Tida como a área mais afetada por cortes orçamentários desde 2019, educação tem desafio de reverter esvaziamento financeiro
A partir de janeiro de 2023, reverter o esvaziamento financeiro da área da educação deverá ser um dos principais desafios do novo governo federal, que herdará um cenário de redução massiva e sucessiva de investimentos, além de instabilidade no comando do Ministério da Educação (MEC) e a recuperação do aprendizado após uma falta de gestão efetiva durante a pandemia de covid-19.
A pasta é citada como a mais prejudicada pelos cortes e congelamentos orçamentários do governo federal durante a gestão de Jair Bolsonaro.
Desde o início do mandato de Bolsonaro, a administração do setor da educação foi marcada por escândalos e diversas trocas de ministros. Os cortes e anúncios sucessivos de congelamentos no orçamento da pasta, porém, também costumam ser citados como os mais expressivos entre as limitações econômicas decididas pelo governo federal desde 2019, quando o atual chefe do Executivo assumiu o governo.
Às vésperas do primeiro turno das eleições presidenciais, por exemplo, o governo anunciou um bloqueio de R$ 2,4 bilhões do orçamento deste ano do MEC. O valor soma os cortes anunciados em julho e agosto, de R$ 1,34 bilhão, e em setembro, de 1,059 bilhão.
Considerando apenas o bloqueio de universidades e institutos federais de ensino, a redução prevista era de R$ 329 milhões. Somada ao montante que já havia sido bloqueado no decorrer deste ano, o orçamento previsto para 2022 foi diminuído num total de R$ 763 milhões.
Após forte pressão de reitores e estudantes, o ministro da Educação, Victor Godoy, recuou da decisão por meio de um anúncio em um vídeo publicado em seu Instagram. Contudo, ele não explicita se o desbloqueio será total ou parcial, tampouco a data da liberação da verba.
O corte de verbas anunciado em setembro gerou temores de inviabilizar o funcionamento de universidades no Brasil, pois afeta o chamado orçamento discricionário, previsto para pagamento de contas de limpeza, água, luz, restaurantes e bolsas estudantis. Isso tem consequências para a própria manutenção de instituições de ensino como universidades, incapacitadas de pagar as contas.
“Descaso generalizado”
Com o funcionamento comprometido, há potencial de uma reação em cadeia, com evasão, fechamento de instituições, retrocesso em desenvolvimento de tecnologias e mais efeitos de longo prazo.
É o que explica o professor Diogo Lopes de Oliveira, pesquisador da Universidade Federal da Paraíba: “Eu acho bastante difícil apontar em qual nível da educação brasileira os cortes foram mais sentidos nos últimos anos, porque o descaso com a área é generalizado. As bolsas para o desenvolvimento dos estudantes minguaram, as ações afirmativas de deslocamento e permanência rarearam e os danos à saúde mental de professores, alunos e servidores técnico-administrativos são flagrantes”, lamenta.
Queda vertiginosa no orçamento
O investimento na educação previsto para 2022 já vinha bem abaixo dos valores registrados na última década, embora o setor tenha registrado redução de investimento também antes do governo Bolsonaro, desde 2015. Para efeito comparativo, de acordo com a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em 2014 os valores investidos na educação superior pública ultrapassavam a casa dos R$ 3 bilhões e, no ano seguinte, em decorrência dos cortes, o valor destinado caiu para menos de R$ 1 bilhão.
O cenário piorou nas universidades federais nos últimos quatro anos, segundo mostra o Centro de Estudos Sou Ciência. Um levantamento do grupo de pesquisas multidisciplinar da Unifesp realizado em conjunto com o Instituto Serrapilheira diz que, entre 2013 e 2021, 18 das 22 Unidades Orçamentárias de Ciência e Tecnologia analisadas apresentaram queda no orçamento líquido.
“Já na comparação entre 2018 e 2022, 19 das 22 UOs apresentaram queda”, com destaque para o Inep, que registrou a maior diminuição no período entre 2018 e 2021 (52%).
Educação básica deficitária
Além do setor universitário, os déficits na educação básica também vêm evidenciando problemas na gestão da área da educação. O levantamento do Censo Escolar publicado no início deste ano, por exemplo, mostra que mais de 650 mil crianças de até 5 anos saíram da escola entre 2019 e 2021.
Tais dados, segundo destaca o professor Diogo, podem ser interpretados como ainda mais alarmantes pelo fato de não um mapeamento da educação de 2020 e 2021 em relação aos efeitos da pandemia. “Absolutamente nada foi feito durante o governo Bolsonaro para acompanhar, medir e minimizar os efeitos do Sars-Cov-2 na educação do país em quaisquer um dos seus níveis, do básico ao superior”, afirma.
No ano de 2022, o governo federal investiu R$ 119,1 milhões na chamada “Infraestrutura para a Educação Básica”. A proposta de orçamento do governo enviada ao Congresso Nacional para execução em 2023, porém, foi de R$ 3,45 milhões. Isso significa uma queda de 97% em relação ao investimento deste ano.
Educação: investimento ou gasto?
Fernando Oliveira Paulino, professor da Universidade de Brasília, presidente da Federação Brasileira de Associações Científicas e Acadêmicas da Comunicação (SOCICOM) e professor visitante da TU Dortmund na Alemanha, compara a percepção do governo brasileiro quanto ao país europeu em ver a educação como gasto e não como um investimento. Para ele, a interpretação do Brasil é decorrente de um empenho na universalização e gratuidade do ensino historicamente recente.
“Somente a partir da Constituição Federal de 1988 houve amparo normativo para possibilitar políticas públicas que levaram ao aumento dos índices de escolarização, à redução da evasão e ao acesso à educação superior. Ainda existe a necessidade de assegurar a qualidade necessária para a educação, estruturando políticas e recursos que contribuam com a percepção de que o acesso à educação contribui com o desenvolvimento do país e com a realização pessoal e profissional dos cidadãos”, afirma.
Fernando ainda dá pistas das principais políticas públicas educacionais para a redução dos efeitos da desinformação que, segundo ele, tiveram como consequência o aumento de práticas autoritárias no Brasil. “As políticas de alfabetização comunicacional, da educação científica e de promoção da liberdade de expressão podem contribuir para uma formação crítica e com mais possibilidades de acesso à informação e direito à comunicação”, avalia.