Puxe o gatilho e ganhe bônus

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Evandro Oliveira
Evandro Oliveira
PÓS GRADUADO EM GESTÃO E DIREÇÃO ESCOLAR; ESPECIALISTA EM "POLÍTICAS DA IGUALDADE RACIAL NA ESCOLA", SABERES AFRICANOS E AFRO-BRASILEIROS NA AMAZÕNIA - PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ (UFPA); GRADUADO CIÊNCIAS SOCIAIS COM ÊNFASE EM SOCIOLOGIA - UFPA; ATUA COMO PROFESSOR DE FILOSOFIA E SOCIOLOGIA NA REDE PÚBLICA E COMO PROFESSOR NO ENSINO SUPERIOR E CURSOS PRÉ-VESTIBULARES.
Em pouco tempo, toda a população belicamente ativa carregará uma arma na cintura

– Precisamos mudar isso daí – vociferou o presidente na reunião com os ministros da Defesa, da Justiça e da Casa Civil. Ele se referia ao Estatuto do Desarmamento ou de Controle de Armas, que resolveu alterar “para o bem do Brasil”, segundo ele. E indagou irado:

– Por acaso vocês já viram o tanto de exigências que o estatuto faz pra uma pessoa adquirir uma arma de fogo? Exige, por exemplo, capacidade técnica. O que será capacidade técnica? Isso, para mim, é saber puxar o gatilho, coisa que qualquer um sabe. Por aí vocês veem que não tem sentido essa merda de estatuto.

O ministro da Justiça pondera que para mudar precisa mudar a lei.

– Então chama o Centrão e muda, responde o presidente. Vou fazer uma medida provisória.

– Não vai ser fácil, diz o ministro, mas o presidente diz que tudo é fácil neste mundo para quem manda, basta querer.

– Eu quero, eu mando, eu tenho a caneta, e o que é mais importante: tenho o dinheiro pra comprar essa turma safada do Centrão.

Pra resumo da história, assim foi feito. Comprou-se o que ele denomina turma safada do Centrão e mudou-se a lei, que passou a se chamar Estatuto Nacional do Armamento. Ato contínuo, o governo encomendou uma pesquisa para saber quantas pessoas no País possuíam armas. O resultado deixou o presidente abismado. Ficou sabendo que mais da metade da população belicamente ativa, ou seja, mais de 80 milhões de pessoas, não têm arma, nem em casa nem na cintura.

– Isso é um absurdo, exclama o presidente. – Significa que metade da nossa população não tem sequer liberdade de ir e vir, porque sem arma não há liberdade. Ouvi dizer que o Mussolini pensava assim como eu, e ele estava certo. Sem arma, como é que vamos acabar com os comunistas, esses esquerdinhas filhos da puta, mais perigosos do que qualquer coronavírus?

Aí um dos ministros faz outra ponderação. Diz que, além das exigências, tem o preço:

– Nem todo mundo tem recursos pra comprar uma arma. O senhor sabe quanto custa um revólver? Mais de R$ 6 mil.

O presidente pensa um pouco e decreta:

– Então vamos lançar o programa Arma Para Todos. Vamos conversar com os fabricantes e pedir que reduzam os preços. Se não quiserem, podemos importar em grandes quantidades. E vamos criar uma linha de financiamento, tipo BNH da Bala Própria – boa essa, não? Todo mundo vai poder comprar um bom revólver em suaves prestações, com prazo de até cinco anos pra pagar. É pra essas coisas que temos a Caixa Econômica e o Banco do Brasil. E mais: quem cometer mais assassinatos com arma de fogo terá direito a um bônus.

Foi então criada e lançada nacionalmente uma campanha publicitária, sob orientação da competente Secretaria de Comunicação do Governo. Em poucos dias a mídia estava inundada de anúncios, spots para rádio, filmes para TV (menos para a Rede Globo), malas diretas, merchandising, o diabo. TENHA UMA ARMA E SEJA FELIZ, diziam os anúncios. Cartazes estampavam a frase ARMA NA MÃO, PAZ NO CORAÇÃO. E os comerciais de TV terminavam com o slogan: E LEMBRE-SE: ARMA DE FOGO LIBERTA. A Jovem TV Pan, emissora oficial do Planalto, falava do assunto o tempo todo, com elogios rasgados à iniciativa governamental.

Foi um sucesso. Filas enormes se formaram à porta das lojas de armamentos. Em pouco tempo o País inteiro estava armado. Todo brasileiro maior de 16 anos, e até de 14, ostentava pelo menos um trabuco 32 ou 38. Nas mídias sociais, os radicais exacerbaram as ofensas entre si, com explícitas ameaças de morte e convite às manifestações armadas.

E aí, meus amigos, começaram os problemas. Muitos, muitos, muitos problemas. Talvez eu fale deles num próximo capítulo, se sobreviver à carnificina que se seguiu, tal como ocorreu com a difusão do coronavírus, promovida em carreatas, motociatas e aglomerações, para alegria incontida do presidente, conhecido como senhor do vírus e da morte.

Afonso Barroso | Dom Total

VOZ DO PARÁ: Essencial todo dia!

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