Um vídeo de mulheres usando shortinhos e dançando twerk num evento militar gerou escândalo na Austrália e dividiu opiniões.
O twerk é um tipo de dança que envolve principalmente movimentos dos quadris e agachamentos, um pouco parecida com a dança do funk brasileiro.
A cena do evento australiano era incongruente, bizarra e engraçada. Então, é claro, viralizou na internet ao ser divulgada na quarta-feira (14/4).
Mas a coreografia em estilo de videoclipe – incluindo reboladas, balançadas e tremores de bundas – também foi alvo de críticas. Parlamentares conservadores puxaram o coro daqueles que consideraram o conteúdo “inapropriado”.
Os tabloides publicaram manchetes criticando os padrões militares. Mas outros se ofenderam por razão diversa – considerando a atuação das dançarinas vergonhosa, e rotulando a coreografia como excessivamente “sexualizada”.
Isso, por sua vez, gerou críticas ao policiamento dos corpos das mulheres e da dança feminina. O grupo de dançarinas envolvido na filmagem, chamado 101 Doll Squadron, reclamou da cobertura midiática do caso.
Quando se tornou público que o vídeo havia sido editado de maneira enganosa pela ABC, a rede pública de televisão, essas vozes se tornaram ainda mais eloquentes.
Afinal, como exatamente essa saga do “twerking da Marinha australiana” se desenrolou?
Um passo-a-passo do que aconteceu
O grupo 101 Doll Squadron foi contratado pela Marinha Real Australiana para se apresentar na cerimônia de lançamento no sábado (10/4) de um novo navio, o HMAS Supply.
O evento, no entanto, só ganhou ampla repercussão após um repórter da ABC compartilhar um vídeo no Twitter contendo cenas das mulheres fazendo sua dança animada, diante de reações impassíveis dos líderes militares presentes.
A postagem, depois deletada, citava um parlamentar governista lamentando a queda nos padrões das Forças Armadas. A combinação levou a postagem a viralizar nas redes.
Mas, na quinta-feira (15), se tornou público que a filmagem havia sido editada de forma enganosa pela ABC, que emitiu um pedido de desculpas.
A Marinha informou que nenhum dos oficiais ou autoridades presentes, como o governador-geral, testemunhou a performance, que aconteceu antes da chegada dos convidados.
O primeiro-ministro Scott Morrison disse que os “padrões militares falharam”, mas criticou a reportagem equivocada feita pela ABC.
A Marinha não explicou por que as dançarinas foram contratadas.
O vídeo mostra que o restante do evento aconteceu em ritmo menos alucinante. O encontro contou com a típica pompa e circunstância: apresentações de bandas militares; discursos formais; e fileiras de marinheiros fazendo saudações militares e marchando de forma sincronizada- num ritmo muito menos animado que o das dançarinas.
Mas a performance de dança já havia se espalhado pela internet – e estava gerando uma forte reação negativa.
‘Seminuas… provavelmente é inapropriado’
Políticos conservadores entraram na discussão logo na quinta-feira pela manhã, dizendo que se tratava de uma apresentação inapropriada para um evento militar.
A senadora independente Jacqui Lambie, veterana do exército, classificou como “absolutamente chocante” a decisão da liderança militar.
Ela disse que parecia que estava assistindo ao Super Bowl, referindo-se ao intervalo do jogo final do campeonato de futebol americano dos Estados Unidos, caracterizado por performances de dança e apresentações de cantores famosos, como Jennifer Lopez, Shakira, Justin Timberlake e Lady Gaga.
“Bom para aquelas jovens terem ido lá se apresentar, mas eu digo que estarem seminuas em frente a um navio de guerra provavelmente é inapropriado”, disse a parlamentar.
As críticas à inusitada escolha de entretenimento dos militares logo se converteram em estigmatização e sexualização das dançarinas e do estilo de dança.
O 101 Doll Squadron é um grupo comunitário de dança com participantes de origem indígena e multiétnica.
Elas são especializadas em ritmos como dancehall, reggae, afrobeats, jazz comercial e hip hop – gêneros que muitas vezes chocaram a cultura branca tradicional, mas que são hoje em dia bastante comuns na dança contemporânea.
O grupo é normalmente contratado para festas, despedidas de solteiro e eventos.
Mas o tabloide australiano The Daily Telegraph – parte do grupo midiático do empresário Rupert Murdoch – publicou fotos das dançarinas na sua capa, em página dupla.
Muitos comentaristas na internet expressaram opiniões de que a coreografia era “degradante para as mulheres”. E ligaram o acontecimento a um debate mais amplo sobre desigualdade de gênero que atualmente domina a política australiana.
O artigo original da ABC citava – anonimamente – outro parlamentar que disse: “Num momento em que estamos lutando pelo direito das mulheres de não serem objetificadas, haveria outros tipos de dança que seriam divertidas e igualmente animadas.”
Mas, ao supostamente falarem pelo direito das mulheres, poucos perguntaram às dançarinas o que elas mesmas pensavam.
‘Vocês nos sexualizaram’
Na quinta-feira pela manhã, a discussão sobre o vídeo “escandaloso” dominava os programas matinais de televisão e rádio. O twerking – que gerou polêmica pela última vez em 2013, após uma apresentação da cantora Miley Cyrus em premiação da MTV – voltou aos assuntos mais comentados do Twitter na Austrália.
Mas membros do grupo 101 Doll Squadron afirmaram que a amplificação gerada pela mídia foi o mais danoso.
Em particular, elas acusaram a ABC de “edição enganosa”, por falsamente incluir imagens de oficiais e autoridades no vídeo, e por conter “filmagens a partir de ângulos que não podiam ser vistos pela plateia” – o vídeo foi filmado de baixo para cima, enfatizando os glúteos das dançarinas.
“Achamos isso muito assustador e diz mais sobre o operador de câmera da ABC e a necessidade deles de sexualizar essas mulheres e sua dança para seu próprio prazer”, disse a nota oficial publicada pelo grupo.
Elas relataram que foram vítimas de ataques e insultos na internet e se sentiram “ameaçadas e expostas” como resultado da atenção gerada.
Outros comentaristas na internet questionaram se a histeria era mesmo em reação aos movimentos das dançarinas e ao estilo de dança.
O site australiano de conteúdo para mulheres Mamamia publicou um artigo dizendo: “Foi a Marinha Real Australiana que tornou a coisa bizarra. Foi a Marinha Real Australiana que transformou a arte delas em algo ridículo.”
“Na verdade, essas mulheres estavam apenas fazendo seu trabalho.”
BBC – News/Brasil
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