Na Itália, especialistas pedem que Francisco siga o estilo de seus antecessores e adapte protocolos do conclave às exigências do presente
O historiador italiano Alberto Melloni avalia que o papa Francisco precisa rever, com urgência, o documento que prevê as regras para a realização do conclave. A última mudança foi realizada por Bento XVI, que estabeleceu a norma de eleger o papa com dois terços dos votos. Com isso, o papa emérito revogou uma decisão de João Paulo II, que tinha decidido que a maioria simples elegesse o novo pontífice, caso houvesse dificuldade para se chegar aos dois terços. A constituição Universi Dominici Gregis (1996), de autoria do papa polonês, continua sendo o manual protocolar a ser seguido após a morte de um pontífice. Quando promulgou esse documento, ele levou em consideração os erros cometidos tanto na parte logística quanto na parte estrutural dos conclaves anteriores.
O estudioso argumenta que, caso Francisco prefira não mexer no que aí está, grupos que estão à frente de impérios midiáticos católicos, que se opõem ao papado atual e querem impor a própria agenda política, farão de tudo para interferir na decisão dos cardeais. Em tempos de redes sociais e fake news, a questão merece um pouco mais de atenção, na avaliação do pesquisador.
Melloni analisa que muitos cardeais novos, cuja maioria provém de países que nunca tiveram um purpurado antes, seriam presas fáceis em meio a essa investida. Pelo fato de mal conhecerem os próprios colegas de cardinalato, talvez se deixassem levar pelo “barulho” de uma falsa maioria, como acontece em muitas eleições pelo mundo. Essa rede de ‘ludibriadores’, segundo ele, seria formada por autoridades eclesiásticas, leigos e religiosos americanos, que ao longo do atual pontificado, já puseram em dúvida a própria legitimidade do papa.
O jornalista americano Michael J. O’Loughlin endossou essa constatação ao revelar, na America Magazine, revista publicada por jesuítas americanos, em 2018, que foi criada uma Red Hat Report (Relatório do barrete vermelho) para elencar os cardeais “mais aptos” para assumir o trono de Pedro. A ação é coordenada pelo grupo Better Church Governance (Melhor governança para a Igreja), o qual conta, inclusive, com a colaboração de ex-agentes do FBI. Procurados pela revista, os responsáveis pela iniciativa negaram tratar-se de um lobby, reiterando que pretendem somente “exprimir seu amor incondicional à Igreja” através desse levantamento. Porém, a parte curiosa é que a maioria dos membros da organização não poupam críticas ao pontificado do papa Francisco, de acordo com matéria publicada pelo site americano Crux.
O professor italiano também se preocupa com as brechas deixadas pelo documento de João Paulo II, que de certa maneira contribuiu para que o conclave transcorresse de maneira mais “solta”. Por exemplo, muitos cardeais (principalmente os europeus) chegam antes a Roma. E às vezes ficam dias esperando a chegada dos demais, que vivem em países distantes. É nessa fase que muitos deles se reúnem para organizar uma espécie de “pré-conclave” para sondar alguns candidatos em potencial. Olhando para esse cenário, Melloni sugere que todos os purpurados, ao chegarem a Roma, se dirijam diretamente para a hospedagem oficial do Vaticano (Casa Santa Marta), evitando, assim, que esse tipo de discussão aconteça antes do tempo.
Ele também propõe que o conclave aconteça sem aquela pressão de encontrar, em curto espaço de tempo, um substituto para o papa. Defende a realização de uma única votação ao dia, nos três primeiros dias de conclave, de modo que os cardeais tenham mais tempo para refletir e conversar. Na atual estrutura, quatro escrutínios são realizados durante um único dia de votação (dois de manhã e outros dois à tarde), na tentativa de acelerar o processo.
O pesquisador italiano recomenda que seja dado um tempo de meditação aos cardeais mais votados. E, por último, sugere que nas congregações gerais (as reuniões preparatórias do conclave, da qual participam todos os purpurados, inclusive os não eleitores), haja espaço para que somente os eleitores se encontrem.
Embora eu não discorde do diagnóstico do Melloni, há um quesito que, a meu ver, não pode ser ignorado. É importante frisar que é natural que os cardeais novos se alinhem ao papa que os nomeou. E não fazem isso simplesmente como um gesto de gratidão, mas porque o fato de eles terem sido escolhidos já sinaliza uma aproximação ao projeto de governo do papa reinante. Além disso, as pessoas que ocupam cargos estratégicos na cúria romana são jovens e, ao que tudo indica, participarão da próxima eleição. Ou seja, se o conclave fosse hoje, a “queda de braço” seria intensa, mas um candidato mais “franciscano” teria grandes chances de ser escolhido.
Não sabemos se Francisco, que é muito atento a esse tipo de proposta, irá acatar as ideias do estudioso. Por outro lado, mudar o iter da eleição do romano pontífice talvez seja uma carta na manga que Francisco não pretende soltar agora. Sua prioridade agora é lançar a nova constituição de reforma da cúria romana, cuja publicação está prevista para o fim do ano.
Bento XVI anunciou que mudaria algumas normas do conclave poucos dias após sua renúncia, em 2013. Se Francisco for seguir os passos de seu antecessor, fará isso após o grande último feito de seu pontificado: o sínodo sobre a sinodalidade. Como o papa argentino gosta de pegar todos no susto, só falta isso para que a reforma não se restrinja somente a seu pontificado, mas faça parte do programa de governo de seu sucessor. Ecclesia semper reformanda (A Igreja deve sempre ser reformada, em tradução ao português), já disseram muitos reformadores. (por Mirticeli Medeiros)
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