Ucrânia: os princípios muito flexíveis dos EUA

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Evandro Oliveira
Evandro Oliveira
PÓS GRADUADO EM GESTÃO E DIREÇÃO ESCOLAR; ESPECIALISTA EM "POLÍTICAS DA IGUALDADE RACIAL NA ESCOLA", SABERES AFRICANOS E AFRO-BRASILEIROS NA AMAZÕNIA - PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ (UFPA); GRADUADO CIÊNCIAS SOCIAIS COM ÊNFASE EM SOCIOLOGIA - UFPA; ATUA COMO PROFESSOR DE FILOSOFIA E SOCIOLOGIA NA REDE PÚBLICA E COMO PROFESSOR NO ENSINO SUPERIOR E CURSOS PRÉ-VESTIBULARES.
Integridade dos Estados ou autodeterminação dos povos? Estes conceitos chocam-se com frequência no Direito internacional e é comum os Estados escolherem segundo seus interesses. Mas Washington é especialmente volúvel…

Dois princípios muito citados, ambos com raízes fincadas no Direito internacional, estão frequentemente em conflito – a integridade territorial dos Estados e a autodeterminação dos povos.

Este conflito recorrente e inevitável está evidente no reconhecimento diplomático, pela Rússia, das duas repúblicas separatistas – Donetsk e Lugansk – da região do Donbass, ambas de maioria russa. Nelas, assim como nas regiões da Abkhazia, Ossetia do Sul e Crimeia (que foram reconhecidas como Estados independentes pela Rússia), a maior parte das populações claramente desejava separar-se do país ao qual haviam sido associados – Geórgia e Ucrânia. O mesmo ocorreu no Kosovo, que em 1991 separou-se da Sérvia.

Não deveria ser surpreendente que os governos proclamem a validade absoluta – ou ao menos a precedência – do princípio correspondente, em cada ocasião, aos seus interesses. Os Estados ocidentais, que atualmente alardeiam o caráter absoluto e a aplicabilidade universal do princípio da integridade territorial dos Estados, já agiram de modo diferente. Eles não tiveram problema algum em apoiar a autodeterminação dos povos da Eritreia, do Timor Leste e do Sudão do Sul. Também fizeram o mesmo em Kosovo, onde contaram com o auxílio pesado de 77 dias de bombardeio da OTAN sobre Belgrado (capital da Sérvia), em violação flagrante ao direito internacional.

Uma escassíssima maioria de países-membros da ONU (97, em 193), hoje aceita o reconhecimento diplomático de Kosovo. Decisões a este respeito são inevitavelmente influenciadas por paralelos internos. Dos cinco membros da União Europeia que não reconhecem Kosovo, dois – Chipre e Espanha – têm problemas com movimentos separatistas em seus próprios territórios, enquanto a Grécia recusa-se a reconhecer em solidariedade aos cipriotas gregos.

Também é lógico que a China, apesar de sua relação “mais forte que uma aliança” com a Rússia tenha reafirmado recentemente seu compromisso profundo com o princípio da integridades dos Estados. Pequim preocupa-se como os sentimentos separatistas em Hong Kong, Taiwan e Xinjiang.

Um exemplo particular da extrema flexibilidade na aplicação dos dois princípios é oferecido pelo próprio Kosovo. Constituída por vasta maioria de albaneses, esta região, antes uma pequena parte da Sérvia, defendeu e explorou o princípio da autodeterminação dos povos (e os bombardeios da OTAN), para alcançar sua independência. No entanto, recusa-se, desde então, a aceitar a integração, à própria Sérvia da parte norte de seu próprio país, que é muito majoritariamente constituída de sérvios e cuja população, compreensivelmente, não se vê ligada a Kosovo. Num aparente ataque preventivo contra uma resolução racional da disputa, o governo de Kosovo chegou a incluir de modo inédito, na bandeira nacional, um mapa de seu território pós-independência…

Por fim, o governo dos Estados Unidos teve papel pioneiro no reconhecimento da soberania israelense sobre Jerusalém Oriental e sobre as Colinas do Golan, tomadas por Israel à Síria; e no reconhecimento da soberania do Marrocos sobre o Saara Oriental (a República Árabe Democrática Sahauri). Nestes três casos, agiu contra os desejos de toda a população do território ocupado. Fica claro que o único princípio ao qual o governo norte-americano adere de modo consistente, nestes temas, é o princípio fundamental das relações internacionais contemporâneas. O que importa não é a natureza do ato, mas quem está fazendo o quê contra quem…

A maior parte dos governos, em particular os muito poderosos, escolhe seus “princípios” de um menu à la carte, de acordo com seu apetite preferido do dia.

Originalmente no Counterpunch

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