos gênios da comunicação da Bolsa e aos patronos desse ‘monstrumento’ à cretinice e à alienação, que o país anda um tanto quanto decadente, arrebentado mesmo, com 15 milhões de desempregados, mais de 19 milhões de esfomeados (sendo um dos líderes mundiais na produção de alimentos) e 28 milhões de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza; temos zilhões de desesperançados, uma economia em frangalhos e uma situação social delicadíssima agravada por uma pandemia que levou mais de seiscentos mil brasileiros.

Os americanos e seu touro em bronze, símbolo da força e do poder do povo, seus macaqueadores tropicais com uma imitação barata, um touro feito de ‘ouro’ dos tolos, de tremendo mau gosto, que expressa tão-somente a cafonice, o equívoco e o ego de seus adoradores. Quando é que essas pessoas de aperceberão da real situação do país, dos índices vergonhosos que apresentamos como uma das nações mais desiguais no mundo, com estatísticas que nos envergonham nos campos da educação, da cultura, do meio ambiente, da habitação, dentre tantos outros, deteriorados brutalmente durante esse governo que escarnece e esfiapa o conceito de nação.

Ao ver a imagem e as matérias a respeito dessa estultice, lembrei-me de Darcy Ribeiro (“O Brasil, último país a acabar com a escravidão tem uma perversidade intrínseca na sua herança, que torna a nossa classe dominante enferma de desigualdade, de descaso.”) e de Raul Seixas, em sua espetacular Ouro de tolo:

Eu devia estar contente
Porque eu tenho um emprego
Sou o dito cidadão respeitável
E ganho quatro mil cruzeiros por mês

Eu devia agradecer ao Senhor
Por ter tido sucesso na vida como artista
Eu devia estar feliz
Porque consegui comprar meu carrão ’73

Eu devia estar alegre e satisfeito
Por morar em Ipanema
Depois de ter passado fome por dois anos
Aqui na cidade maravilhosa

Ah, eu devia estar sorrindo e orgulhoso
Por ter finalmente vencido na vida
Mas eu acho isso uma grande piada
E um tanto quanto perigosa

Eu devia estar contente
Por ter conseguido tudo o que eu quis
Mas confesso abestalhado
Que eu estou decepcionado

Porque foi tão fácil conseguir
E agora eu me pergunto: E daí?
Eu tenho uma porção de coisas
Grandes pra conquistar
E eu não posso ficar aí parado

Eu devia estar feliz pelo Senhor
Ter me concedido o domingo
Pra ir com a família no jardim zoológico
Dar pipoca aos macacos

Ah, mas que sujeito chato sou eu
Que não acha nada engraçado
Macaco, praia, carro, jornal, tobogã
Eu acho tudo isso um saco

É você olhar no espelho
Se sentir um grandessíssimo idiota
Saber que é humano, ridículo, limitado
Que só usa 10% de sua cabeça animal

E você ainda acredita
Que é um doutor, padre ou policial
Que está contribuindo com sua parte
Para o nosso belo quadro social

Eu é que não me sento
No trono de um apartamento
Com a boca escancarada, cheia de dentes
Esperando a morte chegar

Porque longe das cercas embandeiradas
Que separam quintais
No cume calmo do meu olho que vê
Assenta a sombra sonora dum disco voador

Ah, eu é que não me sento
No trono de um apartamento
Com a boca escancarada, cheia de dentes
Esperando a morte chegar

Porque longe das cercas embandeiradas
Que separam quintais
No cume calmo do meu olho que vê
Assenta a sombra sonora dum disco voador

por Eleonora Santa Rosa 

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