Não foi só a pandemia que agravou a saúde mental dos jovens, em todo o mundo. Há sinais de que onipresença das redes sociais, falta de convivência em grupo, relações parentais e crises mundiais contribuam para a angústia
O mundo adoece silenciosamente com o crescimento de transtornos mentais, especialmente depressão e ansiedade. E o Brasil segue o mesmo ritmo, ocupando, segundo algumas análises, o triste posto de país mais ansioso do planeta. O que já estava ruim até 2020, piorou com a pandemia – que exigiu isolamento social e empobreceu a população. Mas entre as pessoas que sofrem com o estado do mundo, hoje, os adolescentes parecem estar em pior situação. Um em cada sete jovens entre 10 e 19 anos padece de algum transtorno mental, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), e o suicídio é a quarta principal causa de mortes entre 15 e 19 anos. No Brasil, segundo uma pesquisa realizada pela USP, uma em cada quatro pessoas de até 19 anos apresentou ansiedade e depressão durante a pandemia a níveis clínicos – ou seja, precisou procurar especialistas.
Nos últimos dias, duas matérias publicadas em jornais norte-americanos – The Atlantic e The New York Times – tratam do tema, com foco nos adolescentes dos Estados Unidos. Mas é possível, em alguma medida, transpor a realidade para o Brasil para compreender o que está causando esse aumento de angústia. A situação da saúde mental está piorando entre eles. É verdade, debatem ambas as matérias, que estamos em uma fase em que se discute muito mais os transtornos de ansiedade e depressão, e que isso pode levar a sobrediagnósticos. Mas o problema parece ir além – e se reflete, como no Brasil, no aumento da procura por atendimento clínico emergencial.
O artigo da Atlantic enumera motivos que, embora não expliquem o fenômeno na totalidade, podem estar por trás desse crescimento de angústia entre adolescentes. O primeiro é o uso constante de redes sociais. Muitas pesquisas já foram feitas nesse sentido, e de modo geral o efeito delas não parece ser muito prejudicial à totalidade dos jovens. Mas, explica didaticamente a Atlantic, as mídias sociais parecem agir menos como um veneno de rato e mais como o álcool. Não é que fará mal a todos os adolescentes que usarem – mas a uma pequena quantidade será altamente perigoso. É o caso das meninas, por exemplo, expostas ao escrutínio geral e a ideais de beleza inatingíveis. O próprio Instagram já admitiu esse grande problema.
O segundo aspecto que parece estar piorando a situação dos jovens é a falta de socialização. Está muito relacionado com a questão das mídias sociais: o tempo que, em gerações anteriores, era gasto com encontros presenciais, está sendo substituído por telas. Os norte-americanos adolescentes passam mais de 5 horas por dia nos celulares e também os brasileiros estão relatando uso abusivo de smartphones e videogames. Eles também estão fazendo bem menos sexo que as gerações anteriores. E a queda no uso de álcool, embora seja excelente para seu desenvolvimento e saúde, reflete ainda a diminuição de atividades em grupo. A solidão parece acometer grande parte deles, mesmo estando tanto tempo conectados.
Outro agravante para os sintomas de depressão e ansiedade entre adolescentes é a situação estressante em que o mundo se encontra – entre pandemia, guerras, aquecimento global e crise econômica. Não há dúvida que esses fatores estão altamente presentes no Brasil e afetam os adolescentes. Uma pesquisa da secretaria de Saúde do estado de São Paulo, que entrevistou estudantes da rede estadual do 5º ao 9º anos e do 3º do ensino médio, descobriu que 5,7% deles presenciam violência psicológica com muita frequência. Outros 3,8% assistem a violência física constantemente. E 70% dos jovens paulistas relataram sintomas de depressão e ansiedade, a ponto de afetar sua vida escolar. A insegurança alimentar, o desemprego, a crise política e a falta de perspectivas no futuro – e o estresse gerado por esses fatores – são outros fatores que contribuem para a tristeza juvenil.
Originalmente em Outras Palavras
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