Representação feminina e dos povos indígenas

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Evandro Oliveira
Evandro Oliveira
PÓS GRADUADO EM GESTÃO E DIREÇÃO ESCOLAR; ESPECIALISTA EM "POLÍTICAS DA IGUALDADE RACIAL NA ESCOLA", SABERES AFRICANOS E AFRO-BRASILEIROS NA AMAZÕNIA - PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ (UFPA); GRADUADO CIÊNCIAS SOCIAIS COM ÊNFASE EM SOCIOLOGIA - UFPA; ATUA COMO PROFESSOR DE FILOSOFIA E SOCIOLOGIA NA REDE PÚBLICA E COMO PROFESSOR NO ENSINO SUPERIOR E CURSOS PRÉ-VESTIBULARES.
Constituinte do Chile será 50% feminina e 10 povos indígenas serão representados

Nas eleições deste fim de semana, sete meses após o histórico plebiscito que optou por uma nova Carta, 17 vagas são reservadas para povos indígenas. As mulheres serão metade dos eleitos, uma paridade inédita em uma Convenção Constitucional.

Passaram-se 72 anos desde que o Chile concedeu direito de voto às mulheres, que agora serão protagonistas do processo eleitoral mais importante das últimas três décadas no país. Esta será a primeira vez no mundo que uma eleição será celebrada sob critérios de paridade de gênero tanto para a inscrição de candidatos quanto para definir os representantes que serão eleitos. Assim, por exemplo, se dois homens forem os mais votados, a lista correrá até a mulher com mais votos. No Congresso atual, dos 155 deputados apenas 35 são mulheres e entre os 43 senadores há dez mulheres.

Para o historiador, antropólogo e professor da Universidade Católica do Chile, Rodrigo Mayorga, a paridade de gênero na redação de uma Constituição traz benefícios importantes. Um deles é garantir que aqueles que tomam as decisões representem de maneira adequada os que votaram por eles. O outro é a legitimidade. “Nada melhor do que uma mulher para discutir assuntos que são pertinentes a elas, que estão relacionados às experiências delas. Um exemplo é o aborto.”

Embora a lei de cotas, estabelecida em 2016, tenha aumentado a participação das mulheres na política, esta continua sendo escassa no Chile. O abismo salarial (28%) tampouco diminuiu e a participação feminina no mercado de trabalho é uma das mais baixas da região (41,2%). “Este é um ponto de inflexão na participação política das mulheres”, disse Mónica Zalaquett, ministra da Mulher e Igualdade de Gênero do Chile.

“Isto é histórico porque abre uma janela de possibilidades muito grande”, disse Emilia Schneider, candidata constituinte que em 2019 se tornou a primeira presidente transgênero da Federação de Estudantes da Universidade do Chile.

Schneider ganhou notoriedade como porta-voz da maciça marcha feminista de 8 de março de 2018, que antecedeu as ocupações que se estenderam naquele ano e foram consideradas o ponto que revitalizou o movimento feminista chileno, que ergueu a voz contra a violência machista e defendeu uma educação não sexista.

Tia Pikachu

Candidata independente, Giovanna Grandón se tornou conhecida após participar dos protestos de 2019 e de 2020 vestida de Pikachu, personagem do anime Pokémon. No entanto, debaixo da fantasia, havia uma mulher disposta a mudar a realidade do seu país. No ano passado, ela resolveu concorrer ao posto de constituinte pelo distrito 12, que reúne algumas das regiões mais pobres de Santiago. Caso seja eleita, Giovanna quer fazer uma gestão participativa. “Vou usar parte do meu salário como constituinte para criar uma plataforma em que as pessoas possam colocar suas principais demandas e, a partir disso, levarei os assuntos para serem debatidos em plenário.

Giovanna faz parte da “Lista do Povo”, formada por candidatos independentes (de esquerda) que afirmam lutar por dignidade e justiça. “Somos nós que vivemos e crescemos na desigualdade, somos nós que nos levantamos no dia 18 de outubro para dizer basta”, explica seu site. Para a candidata, “o papel do Estado tem de ser fiador, onde os empresários não sejam privilegiados, como até agora”. Os direitos das crianças devem ser garantidos desde o início; a educação deve ser de qualidade, gratuita e inclusiva e “que todos tenhamos acesso universal à saúde”, afirma.

Uma das bandeiras que ela pretende levantar, caso se torne constituinte, é a da educação inclusiva. De acordo com Giovanna, pessoas com deficiência têm dificuldades de serem inseridas em escolas regulares e, para que elas se desenvolvam, precisam parar de conviver apenas com seus semelhantes.

Sobre a igualdade de gênero na redação da Carta Magna, a candidata é incisiva. “A paridade foi uma conquista das marchas, principalmente a realizada em 8 de março de 2020, que reuniu milhares de pessoas. É preciso, de uma vez por todas, ter igualdade salarial neste país para pessoas que ocupam o mesmo cargo”, afirma.

Mãe de quatro filhos e avó de dois netos, até o início de 2020 Giovanna era motorista autônoma de van escolar. No entanto, acabou ficando sem trabalho em razão da pandemia. Foi então que se uniu a um grupo de voluntários para ajudar moradores de áreas pobres de Santiago.

