“Ser professora foi uma decisão”, diz docente que viralizou ao celebrar aprovação de alunos de escola pública em vestibular no Pará

Leia mais

Evandro Oliveira
Evandro Oliveira
PÓS GRADUADO EM GESTÃO E DIREÇÃO ESCOLAR; ESPECIALISTA EM "POLÍTICAS DA IGUALDADE RACIAL NA ESCOLA", SABERES AFRICANOS E AFRO-BRASILEIROS NA AMAZÕNIA - PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ (UFPA); GRADUADO CIÊNCIAS SOCIAIS COM ÊNFASE EM SOCIOLOGIA - UFPA; ATUA COMO PROFESSOR DE FILOSOFIA E SOCIOLOGIA NA REDE PÚBLICA E COMO PROFESSOR NO ENSINO SUPERIOR E CURSOS PRÉ-VESTIBULARES.
Professora também foi aluna de escola pública e demorou dez anos para entrar em uma faculdade. Ela diz que se reconhece nos alunos.

A professora de Língua Portuguesa, Florência Pinto, mais conhecida como Flor, que viralizou na internet após aparecer em um vídeo vibrando ao ver alunos de escola pública sendo aprovados no vestibular, tem vários motivos para comemorar a vitória dos estudantes.

Docente há 19 anos, Flor enxerga na realidade dos alunos, o que ela mesma vivenciou para chegar a uma universidade.

Professora Flor Pinto chora ao ver alunos passarem no vestibular

“Embora eu tenha terminado meus estudos do Ensino Médio muito cedo, só pude cursar uma universidade dez anos depois porque eu tinha que trabalhar, não tinha renda, então eu vejo nos meus alunos aquilo que sofri. Minha família, na minha infância e adolescência, sobreviveu com o Bolsa Família, era a única coisa que a gente tinha, mas a minha mãe, embora analfabeta, sempre honrou a escola, os estudos, e dava pra gente o que ela podia dar”, lembra a professora.

Ela conta que durante a vida escolar teve professores bons e ruins e, hoje, se espelha naqueles que a apoiaram enquanto profissional e que decidiu ser professora para fazer diferente daqueles que a maltrataram.

“Eu tive professores muito ruins, que me destruíram enquanto pessoa, mas tive professores que foram luz na minha vida, que acreditaram em mim, que tiravam minhas dúvidas, que me abraçaram quando precisei, que diziam que ia dar certo”, conta.

“Eu decidi ser professora. Digo que não foi uma escolha, uma opção, foi uma decisão. Amo o que faço, brigo pelos meus meninos, porque um dia alguém acreditou e brigou por mim. Eu só estou seguindo esse ciclo e digo para os meus alunos seguirem isso também”, comenta.

Também estudante de escola pública, Flor teve a oportunidade de se tornar professora por meio de uma cooperativa na Ilha de Mosqueiro, distrito de Belém, chamada Paulo Freire, onde fez cursinho para o vestibular.

Ela cursou Língua Portuguesa na Universidade do Estado do Pará (Uepa) e, desde então, segue convivendo com a realidade do ensino público.

“Eu estou na Educação desde 2003, fui aluna de escola pública, fiz universidade pública, sou funcionária pública. Isto tudo faz parte da minha realidade. Aquilo, no vídeo, não é nada demais, eu só faço o meu trabalho da forma que acredito que é certo”, diz a Flor, que é professora em Canaã dos Carajás desde 2016 e concursada da Secretaria Estadual de Educação desde 2019.
Alunos da professora Flor em atividade em sala de aula. — Foto: Arquivo Pessoal
Alunos da professora Flor em atividade em sala de aula. — Foto: Arquivo Pessoal

Luís Juvenal de Souza Lima, de 18 anos, é um dos alunos de Flor aprovados no vestibular. Ele passou no curso de jornalismo, na Universidade do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa). O estudante conta que a docente estabeleceu uma relação que vai além da troca ‘professor-aluno’.

“A professora é completamente inquieta, ela conversa, faz amizade com todos os alunos dela.Todos são são realmente amigos dela. Na verdade, ela nos considera como família e na sala de aula é sempre uma diversão, ela sempre faz a gente rir. As aulas são muito dinâmicas.”

O estudante contou que o empenho de Flor alcança os alunos de forma individualizada e acolhedora.

