O vergonhoso ´camarote vip´ da vacina

Leia mais

Evandro Oliveira
Evandro Oliveira
PÓS GRADUADO EM GESTÃO E DIREÇÃO ESCOLAR; ESPECIALISTA EM "POLÍTICAS DA IGUALDADE RACIAL NA ESCOLA", SABERES AFRICANOS E AFRO-BRASILEIROS NA AMAZÕNIA - PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ (UFPA); GRADUADO CIÊNCIAS SOCIAIS COM ÊNFASE EM SOCIOLOGIA - UFPA; ATUA COMO PROFESSOR DE FILOSOFIA E SOCIOLOGIA NA REDE PÚBLICA E COMO PROFESSOR NO ENSINO SUPERIOR E CURSOS PRÉ-VESTIBULARES.

Câmara aprova com folga projeto que facilita compra e uso de imunizantes pelo setor privado

O Congresso Nacional caminha para dar sua benção a empresários que queiram furar a fila da vacinação contra a covid-19, indo na contramão do direito universal e igualitário à saúde garantido pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e pela Constituição federal. Aprovado por 317 votos a favor e 120 contra na terça-feira, 6 de abril, o Projeto de Lei 948 flexibiliza a compra de vacinas pelo setor privado, permitindo que empresários adquiram imunizantes para seus funcionários e familiares e possam vaciná-los fora do âmbito do Programa Nacional de Imunizações (PNI). Vinculado ao Ministério da Saúde, o PNI é responsável por distribuir proporcionalmente as vacinas entre Estados e municípios e garantir que as doses sejam aplicadas primeiro em quem mais precisa. A contrapartida é que metade das doses adquiridas por empresários sejam repassadas ao setor público.

O texto-base também dá o aval para que o setor privado adquira imunizantes que não tenham sido aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) —um privilégio que o Governo federal, Estados e municípios não possuem. A justificativa de seus apoiadores é a de que o projeto agiliza a compra de novas vacinas e a aplicação de doses no país, o que, em tese, ajudaria a agilizar a imunização em massa da população.

Porém, o PL 948 atende sobretudo às pressões de empresários —muitos deles ligados ao presidente Jair Bolsonaro e ativos negacionistas da crise, como Luciano Hang, dono da rede de lojas Havan— impacientes pela reabertura da economia. O texto também retira do colo de Bolsonaro, que nega a gravidade da pandemia de coronavírus desde o seu início e boicota medidas de isolamento social, a pressão para a aquisição de novas vacinas. Reforça, ainda, sua retórica favorável a reabertura da economia. A velocidade da vacinação é considera aquém do desejável: até o momento, pouco mais de 20 milhões de brasileiros, cerca de 10% da população, recebeu a primeira dose do imunizante.

Patrocinada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), com a benção do Governo, a iniciativa ganhou prioridade e foi tramitada rapidamente em poucos dias —ao contrário de outras, como a renovação o auxílio emergencial— num momento em que o Brasil ultrapassou pela primeira vez, na mesma terça-feira da votação, a marca de 4.000 mortes diárias. Para esta quarta-feira está prevista a votação de destaques, que podem alterar o texto-base. Em seguida, o projeto segue para o Senado, onde também espera-se que seja aprovado. “Ao invés de perder tempo com isso, o Brasil deveria resolver as questões de gestão diplomática, administrativa, política, e resolver as compras”, afirmou em entrevista ao EL PAÍS a médica pneumologista Margareth Dalcolmo.

Aumento da desigualdade

O maior problema é que existe uma escassez global de vacinas. As nações mais ricas saíram na frente e somente 10 países concentram 75% das vacinas aplicadas em todo o mundo. Há uma fila de espera para a aquisição de novos imunizantes, mas mesmo os negócios já fechados enfrentam o atraso na entrega —como é o caso do fiasco na distribuição da vacina da AstraZeneca para a União Europeia. Já o Brasil paga o preço por ter recusado ofertas de vacinas no ano passado ou ter demorado para abrir novas frentes de negociação com farmacêuticas. Hoje conta somente com doses da Coronavac (produzida pelo Instituto Butantan) e da AstraZeneca (produzida pela Fiocruz) ―ainda assim, o fornecimento não é regular e os institutos dependem de insumos vindos do exterior. Diante desse cenário, os especialistas são unânimes em dizer que as doses que venham a ser adquiridas pelo setor privado estarão deixando de ir para o PNI. Em suma, o projeto dá o aval para que o setor privado desvie as vacinas de quem mais precisa.

Ainda que autorizadas pelo Congresso, não é garantido que empresas consigam comprar as vacinas. Além da escassez global, grandes laboratórios, como a Pfizer ou a AstraZeneca, só vendem para os governos. A solução para esse impasse foi ventilada pelo empresário Carlos Wizard, fortemente vinculado ao Governo Bolsonaro e quem, junto com Hang, lidera o lobby pela aprovação da lei e a frente contra medidas de isolamento social. Em entrevista à revista Veja, ele disse que o Ministério da Saúde deverá atuar como intermediário para que o grupo consiga 10 milhões de doses nos próximos 30 dias.

Ou seja, a pasta faria a compra para esses empresários e atuaria como espécie de laranja. “O Governo precisará participar de uma negociação tendo dinheiro de sobra para comprar ele próprio as vacinas, mas terá que participar para facilitar vacinas que irão para grupos empresariais influentes. Não irão para agilizar o PNI, mas para favorecer algumas empresas”, explicou por meio de seu perfil no Twitter o economista Thomas Conti, membro Infovid, grupo dedicado à divulgação científica e ao enfrentamento de desinformações sobre a covid-19. “Se existem vacinas aprovadas e disponíveis no mercado, basta o Governo comprar. Não há necessidade de envolver terceiros. Nem do Governo repassar e receber doação depois para economizar uns trocados”, prosseguiu. “Em suma, o PL não ajuda na velocidade [da vacinação] porque qualquer dose que chegar hoje para setor privado só chegará com intermédio do Ministério da Saúde. Isto é, se o ministério declarar desinteresse em uma vacina. Falta de dinheiro não é. Precisa não querer usá-las no PNI. O que é absurdo”, acrescentou.

por Felipe Betim, carioca – texto foi publicado originalmente pelo jornal El País.

VOZ DO PARÁ Essencial todo dia!

- Publicidade -spot_img

More articles

- Publicidade -spot_img

Últimas notíciais