A volta do Pesadelo na Cozinha

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Evandro Oliveira
Evandro Oliveira
PÓS GRADUADO EM GESTÃO E DIREÇÃO ESCOLAR; ESPECIALISTA EM "POLÍTICAS DA IGUALDADE RACIAL NA ESCOLA", SABERES AFRICANOS E AFRO-BRASILEIROS NA AMAZÕNIA - PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ (UFPA); GRADUADO CIÊNCIAS SOCIAIS COM ÊNFASE EM SOCIOLOGIA - UFPA; ATUA COMO PROFESSOR DE FILOSOFIA E SOCIOLOGIA NA REDE PÚBLICA E COMO PROFESSOR NO ENSINO SUPERIOR E CURSOS PRÉ-VESTIBULARES.

Jacquin entre o fogo e a frigideira

Enquanto o Masterchef não vem, a Band colocou no ar mais uma temporada (encurtada) de Pesadelo na cozinha. Com apenas quatro episódios inéditos, gravados antes da pandemia, o chef Erick Jacquin – a título de salvar restaurantes problemáticos – segue esbravejando contra tudo e todos e divertindo o telespectador.

O primeiro programa desta nova leva já nasceu antológico. O Mamma Julia, servindo refeições e marmitas a preço popular no centro de São Paulo, é daquelas experiências desagradáveis que grudam na memória como um soco bem dado na boca do estômago. A imundície era tanta que Jacquin chegou a vomitar assim que botou os pés na cozinha.

O proprietário do estabelecimento, Álvaro Cachorrão, é personagem digno de uma peça de Arrabal. Quer seja fumando ao lado das panelas quentes no fogão ou bêbado recebendo os clientes, falta-lhe postura de patrão ou qualquer traço tênue de dignidade. Para ele, a culpa é sempre dos funcionários e nenhum dos sérios problemas do restaurante revelados pelo programa mereceriam sequer uma reprimenda.

Mesmo avisado do perigo sobre a escada que leva à cozinha no porão e que todos os funcionários já haviam escorregado ali, o francês, enojado, evitava encostar a mão onde quer que fosse. Para encorajá-lo, entre a ingenuidade e a desfaçatez, Cachorrão avisou que havia mandado lavar o corrimão apenas para recebê-lo. 

Sua patente incompetência para os negócios só não é maior que a irresponsabilidade e a cara de pau. Questionado por Jacquin sobre uma mancha escura na parede, justificou-se dizendo que não se tratava de sujeira; era apenas feijão, de uma panela que havia explodido. Uma caixa de gordura entupida e destampada convivendo com o preparo dos alimentos em um ambiente sem qualquer tipo de ventilação foi o prego final no caixão da falta de higiene.

Enquanto os absurdos iam se sucedendo, a pergunta inevitável começou a ressoar: onde cargas d’água está e para que serve a Vigilância Sanitária paulistana? É inadmissível que um restaurante funcionando há quatro anos em tamanha petição de miséria já não tivesse sido obrigado a fechar as portas. Se de casa nos divertimos com as trapalhadas do Cachorrão, para quem frequenta o Mamma Julia o buraco é mais embaixo. Corre risco sério qualquer um que tenha comido o que ali é servido.

O formato do Pesadelo na cozinha é mesmo uma faca de dois gumes. Se, por um lado, o participante pode acabar ganhando dicas e uma renovação (ou maquiagem) do restaurante, por outro, o resultado pode ser a humilhação pública ou coisa pior.

Na Espanha, 14 entre os 96 donos de restaurantes que receberam a visita do programa fundaram a Associação de Prejudicados pelo Pesadelo na Cozinha e buscam na justiça reparação por alegados prejuízos financeiros, psicológicos e de danos morais. Outra estatística não muito alvissareira a assombrar a reputação da atração é o prazo médio de seis meses em que grande parte dos participantes encerra suas atividades após envolver-se com a franquia em todas as suas versões (EUA, Inglaterra, Irlanda, Espanha, Argentina, Chile, Itália, Portugal e Brasil). 

Os números indicam que o programa não é o suficiente para salvar um negócio; pode apenas garantir alguma sobrevida àqueles que decidem se submeter.

No caso específico do Mamma Julia, quem pode garantir que o Cachorrão vai mesmo se endireitar após o pito do Jacquin? Que o cardápio desenvolvido por ele será seguido à risca; que as comandas serão ao menos preenchidas corretamente; que os standards de higiene cobrados não serão mandados às favas na primeira oportunidade?

Naquele trecho do programa em que o apresentador dá uma pretensa lição de vida apoiado em frouxas metáforas e com um pé na autoajuda, Cachorrão foi atacado pelos cães da PM de São Paulo. Um pastor alemão pulava com vontade no pobre coitado (todo enrolado em espuma, como um colchão humano), derrubando-o e arrastando-o pelo gramado do canil da polícia. Enquanto até sua mulher ria da situação, achei que ia entrar a voz em off do Faustão narrando uma videocassetada.

A julgar pelas chamadas, o programa que irá ao ar hoje à noite também desvendará algo da alma humana, sem cachorradas previstas. Por não saber como lidar com os problemas do restaurante, o proprietário irá fugir do recinto a certa altura. Sai de cena o cachorro, entra o avestruz.

Por sua vez, Jacquin segue sendo o showman que sabe tão bem encarnar. Enérgico mas sem perder a doçura, diverte e educa. Não perde nunca a razão, porque sabe mesmo do que está falando, até quando é óbvio. Ganha disparado do criador do formato, o chef inglês Gordon Ramsey, por preferir o histrionismo à arrogância. 

(PESADELO NA COZINHA: terças-feiras, às 22:45h, na Band)

Frase da semana

De Álvaro Cachorrão, no Pesadelo na cozinha, explicando porque acha bonito o seu apelido:

“Se você está duro, seu cachorro está do seu lado; se você está bêbado, o cachorro está do seu lado… se eu chamo uma pessoa de cachorro, eu não estou desmerecendo a pessoa, eu estou falando que ela é minha amiga!”

VOZ DO PARÁ: Essencial todo dia!

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