Ainda carecemos da conversão dos corações
Há doze anos, atuando junto a uma comunidade de uma paróquia em Belo Horizonte, vimo-nos, os leigos e leigas, incentivados a estudar os documentos da CNBB e, principalmente, os documentos que resultaram do Concílio Vaticano 2º. A teologia conciliar me foi apresentada antes mesmo de me ver cruzando os portões da faculdade de teologia – o que, certamente, tem provocado implicações no meu projeto de vida até hoje. Essa novidade no horizonte da fé chegou até mim e às pessoas mais simples da comunidade graças à atuação de um presbítero consciente dos estudos que realizou e que vinha realizando de modo permanentemente, certo de que somos sempre aprendizes. Sua atuação pastoral foi, sem dúvidas, decisiva na minha e na formação de muitas pessoas que jamais tomariam conhecimento teórico, prático e vivencial da fé à maneira ensinada pelo Concílio Vaticano 2º.
Mas, como nem tudo são flores na história da Igreja, tanto nas macros quanto nas microestruturas eclesiais, o desejo reformador provocado pelo novo jeito de ser Igreja impulsionado pelo concílio e apresentado à comunidade à época gerou o estranhamento e, principalmente, a rejeição da parte de alguns fiéis. A ação pastoral de incentivo aos estudos e mergulho nas fontes conciliares desencadeou uma aguda dissensão entre os membros da comunidade. Desse tempo, recordo-me, claramente, de constatar ao menos a formação de três grupos: os que eram favoráveis às reformas; os que as rejeitavam; os que estavam indecisos e não se posicionavam a respeito da questão, sob a alegação de não criar conflitos maiores. Ainda posso me lembrar dos nomes mais importantes de cada um dos “representantes” desses grupos.
É importante considerar que apenas os que acolhiam as reformas compareciam aos cursos e formações bíblicas, teológicas e litúrgicas. A impossibilidade de diálogo era posta pelos que rejeitavam as reformas. Não havia conversa. A Igreja estava dividida. Vivemos anos de uma guerra fria. A fé era demasiadamente fingida. Ainda me recordo da estrofe do canto das oferendas da missa da Ceia do Senhor que eu entoava – cantado contra o gosto de alguns – como prece sincera diante daquela situação: “Pela mente não sejamos separados! Cessem lutas, cessem rixas, dissensões, mas esteja em nosso meio Cristo Deus!”. Acredito que Deus ouvia minha oração, mas, conforme ensina a constituição Sacrossanto concílio, devemos cuidar de não receber a graça em vão, devemos cooperar com ela. Ficou muito evidente que a renovação conciliar da comunidade e da paróquia dependia da conversão dos corações – difícil demais de mensurar dentro de um espaço e tempo.
Algumas reformas foram implementadas na organização, nas estruturas e nos ritos, no jeito de praticar a fé; outras reformas nunca chegaram a se tornar uma prática exterior ou interior. O fato é que todo o vivido veio a ruir logo na troca do administrador da paróquia e da comunidade. O que comprovou o péssimo hábito da Igreja se parecer muitíssimo com as prefeituras: mudam-se os presbíteros, mudam-se as políticas. Desse modo, o sonho de uma comunidade à maneira do Concílio Vaticano II ruiu com a chegada de um presbítero conservador e tradicionalista.
Hoje escuto os ecos do motu proprio do papa Francisco, Traditionis custodes, no qual ele desenvolve sobre o rito romano abordando a prática da missa pré-conciliar; ao mesmo tempo, leio notícias da perseguição a religiosos e padres, por parte de grupos ultraconservadores, por assumirem uma postura mais reformista na prática pastoral; também chegam notícias da divisão racial dentro da Igreja – O que é evidente, diga-se de passagem –; diante disso, vêm-me à cabeça o passado vivido e a percepção de que, se os cristãos estão distantes da unidade, sobretudo os cristãos católicos estamos a anos luz dessa realidade de sermos um Corpo sadio, congregados pelo mesmo Espírito. A realidade eclesial é realmente diabólica. Ainda carecemos da conversão dos corações. (por Tânia da Silva Mayer | Dom)
VOZ DO PARÁ: Essencial todo dia!
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