Triste adeus de Pelé à seleção brasileira completa 50 anos

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Evandro Oliveira
Evandro Oliveira
PÓS GRADUADO EM GESTÃO E DIREÇÃO ESCOLAR; ESPECIALISTA EM "POLÍTICAS DA IGUALDADE RACIAL NA ESCOLA", SABERES AFRICANOS E AFRO-BRASILEIROS NA AMAZÕNIA - PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ (UFPA); GRADUADO CIÊNCIAS SOCIAIS COM ÊNFASE EM SOCIOLOGIA - UFPA; ATUA COMO PROFESSOR DE FILOSOFIA E SOCIOLOGIA NA REDE PÚBLICA E COMO PROFESSOR NO ENSINO SUPERIOR E CURSOS PRÉ-VESTIBULARES.
18 de julho de 1971: o país parou para ver e lamentar a despedida do rei

“O clima na arquibancada era de extrema tristeza. Muitas pessoas chorando. Ninguém aceitando aquela despedida. Parecia um velório num campo de futebol. Ver o Brasil sem Pelé era como deixar o torcedor órfão.” O desabafo vem acompanhado de um tom de nostalgia. Mesmo passados 50 anos do último jogo de Pelé pela seleção brasileira, o sentimento de luto segue vivo na memória de Mauro Prais, que naquele 18 de julho de 1971, ainda adolescente, assistiu à última atuação do Rei do Futebol da arquibancada do Maracanã. O país parou para ver e lamentar.

Hoje, com 64 anos, e morando nos Estados Unidos, Prais é engenheiro eletricista e também pesquisador da história do Vasco Fã de Roberto Dinamite, ele coloca Pelé, ainda hoje, na condição de ídolo incomparável junto à seleção brasileira. “O Pelé conseguia unir as quatro grandes torcidas do Rio. Você sabia que o seu time iria perder para o Santos, mas todos compareciam ao Maracanã para ver o Pelé em campo.” Isso acontecia não somente no Rio. O Santos desfilava seu talento pelo Brasil sob o comando do camisa 10.

A partida que marcou o fim do ciclo do Rei terminou em empate de 2 a 2 com a Iugoslávia. Apesar de Pelé ter passado em branco (Rivellino e Gerson marcaram para o Brasil), Prais lembra que o camisa 10 fez de tudo para presentear a torcida com um gol na despedida. “A gente percebia que os companheiros jogavam em função do Pelé para que ele pudesse marcar. E esse era também o desejo dos torcedores. No fundo, todos tinham uma esperança de que Pelé pudesse voltar atrás em sua decisão de não jogar mais pela seleção”, contou Prais ao Estadão.

Das arquibancadas para o gramado, o jogo também mexeu com a emoção de quem esteve no Maracanã pelo dever do ofício. Então repórter de campo, Washington Rodrigues, o Apolinho, classificou a partida como uma das mais complicadas de seu vasto currículo de transmissões. “Foi difícil de trabalhar, a imprensa inteira querendo falar com Pelé. Muitos ficaram com a voz embargada. Nós, jornalistas, nos emocionamos e o Pelé também. E quando a torcida começou a gritar ‘fica, fica, fica’, foi uma coisa de louco. O Pelé não era do Santos, o Pelé era do Brasil”, disse o jornalista.

Presente também quando Pelé marcou o milésimo gol, em novembro de 1969, Apolinho comparou o clima daquela partida com a despedida diante da Iugoslávia. “O jogo do milésimo gol foi uma festa, homenagens, euforia. Contra os iugoslavos, não. Acho que foi o maior velório a céu aberto do mundo. Para onde você olhava, tinha gente chorando na arquibancada. E o Maracanã recebeu umas 150 mil pessoas para o jogo.”

O encerramento do primeiro tempo marcou o fim da era Pelé. Ali ele se despediu, cumprimentou os companheiros e adversários e deu uma volta olímpica com as crianças. “Foi um jogo de 45 minutos. A própria Iugoslávia perdeu o sentido de competição com a saída do Pelé de cena”, completou Apolinho, que acompanhou de perto a carreira do Rei no Santos e Brasil.

Em seus últimos momentos à serviço da seleção brasileira, Pelé justificou o que dele se esperava. Procurou jogo, finalizou com perigo, fez tabela com Gerson e Rivellino e, por várias vezes, tramou jogadas ofensivas com os atacantes Zequinha e Vaguinho. Pelé tinha 30 anos e havia acabado de ganhar a Copa do Mundo de 1970, no México.

