Sob pressão, México começa a exigir visto de brasileiros neste sábado (11); em um ano, 56,7 mil foram detidos cruzando fronteira americana, um recorde
A partir deste sábado (11), brasileiros que querem viajar ao México precisarão de visto – e isso não tem a ver com a relação entre os dois países. A nova exigência é fruto de pressão do governo dos Estados Unidos, que tenta reduzir a entrada de brasileiros sem documentos em busca de uma vida melhor em solo norte-americano.
A preocupação de autoridades dos EUA com a imigração de brasileiros é relativamente nova. Até 2018, a apreensão anual de brasileiros na fronteira sul dos Estados Unidos nunca representou mais de 1% do total de detidos. Houve uma mudança importante em 2019, quando 17,9 mil brasileiros foram apreendidos (2,1% do total).
Em 2020, ano do auge da pandemia, as apreensões caíram para 6,9 mil (1,7% do total). E neste ano bateram o recorde da série histórica com 56,9 mil brasileiros detidos (3,3% do total). Os dados referem-se ao ano fiscal, que começa em outubro do ano anterior e termina em setembro do ano corrente.
O fenômeno ocorrido neste ano tem explicações locais, como a crise econômica que força as pessoas a buscarem alternativas e a rede de brasileiros cada vez mais estruturada nos Estados Unidos que facilita a atração de novos migrantes.
Mas não se trata de algo somente brasileiro. Neste ano fiscal de 2021, os americanos aprenderam 1,7 milhões de migrantes indocumentados na sua fronteira sul, o maior número da série histórica e o dobro do recorde anterior. Isso tem a ver com a crise social decorrente da pandemia em diversos países, e à expectativa de que o governo Joe Biden teria políticas mais favoráveis aos migrantes, que não se confirmou.
A maior preocupação dos americanos continua sendo os migrantes da América Central. Neste ano fiscal, foram apreendidos na fronteira sul dos EUA 655 mil mexicanos, 319 mil hondurenhos e 283 mil guatemaltecos.
Crise econômica como estímulo
Um dos aspectos que provocam a migração para outros países é a situação econômica na origem. E, nessa área, o Brasil tem apresentado resultados desanimadores. O atual PIB (Produto Interno Bruto) per capita do país é o mesmo do que o de 12 anos atrás, ou seja, mais de uma década de estagnação. A inflação deve atingir 10% neste ano, que corrói o poder de compra, e o desemprego também está alto.
O padre Jairo Guidini, diretor executivo da Rede Internacional para Migrações (SIMN, na sigla em inglês), sediada em Nova York, é responsável por uma rede de casas e centros de acolhida a migrantes nos Estados Unidos e em outros países que atua inclusive nas três cidades americanas com grandes comunidades de brasileiros: Boston, Nova Jersey e Miami. Ele afirma à DW Brasil que a deterioração das condições de vida no Brasil é um fator determinante por trás da alta de migrações.
“Falta de emprego, inflação, aumento da miséria. As pessoas são obrigadas a tentar sair, e algumas tentam aqui uma oportunidade”, diz, ressaltando que muitas são ludibriadas por propagandas enganosas de quem oferece o serviço de travessia. “Os coiotes dizem que elas vão arrumar emprego bom, que vão atravessar a fronteira tranquilamente, mas chegam aqui e se deparam com outra realidade, e muitas vezes têm que pedir ajuda a igrejas, parentes e amigos para poder pagar aluguel e comer”, diz.
Ele relata que os coiotes cobram de 10 a 20 mil dólares pelo serviço (R$ 56 mil a R$ 112 mil). “Eles prometem que vão hospedar a pessoa em hotel, mas chegam aqui ficam amontoados em casas, dizem que vão usar um barco na travessia, mas na hora é uma canoa, e às vezes abandonam alguns na travessia”, lembrando o caso da brasileira Lenilda dos Santos, técnica de enfermagem de 49 anos que morreu em setembro após ter sido deixada para trás no deserto.
Atração das redes brasileiras
A decisão de se mudar para outro país, porém, não se baseia somente na situação econômica. Pesam também os contatos pessoais que cada um possui e o desejo de tentar fazer a vida em outro lugar.
