Os motores econômicos da III Guerra Mundial

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Evandro Oliveira
Evandro Oliveira
PÓS GRADUADO EM GESTÃO E DIREÇÃO ESCOLAR; ESPECIALISTA EM "POLÍTICAS DA IGUALDADE RACIAL NA ESCOLA", SABERES AFRICANOS E AFRO-BRASILEIROS NA AMAZÕNIA - PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ (UFPA); GRADUADO CIÊNCIAS SOCIAIS COM ÊNFASE EM SOCIOLOGIA - UFPA; ATUA COMO PROFESSOR DE FILOSOFIA E SOCIOLOGIA NA REDE PÚBLICA E COMO PROFESSOR NO ENSINO SUPERIOR E CURSOS PRÉ-VESTIBULARES.
A Ucrânia é só fagulha. Verdadeiro conflito opõe rentismo e captura financeira, dos EUA, à economia planejada proposta pela China. Washington submeteu a Europa e pressionará América Latina e África. Pequim aposta em superar ordem neoliberal

Agora está claro que a atual escalada da nova Guerra Fria foi planejada há mais de um ano, como uma estratégia séria associada ao plano norte-americano de bloquear o gasoduto Nord Stream 2. Isso, por sua vez, era parte do objetivo de Washington, de bloquear a busca, pela Europa Ocidental (“OTAN”), de prosperidade através por meio de comércio e investimento mútuos com a China e a Rússia.

Como fora anunciado por Joe Biden e pelos relatórios de segurança nacional dos EUA, a China é vista como o principal inimigo. Apesar de seu papel útil, em permitir que as empresas norte-americanas reduzissem os salários trabalho, desindustrializando a economia estadunidense em favor da industrialização chinesa, o crescimento da China passou a ser visto como o maior terror: prosperidade pela via do socialismo. A industrialização socialista sempre foi percebida como o grande inimigo da economia rentista que tem dominado a maioria das nações no século transcorrido desde o final da Primeira Guerra Mundial, e especialmente desde os anos 1980. O resultado hoje é um choque dos sistemas econômicos: a industrialização socialista contra o capitalismo financeiro neoliberal.

Isto torna a nova Guerra Fria contra a China um ato de abertura implícita para o que ameaça ser uma III Guerra Mundial a longo prazo. A estratégia dos EUA é tirar da China seus aliados econômicos mais prováveis, especialmente a Rússia, Ásia Central, Sul da Ásia e Ásia Oriental. A questão era onde começar a dividir e isolar.

A Rússia foi vista como a maior oportunidade para começar a isolar tanto a China quanto a Zona Euro da OTAN. Uma sequência de sanções cada vez mais severas – com a expectativa de serem fatais – contra a Rússia foi construída para impedir que a OTAN negociasse com Moscou. Tudo o que faltava para deflagrar o terremoto geopolítico era um casus belli.

Isso foi facilmente arranjado. A escalada da nova Guerra Fria poderia ter começado no Oriente Médio, a partir da resistência à captura dos campos de petróleo do Iraque pelos EUA, ou contra o Irã e os países que o ajudam a sobreviver economicamente, ou na África Oriental. Planos de golpes, “revoluções coloridas” e mudanças de regime foram elaborados em todas essas áreas, e as forças armadas norte-americanas na África foram reforçadas de modo particularmente rápido nos últimos dois anos. Mas a Ucrânia vive uma guerra civil apoiada pelos EUA há oito anos, desde o golpe de Maidan em 2014, e ofereceu a oportunidade para tentar uma primeira vitória neste confronto contra a China, a Rússia e seus aliados.

As regiões de língua russa de Donetsk e Luhansk foram bombardeadas com intensidade crescente e, como a Rússia continuou a não responder, foram elaborados planos para um grande confronto que teria início no final de fevereiro, com uma blitzkrieg da Ucrânia ocidental organizada por conselheiros americanos e armada pela OTAN.

A defesa preventiva pela Rússia das duas províncias ucranianas orientais, e a subsequente destruição militar do exército, marinha e força aérea ucraniana nos últimos dois meses tem sido usada como pretexto para impor o programa de sanções projetado pelos EUA que vemos em marcha hoje. Em vez de comprar gás, petróleo e grãos de alimentos russos, a Europa Ocidentel vai comprá-los dos EUA. E acrescentará a isso um forte aumento na importação de armas norte-americanas.