Para o ex-lateral Zé Maria, então com 22 anos, aquele jogo ainda deixa marcas em sua memória. “Foi um dia que eu não gostaria de ter vivido. Ele estava inteiro e poderia continuar conosco. Ele não era o capitão, mas era um líder do time. Ao mesmo tempo em que nos motivava e passava confiança, também cobrava da gente em campo. Dizia sempre que precisávamos correr pelos mais velhos e que um dia nós iríamos substituir aquela geração consagrada”.

Zé Maria mencionou ainda o clima do vestiário daquele último jogo do Rei. “Foi muito abaixo do normal de alegria. O Pelé estava tranquilo, mas nós sabíamos que seria a última vez dele conosco. Ele relaxou enquanto fazia massagem, deu até uma cochilada. Mas foi uma despedida, né?” Pelé tinha hábito de se desligar no vestiário antes das partidas. Dormir antes dos jogos era comum para ele.

Apesar de ter sido titular do time que conquistou a Copa de 1970, no México, Clodoaldo, assim como Zé Maria, também pertencia a uma geração mais nova. “Sou um privilegiado. Comecei a treinar contra o Pelé com 15 anos e, aos 17, passei a jogar ao seu lado no Santos. Lembro que no vestiário daquele jogo no Maracanã, o Pelé estava feliz. O sentimento dele era de que tinha cumprido a missão com a seleção brasileira. Tínhamos de respeitar. Mas ele tinha condição de jogar mais uns dez anos se quisesse”, diz o volante.

Chamado de Reizinho do Parque pela imprensa, coube a Rivellino a missão de vestir a camisa 10 consagrada por Pelé após a sua aposentadoria. O então jogador corintiano fez um dos gols no empate contra os iugoslavos em julho de 71. “Eu fiz aquele gol porque o Pelé já tinha saído. Se ele estivesse na área, claro que eu daria o passe para ele. Na minha cabeça, o Pelé tinha de fazer um gol para coroar aquela festa. Pelé representava muito para mim. Dei sequência à carreira na seleção, disputei mais duas Copas do Mundo, mas nunca aceitei comparação com ele. A distância para o Pelé é muito grande”, diz.

Rivellino comentou ainda da homenagem feita pelos jogadores no intervalo da partida. “Todos nós tiramos a camisa e demos para ele. Era uma homenagem nossa para o Rei. O mínimo que podíamos fazer. Espero que ele tenha guardado essa lembrança, pois é um cara muito especial na minha vida.”

O colecionador Fábio Duque, de 46 anos, ainda nem tinha nascido quando Pelé decidiu encerrar seu ciclo com a camisa amarela no amistoso contra a Iugoslávia no Maracanã. Também nunca conheceu o craque santista pessoalmente. Mas, em sua casa, ele tem uma joia rara ligada ao ex-jogador: uma camisa 10 do Brasil que o Rei usou na temporada de 1971, ano da sua despedida da seleção nacional.

A peça chegou em suas mãos em janeiro do ano passado. Nela, já havia as três estrelas relativas ao tricampeonato no México, em 70. Para adquirir a relíquia, Fábio desembolsou R$ 5 mil. Hoje, para iniciar qualquer negociação, a proposta tem de ser superior a R$ 20 mil.

“A pessoa de Santos entrou em contato comigo. O avô tinha sido técnico do Jabaquara e era muito amigo do Pelé, que o presenteou com a camisa. Tenho essa relíquia e alimento o sonho de um dia poder conhecer o Pelé pessoalmente”, comentou Duque, dono de um e-commerce de camisas de futebol.

Considerado pelo próprio Pelé como o camisa 10 que mais se aproximou ao seu estilo no Brasil, Zico viveu naquele mesmo dia, e também no mesmo gramado, um momento importante de sua carreira Com 18 anos, ele atuou pela seleção carioca de juvenis contra o Vasco, campeão da categoria naquele ano, e fez o gol da vitória de 1 a 0.

“Meu objetivo era tentar ser titular do Flamengo. E deu certo. Por causa daquele jogo, o Fleitas Solich (técnico) me chamou para o time de cima. Fiquei com os profissionais até ser convocado para a seleção pré-olímpica do Brasil”, contou Zico.

Durante a entrevista, o Galinho falou do ambiente que cercou o Maracanã. “Todo mundo triste, mas sabíamos que um dia isso ia acontecer. Infelizmente eu não pude ver o jogo porque estava sozinho e tinha de voltar logo para casa. Mas no segundo tempo da preliminar, o estádio já estava lotado. E para um garoto como eu, jogar num Maracanã cheio, fazer um gol num dia de despedida do maior de todos, é especial mesmo”, diz.

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