No país do coletivo feminista Las Tesis, eleito pela revista Times como uma das lideranças mais influentes de 2020 após popularizar sua performance “Um estuprador no teu caminho” sobre a violência machista, as mulheres ainda têm muitos temas a abordar. “A perspectiva feminista e de dissidências sexuais é algo que queremos dar em todo o processo constituinte, porque há uma tendência de setores mais conservadores de apequenar nossos espaços” e reduzi-lo apenas aos temas da violência ou dos direitos sexuais e reprodutivo, disse Schneider.

Apenas em 2017 as chilenas conseguiram a aprovação de uma lei de aborto terapêutico, que permite interromper a gravidez em caso de estupro, risco de vida para a mãe ou inviabilidade fetal. Até aquele ano, o Chile era um dos poucos países do mundo que não permitia a interrupção da gravidez em hipótese nenhuma. E apenas no ano passado, terminou-se com uma antiga normativa que proibia às mulheres – e não aos homens – voltar a se casar até 270 dias após o divórcio, com o objetivo de evitar dúvidas sobre a paternidade dos filhos.

Considerando esse passado, o feito da paridade “é algo surpreendente em um país que foi bastante lento em avançar para a igualdade de condições da mulher nos cargos de poder”, afirmou Marcela Ríos, representante residente adjunta do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) no Chile.

Povos indígenas

Os povos originários do Chile também terão o seu lugar na Convenção Constitucional, que será eleita neste fim de semana. Pela primeira vez na história do Chile, serão 17 cadeiras reservadas para os 10 povos indígenas do país. Eles concorrerão por uma lista própria e apenas os indígenas inscritos no Serviço Eleitoral (Servel) ou que tenham algum documento que comprove que fazem parte de alguma etnia poderão votar. Esta população representa 12,8% dos 19 milhões de habitantes do país.

Serão sete cadeiras para o povo mapuche – os mais numerosos -, duas para os aimará e uma para cada um dos diaguita, quechua, atacameño, colla, yagán, kawésqar, chango e rapa nui. Segundo dados do último censo realizado no Chile, em 2017, cerca de 12% da população chilena é de origem indígena. Desses, 79,8 % se declaram mapuches. A etnia se distribui por várias regiões do Chile, mas está presente principalmente na zona central, onde está localizada a capital, Santiago.

Os indígenas chilenos querem ser reconhecidos por direitos sobre suas terras assegurados e participação nas decisões políticas. “As cadeiras reservadas são uma medida de inclusão política indígena de uma transcendência que poucos perceberam. E que sim ou sim devem aumentar no Congresso Nacional e nos governos locais. É mais um desafio futuro para as primeiras nações”, escreveu no Twitter, a horas da eleição, o jornalista e escritor Pedro Cayuqueo, candidato a constituinte na região de Valparaíso.

Ana Llao, da liderança mapuche e candidata constituinte, defende a recuperação dos “direitos coletivos” de todas as etnias, como afirmou em Temuco, capital da região de Araucanía, no sul do Chile, que concentra o maior número de comunidades mapuches. “Estamos falando dos povos originários, e em particular do povo mapuche, de poder exercer nossa autonomia e nossa autodeterminação, nossa livre escolha em cada um de nossos territórios; esses são os direitos políticos que devem ser consagrados com bastante clareza dentro desta nova Constituição política plurinacional”, explicou.

Mestre em antropologia pela Universidade de Brasília (UnB), Luis Campos vê a participação dos povos originários na redação da nova Carta Magna como algo muito positivo. “É necessário gerar um novo acordo no país que incorpore os indígenas com reconhecimento constitucional, como outros países já fizeram. E que eles possam participar em todas as decisões que competem a eles”, afirma o acadêmico chileno.

Alihuen Antileo é um dos candidatos indígenas. Nascido em Temuco no sul do país, se mudou para Santiago quando ainda era criança. Dentre as suas propostas para a nova Constituição está tornar o Chile um país plurinacional e plurilinguístico, que o ensino do mapudungun, a língua mapuche, seja obrigatório nas escolas públicas, e também que seja criado um banco de desenvolvimento indígena.

Além da lista indígena, os partidos conservadores, incluindo um de extrema direita, base de apoio do presidente chileno, Sebastián Piñera, figuram em uma lista única, enquanto as legendas de oposição de centro-esquerda se dividem em vários blocos. No total, existem mais de uma centena de listas, incluindo muitas independentes.

Benito Cumilaf, candidato constituinte em Temuco, comentou com que sua abordagem é o “direito à própria educação, o direito à terra e ao território”. Também “um reconhecimento constitucional inicial, mas que vincule a territorialidade, que não seja um reconhecimento da boca para fora, mas caso reconheçamos algo, no caso Mapuche, que seja esse povo com territórios”.

Quando os conquistadores espanhóis chegaram ao Chile, as terras dos mapuches se estendiam desde a fronteira estabelecida pelo rio Biobío até cerca de 500 quilômetros ao sul. A partir de 1860, depois de vários conflitos com os governos, seus territórios foram significativamente reduzidos. O último grande revés para o movimento indígena chileno ocorreu durante a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990), quando as terras recuperadas com a reforma agrária do ex-presidente socialista deposto, Salvador Allende (1971-1973), foram retiradas dos mapuches. Hoje, estima-se que os mapuches possuam apenas 5% de suas antigas terras.

No norte do país, as comunidades menores Quechua e Aymara que vivem no deserto do Atacama, área que são grandes depósitos de cobre, lítio e outros minerais, tiveram que ceder a políticas de integração muito específicas implementadas nesta região disputada pelo Estado chileno com o Peru e a Bolívia, na guerra travada no final do século 19.

AFP – Brasil

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