A possível queda na taxa de câmbio euro/dólar

Vale a pena examinar como isso pode afetar a balança de pagamentos da Europa Ocidental e, portanto, a taxa de câmbio do euro em relação ao dólar.

O comércio e os investimentos europeus antes das sanções prometiam crescente prosperidade para a Alemanha, França e outros países da OTAN em suas relações com a Rússia e a China. A Rússia forneceu energia abundante a um preço competitivo, e essa processo deveria dar um salto quântico com o Nord Stream 2. A Europa deveria obter divisas para pagar este crescente comércio de importação por meio de uma combinação de exportação de mais produtos industriais para a Rússia e investimento de capital no desenvolvimento da economia russa – por exemplo, por empresas automobilísticas alemãs e na forma de investimento financeiro. Este comércio e investimento bilateral está agora paralisado – e permanecerá paralisado por muitos anos, dado o confisco, pela OTAN, das reservas cambiais russas em euros e libras esterlinas, e a russofobia europeia alimentada pela mídia de propaganda dos EUA.

Em vez disso, os países da OTAN comprarão gás natural liquefeito (GNL americano, mas terão que gastar bilhões de dólares na construção da capacidade portuária necessária, o que pode estender-se talvez até 2024. (Boa sorte até lá!) A escassez de energia aumentará acentuadamente o preço mundial do gás e do petróleo. Os países da OTAN também aumentarão suas compras de armas do complexo militar-industrial dos EUA. As compras quase instantâneas também aumentarão o preço do armamento. E os preços dos alimentos também aumentarão, como resultado da escassez desesperada de grãos resultante da cessação das importações da Rússia e da Ucrânia, por um lado; e da escassez de fertilizantes à base de amônia, por outro.

Estas três dinâmicas comerciais fortalecerão o dólar em relação ao euro. A questão é: como a Europa irá equilibrar seus pagamentos internacionais com os EUA? O que é possível exportar para a economia norte-americana, contaminada por seus próprios interesses protecionistas, agora que o “livre comércio” mundial está morrendo rapidamente?

A resposta é: não muito. Então, o que a Europa vai fazer?

Ela poderia fazer algo modesto. Agora que a União Europeia praticamente deixou de ser um Estado politicamente independente, está começando a se parecer com o Panamá e a Libéria. São centros bancários offshore “bandeira de conveniência” que não pode ser equiparada a verdadeiros “Estados” porque não emitem sua própria moeda, usando em vez disso o dólar americano. Dado que a zona do euro foi criada com algemas monetárias que limitam sua capacidade de criar dinheiro para gastar na economia além do limite de 3% do PIB, por que não simplesmente jogar a toalha financeira e adotar o dólar americano, como o Equador, Somália e as Ilhas Turks e Caicos? Isso daria aos investidores estrangeiros segurança contra a desvalorização da moeda em seu crescente comércio com a Europa e seu financiamento à exportação.

Para a Europa, o drama é que o custo em dólares de sua dívida externa assumida para financiar seu crescente déficit comercial com os Estados Unidos (em petróleo, armas e alimentos) irá disparar. O custo em euros será ainda maior, à medida que a moeda cair em relação ao dólar. As taxas de juros subirão, atrasando os investimentos e tornando a Europa ainda mais dependente das importações. A zona do euro se tornará uma zona morta economicamente.

Os Estados Unidos já sonham com a hegemonia do dólar intensificada, pelo menos em relação à Europa.

O dólar em relação às moedas do Sul Global

A nova Guerra Fria desencadeada pela “Guerra da Ucrânia” corre o risco de se tornar o salvo de abertura da Terceira Guerra Mundial. Provavelmente durará pelo menos uma década, talvez duas, à medida em que os EUA estenderem a luta entre neoliberalismo e socialismo para desembocar em um conflito global. Além da conquista econômica da Europa pelos Estados Unidos, seus estrategistas buscam trancar os países africanos, sul-americanos e asiáticos em uma linha semelhante à planejada para a Europa.

