Quem deveria estar no topo das prioridades ‘é o professor

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Evandro Oliveira
Evandro Oliveira
PÓS GRADUADO EM GESTÃO E DIREÇÃO ESCOLAR; ESPECIALISTA EM "POLÍTICAS DA IGUALDADE RACIAL NA ESCOLA", SABERES AFRICANOS E AFRO-BRASILEIROS NA AMAZÕNIA - PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ (UFPA); GRADUADO CIÊNCIAS SOCIAIS COM ÊNFASE EM SOCIOLOGIA - UFPA; ATUA COMO PROFESSOR DE FILOSOFIA E SOCIOLOGIA NA REDE PÚBLICA E COMO PROFESSOR NO ENSINO SUPERIOR E CURSOS PRÉ-VESTIBULARES.
É preciso reiterar a priorização absoluta dos docentes em qualquer planejamento estratégico para a retomada

Em 1992, antes de uma reunião preparatória no comitê de campanha do então candidato Bill Clinton, um dos estrategistas do Partido Democrata, James Carville, deixou a seguinte frase, simples e algo grosseira, num quadro com sugestões de temas que dominariam a campanha para presidente da República nos Estados Unidos: “a economia, estúpido” (“the economy, stupid”). Um ano antes, o ocupante da Casa Branca, George W. H. Bush, havia alcançado 90% de popularidade depois do fim da Guerra do Golfo e sua reeleição parecia incontornável. Não obstante, Clinton de fato concentrou sua corrida eleitoral nos temas econômicos, derrotou Bush e o resto é história.

Pouco menos de 20 anos depois daquela frase proferida em uma longínqua campanha presidencial americana, o Brasil vive sua maior tragédia educacional. Com a maior parte das escolas de educação básica fechadas há mais de um ano, com parcelas significativas dos alunos sem conseguir acompanhar minimamente as atividades de educação remota, sem perspectivas de um controle adequado da pandemia para uma regularização mínima da oferta de ensino, e com perdas de aprendizagem que começam a ser medidas, corroborando a projeção que fiz neste espaço ainda em 2020, muitos se perguntam o que teremos de fazer para superar tantos desafios. Obviamente não há uma resposta única, porque um trauma sistêmico requer uma reação também sistêmica. Contudo, qualquer resposta contundente começa por aqui: é o professor, estúpido!

Afinal, entre os fatores intraescolares que influenciam a aprendizagem dos estudantes, nenhum é mais importante que a qualidade dos professores. Com efeito, Rivkin, Hanushek e Kain demonstraram no artigo clássico “Teachers, Schools, and Academic Achivement”, publicado em 2005, que seria mais efetivo investir para melhorar em um desvio-padrão a qualidade média dos professores em uma escola do que reduzir o tamanho da turma retirando dela dez alunos. Mas melhorar as competências dos professores é uma tarefa desafiadora, ainda mais quando falamos de um país com as dimensões do Brasil, em que só a educação básica possui mais de 1,8 milhão de docentes.

Nas últimas décadas, a qualificação dos professores brasileiros melhorou, mas a carreira docente ainda é pouco atrativa, os processos de contratação não são bem explorados e a formação inicial e continuada dos professores requer muito aprimoramento, sobretudo agora com as novas demandas de uso intensivo de mediação tecnológica para as aulas.

O BRASIL É O PAÍS ONDE OS PROFESSORES POSSUEM O MAIS BAIXO STATUS SOCIAL ENTRE AS 35 NAÇÕES PESQUISADAS PELO ÍNDICE DE STATUS SOCIAL DOS PROFESSORES

Por exemplo, o país tem privilegiado a titulação em detrimento da formação de competências dos professores. Entre 2010 e 2019, a proporção de professores da educação básica com ensino superior completo aumentou de 69% para 85%. A despeito desse avanço, somente 74% das turmas de matemática no ensino médio tinham em 2019 docentes com a formação adequada para lecionar a disciplina, segundo dados do Censo Escolar, do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira). Mais importante ainda é o fato de que são as competências, e não as certificações formais, que determinam a efetividade de um professor, como apontou importante estudo do prestigioso instituto Calder em 2007, corroborado posteriormente por diversos experimentos em pequena e larga escala.

Falar das competências dos docentes brasileiros requer analisar sua formação inicial e continuada. Duas resoluções recentes do Conselho Nacional de Educação, que estabelecem as diretrizes curriculares nacionais e instituem as Bases Nacionais Comuns para Formação Inicial e Continuada dos docentes da educação básica, visam enfrentar algumas das principais deficiências da formação de professores no Brasil, reconhecidas por eles mesmos: as estratégias formativas são pouco eficazes, principalmente porque excessivamente teóricas, por estarem desvinculadas das práticas pedagógicas, pela sua natureza fragmentada, pela pouca relação com as avaliações pedagógicas e pela falta de incentivos formais para melhorar a qualidade do ensino dos professores.

As duas resoluções, já homologadas pelo MEC (Ministério da Educação), induzem importantes melhorias, mas ainda precisarão chegar aos cursos de formação inicial e aos provedores de formação continuada. Ademais, precisarão ser expandidas e aprimoradas, porque são ainda muito tímidas em uso efetivo de tecnologias, para citar apenas uma de suas várias lacunas. De resto, considerando que a maior parte da formação de docentes brasileiros se dá em faculdades privadas, será necessário um poder regulatório não visto no MEC na última década para assegurar que essas normas se transformem em práticas.

Mesmo que tudo isso seja aprimorado, quem quer ser professor no Brasil? Nos países com melhor desempenho educativo, os professores são selecionados entre os alunos do ensino médio com melhores resultados acadêmicos e os salários são mais competitivos que a remuneração média dos docentes daqui. No Brasil, os candidatos à docência são, em sua maioria, mulheres, que estudaram em escolas públicas, com renda familiar de até dois salários mínimos e cujas mães nunca estudaram. O Brasil é o país onde os professores possuem o mais baixo status social entre as 35 nações pesquisadas pelo Índice de Status Social dos Professores, da Fundação Varkey, e os salários dos professores brasileiros também se situam aquém da remuneração média em países similares.

Por fim, apesar de possuir instrumentos adequados para a contratação de professores – concurso público e estágio probatório –, o Brasil não os utiliza de forma adequada. As provas concursais privilegiam questões históricas e regulatórias e de conhecimento da disciplina em que os professores irão atuar, mas pouco exigem de experiência prática, e o estágio probatório geralmente é um mero lapso até a efetivação dos professores.

Neste Dia Mundial da Educação (28), e diante dos múltiplos desafios, antigos e novos, enfrentados pela educação brasileira, é preciso reiterar a priorização absoluta dos docentes em qualquer planejamento estratégico para a retomada. Essa, por sua vez, não deve buscar “reconstruir melhor” (build back better), mas antes “construir um novo melhor” (build forward better).

Diferentemente da infeliz declaração de um deputado federal na última semana, os professores e demais profissionais da educação têm trabalhado muito durante todo esse período sem aulas presenciais, reinventando-se, buscando desenvolver rapidamente competências para lidar com as necessidades da mediação tecnológica, da falta de interação com seus pares e estudantes, mesmo em meio a uma piora de sua saúde mental, como aponta a pesquisa conduzida pelo Instituto Península desde março de 2020.

Assim, caro leitor, caso alguém pergunte o que deve ser feito para superarmos essa traumática situação educacional que hoje testemunhamos, você pode dizer que muito precisa ser feito, mas que no topo das prioridades está o professor, estúpido!

por João Marcelo Borges no Nexo

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