“Ela sempre procura criar um ambiente aconchegante e acolhedor pra todos os tipos de alunos. Ela entende que cada aluno tem a sua peculiaridade, as suas diferenças e ela trata eles como ela enxerga eles.Ela nos ama e nós amamos ela. Eu amo muito ela, é uma professora perfeita”, declara.

Para Luís, um dos maiores ensinamentos de Flor aos alunos é sobre resistência.

“Eu aprendo com ela que tenho que resistir, fazer o meu melhor, porque como ela mesma diz: a educação é o único caminho pra nós, que não somos da elite, conseguirmos resistir nesse país que não dá muitas oportunidades pra quem não tem dinheiro “, afirma o estudante.

Flor Pinto diz que a aprovação dos estudantes no vestibular da Unifesspa tem um fator a mais para ser comemorado, pois a evasão escolar aumentou com a pandemia.

“Tem ‘N’ fatores que levam o aluno a sair da escola, mas a pandemia veio escancarar o quanto é difícil ser estudante quando tu não tens recursos necessários para isso. Não é só estudar. Como tu vais estudar se tu passas o dia inteiro trabalhando? Tem vezes que eu respondo aluno uma hora da manhã porque ele quer fazer a atividade, tem dúvidas e não consegue assistir à aula”, conta a docente.

A professora destaca que a falta de estrutura foi um fator que dificultou a permanência dos estudantes no ambiente escolar.

“A pandemia veio tirar o direito do aluno de estar na sala de aula, principalmente daquele que não tem um ambiente propício em casa”, defende.

A falta de estrutura afetou tanto alunos quanto as práticas dos professores.

“Tinha aluno que não ligava o áudio para dar uma resposta porque a gente acabava ‘invadindo’ o ambiente dele e sabendo das coisas. A pandemia contribuiu muito para a evasão escolar, ainda mais quando não se tem um corpo de apoio com psicólogos, assistente social, e o professor acaba sendo a única coisa que o aluno tem, e fazer essas buscas ativas sem equipe técnica é difícil e isto me entristece muito”, explica a professora.

Por conta das atividades online, Flor adquiriu uma lesão em um dos braços, devido a movimentos repetitivos. Quem está ajudando na recuperação é Alessandra Oliveira, dona de um salão de estética em Canaã dos Carajás e responsável por ter postado o vídeo da celebração de Flor.

A empresária conta que a professora tinha terminado um dos procedimentos quando começou a chorar no balcão.

“Eu imaginei que tivesse acontecido alguma coisa, que ela estivesse com algum problema. Depois ela começou a vibrar e perguntei o que tinha acontecido, ‘você ganhou na mega-sena?’, perguntei, e eu estava sentada no sofá com o celular na mão e comecei a filmar. Ninguém planejou nada. As meninas que trabalham no salão começaram a perguntar o que estava acontecendo e aí todo mundo começou a chorar junto com a Flor”, comenta Alessandra.

A gravação ocorreu na segunda-feira, dia 31 de janeiro, e ficou arquivada no aparelho celular de Alessandra. Na sexta (4), a empresária postou o vídeo para homenagear a professora e viralizou.

“Foi um negócio mágico. Ela não sabia que eu tinha postado e as pessoas começaram a falar que outras estavam repostando, eu pensei ‘meu Deus, o que está acontecendo, não estou conseguindo nem trabalhar’”, lembra Alessandra, que fala que o reconhecimento de Flor é merecido.

“Ela é uma professora muito dedicada, inclusive uma funcionária que eu tenho aqui no salão, é uma pessoa que era aluna dela e estava passando por um momento de dificuldade e ela [Flor] não queria que ela deixasse de estudar, então pediu que eu ajudasse. Eu contratei e essa pessoa está comigo até hoje”, conta a dona do salão.

Flor conta que estabeleceu uma relação de confiança e afeto com os alunos.

“Eu sou suspeita para falar da relação com meus alunos. Eu confio neles para desempenhar meu trabalho, então tem um feedback grande. Eu gosto de todos os abraços, do carinho, no período da pandemia, quando eles ligavam as câmeras para dar bom dia, e mesmo os que não têm, fazem questão de fazer a atividade. Me sinto cuidada, respeitada, realizada”, finaliza a professora.

VEJA O VÍDEO:

Voz do Pará com informações do G1

- Publicidade -spot_img

More articles

- Publicidade -spot_img

Últimas notíciais