O forte aumento dos preços da energia e dos alimentos atingirá duramente as economias deficitárias em alimentos e petróleo. Isso se dará no mesmo momento em que suas dívidas externas denominadas em dólares estão amadurecendo e a taxa de câmbio do dólar está subindo em relação à sua própria moeda. Muitos países africanos e latino-americanos – especialmente os do Norte da África – enfrentam a opção de passar fome, reduzir seu consumo de combustíveis e eletricidade ou tomar emprestados mais dólares, para cobrir sua dependência do comércio com os Estados Unidos.

Tem-se falado da emissão de novos Direitos Especiais de Saque (DSEs), uma moeda própria do FMI que poderia financiar os crescentes déficits comerciais e de pagamentos dos países do Sul. Mas tais créditos sempre vêm com compromissos. O FMI tem sua própria política de sabotar os países que não obedecem à política dos EUA. A primeira exigência de Washington será que esses países boicotem a Rússia, a China e sua emergente aliança comercial e monetária. “Por que lhes daríamos DSEs ou novos empréstimos em dólares se vocês vão apenas gastá-los com a Rússia, China e outros países que declaramos inimigos?”, perguntarão as autoridades americanas.

Pelo menos, esse é o plano. Eu não me surpreenderia de ver algum país africano se tornar a “próxima Ucrânia”, com as tropas agindo por procuração dos EUA (ainda há muitos apoiadores e mercenários Wahhabi) lutando contra os exércitos e populações de países que procuram se alimentar com grãos russos, ou sustentr suas economias com petróleo ou gás de poços russos — sem mencionar a participação na Iniciativa das Novas Rotas da Seda – que foi, afinal de contas, o gatilho para os EUA lançarem sua nova guerra pela hegemonia neoliberal global.

A economia mundial está sendo incendiada. Os EUA prepararam-se para uma resposta militar e a militarização de suas exportações de petróleo, produtos agrícolas e armas. Eles exigirão dos países que escolham de que lado da nova Cortina de Ferro desejam ficar.

Mas o que resta nisso para a Europa? Os sindicatos gregos já estão se manifestando contra as sanções impostas ao país. Na Hungria, o primeiro-ministro Viktor Orban acaba de ganhar eleições com uma visão de mundo basicamente anti-européia e anti-americana, começando por aceitar o pagamento do gás russo em rublos. Quantos outros países vão romper as fileiras e quanto tempo vai demorar?

O que há nisso para os países do Sul Global que estão sendo comprimidos, como resultado do da estratégia dos EUA de produzir uma grande divisão da economia mundial em duas? A Índia já disse aos diplomatas americanos que sua economia está naturalmente conectada com as da Rússia e da China. O Paquistão começa a fazer o mesmo cálculo.

Do ponto de vista dos EUA, tudo o que precisa ser respondido é: “O que sobrará para recompensar os políticos locais e oligarquias, por entregar seus países”?

Desde seus estágios de planejamento, os estrategistas da diplomacia norte-americana encararam a iminente Terceira Guerra Mundial como uma guerra entre sistemas econômicos. Que lado escolherão os países? Seu próprio interesse econômico e sua coesão social, ou a submissão aos líderes políticos locais instalados pela ingerência dos EUA? Em 2014, a subsecretária de Estado dos EUA, Victoria Nuland gabou-se de ter “investido” 5 bilhões de dólares nos partidos neonazistas da Ucrânia, para que iniciassem os combates que levaram à guerra atual?

Diante de toda essa intromissão política e propaganda da mídia, quanto tempo levará para o resto do mundo perceber que há uma guerra global em curso, com a Terceira Guerra Mundial no horizonte? O verdadeiro problema é que, quando o mundo perceber o que está acontecendo, a fratura global terá permitido à Rússia, China e Eurásia criar uma Nova Ordem Mundial verdadeiramente não-neoliberal. Ela não precisará dos países da OTAN e terá perdido a confiança e a esperança nos benefícios econômicos mútuos da relação com o Ocidente. O campo de batalha estará repleto de cadáveres econômicos.

Por Michael Hudson, no The Saker | Tradução: Antonio Martins

Originalmente em Outras palavras

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