O demógrafo Dimitri Fazito, professor de sociologia da Universidade Federal de Minas Gerais e especialista em migrações, destaca que a rede de brasileiros hoje morando nos Estados Unidos que estimula e apoia a chegada de mais conterrâneos é muito maior do que nas décadas passadas. Essa rede incluiu familiares e parentes que já emigraram e podem ajudar financeiramente e o acesso a documentos falsos e ofertas de emprego.
“A questão econômica é um estopim. Mas não aconteceria esse volume de migrações se não tivesse já um sistema operando para isso”, afirma. Ele diz que essa estrutura começou a ganhar corpo no final dos anos 90 e cresceu nas duas décadas seguintes, e hoje há brasileiros nos Estados Unidos que ganham dinheiro para facilitar a migração de pessoas indocumentadas.
Fazito cita também uma “cultura migratória estabelecida” em algumas regiões do país e o fator cultural de uma juventude “hoje muito mais disposta a esse deslocamento, sem aquelas famílias que te prendem”. “E há uma nova geração que adquiriu mais capital humano nos últimos 10 a 15 anos e busca realização pessoal.”
Mudança de política sob Bolsonaro
Se a crise econômica e as redes pessoais estimulam a migração, por outro lado a política externa do governo Jair Bolsonaro não ajuda os brasileiros indocumentados a receberem um melhor tratamento das autoridades americanas, afirma Alex Brum, especialista em migrações e pesquisador do Centro de Estudos Estadunidenses da Universidade Federal Fluminense.
Ele relata que, em 2006, após os trabalhos de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito do Congresso sobre emigração que analisou a situação dos brasileiros vivendo no exterior e as vulnerabilidades a que estavam expostos, o Itamaraty passou a adotar uma “postura mais ativa” na defesa dessa comunidade. “A conclusão da CPI foi que nossos cidadãos estavam sendo tratados de maneira desrespeitosa e houve uma mudança na política, passou-se a aplicar reciprocidade”, afirma.
No governo Bolsonaro, a política de reciprocidade deixou de ser aplicada e o Itamaraty, segundo Brum, “passou a se mostrar favorável à deportação e à repatriação” de brasileiros. Ele cita como exemplo a emissão de atestados de nacionalidade de brasileiros sem documentos no exterior, que começaram a ser emitidos pelo governo brasileiro a pedido das autoridades americanas.
“O brasileiro é preso nos Estados Unidos e as autoridades americanas querem deportá-lo. Mas precisa de um documento. E o Itamaraty tem colaborado com o governo americano nesse sentido. É algo sério, é como se fosse outra pessoa pedindo ao governo um documento que é seu”, diz.
O aumento das apreensões de brasileiros também levou o governo americano a contratar voos fretados de repatriação. A política começou a ser implementada no governo Donald Trump, com um voo semanal. A gestão Biden tentou elevar para três voos semanais, e o governo brasileiro aceitou receber dois por semana. “Os brasileiros vêm algemados”, diz Brum.
Decepção com Biden
O padre Guidini, da SIMN, relata que havia entre muitos migrantes que tentaram a sorte neste ano uma expectativa de que o governo Biden teria uma política mais benéfica nesse tema, mas isso não ocorreu. “Foi uma decepção, a política de estado continua fechando a fronteira e expulsando os migrantes. A política americana nos últimos anos é a mesma, mesmo que mude o governo e o novo presidente seja mais humano e racional”, afirma. “A atuação da polícia de fronteira está muito exigente.”.
Ele espera que, se houver alguma mudança no setor, será para os migrantes já estabelecidos há mais tempo nos EUA, e não para aqueles que estão atravessando a fronteira agora.
“A expectativa de que as políticas migratórias do Biden fossem mais brandas colaborou [para o aumento das migrações]”, concorda Brum. “Mas o atual governo está mantendo bastante da política migratória do Trump.”
A nova exigência do México de visto para os brasileiros não resolverá o problema da migração de pessoas indocumentadas, mas terá como consequência o aumento da vulnerabilidade dos que tentam se mudar para os Estados Unidos, segundo Guidini. “Não adianta colocar novas travas legais, a migração continua. Isso vai aumentar a irregularidade e a violência dos coiotes”, diz.
Voz do Pará com informações do DW – Brasil