A subversão da linguagem

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Evandro Oliveira
Evandro Oliveira
PÓS GRADUADO EM GESTÃO E DIREÇÃO ESCOLAR; ESPECIALISTA EM "POLÍTICAS DA IGUALDADE RACIAL NA ESCOLA", SABERES AFRICANOS E AFRO-BRASILEIROS NA AMAZÕNIA - PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ (UFPA); GRADUADO CIÊNCIAS SOCIAIS COM ÊNFASE EM SOCIOLOGIA - UFPA; ATUA COMO PROFESSOR DE FILOSOFIA E SOCIOLOGIA NA REDE PÚBLICA E COMO PROFESSOR NO ENSINO SUPERIOR E CURSOS PRÉ-VESTIBULARES.
Linguagem neutra atropela a gramática e desrespeita recente decisão do STF

O jornal Valor Econômico noticiou que algumas empresas estariam adotando a linguagem neutra no país. Esse fato revela o que poderíamos chamar de ditadura das minorias, oriunda das lutas identitárias, consideradas “baboseiras do esquerdismo” pelo candidato à Presidência Ciro Gomes e também pela primeira-ministra britânica, Liz Truss.

Se a democracia é a vontade da maioria, por que subverter a língua pátria em benefício de poucos? Como já foi explicitado por catedráticos, a linguagem neutra atropela não apenas o bom-senso, mas também as regras gramaticais do Português. Defensores da ideia imaginam que mudando palavras pode-se acabar com os preconceitos num passe de mágica.

Para o dramaturgo e jornalista austríaco Karl Kraus (1874-1936), as palavras podem funcionar como minúsculas doses de arsênico. Ao denunciar o avanço do nazismo no cotidiano do povo alemão, ele ressaltou que “não podemos nunca perder a dúvida linguística”. No ensaio “A linguagem do Terceiro Reich”, mostrou como a retórica hitlerista cooptava as massas por meio de locuções idiomáticas e formas sintáticas.

Embora tenha se oposto ao feminismo, Kraus defendia as prostitutas e os homossexuais. Redator da revista “A Tocha”, denunciou as injustiças e a corrupção, particularmente a corrupção da língua, na qual via a fonte dos grandes males de sua época. Responsabilizava principalmente a imprensa pela banalização do idioma, com o uso de eufemismos, slogans e frases superficiais em narrativas que escamoteavam a verdade dos fatos.

Gírias e jargões

Realmente, o poder das palavras é incontestável. Freud e os grandes pensadores já sabiam. Prova disso é que o neologismo “imbrochável” – termo grosseiro usado pelo presidente/candidato Jair Bolsonaro no dia 7 de setembro – virou piada, mas foi repetido em coro por seus seguidores. É a vulgarização do discurso político em tempos de eleição, algo que deveria ser levado a sério.

Acontece que, ao contrário das chamadas línguas mortas, o idioma falado é orgânico e mutante. No entanto, gírias, jargões e coloquialismos vão e vêm conforme os modismos de cada época, enquanto as normas gramaticais ou linguísticas permanecem (ou deveriam) como esteio da língua oficial.

Se voltarmos ao início do século passado, com certeza teríamos dificuldades para entender o Português falado naquela época. Todavia, o milagre de conservarmos o mesmo idioma num território de proporções continentais foi um dos fatores que garantiram a unidade nacional. A linguagem neutra não só atropela a gramática e desrespeita recente decisão do STF, como também impõe confusão linguística à maioria dos brasileiros.

Como disse Fernando Pessoa, “minha pátria é minha língua”. Um idioma se consolida ao longo de séculos e é o que melhor expressa o indivíduo e a própria nacionalidade. Sobre o controle da linguagem, convém lembrar o alerta de George Orwell no livro “1984”. Nele, o Grande Irmão impõe a novilíngua, que lhe permite criar e remover palavras com o objetivo de manipular o pensamento e cercear a liberdade. Qualquer semelhança com os ditames do politicamente-correto não é mera coincidência. (por Jorge fernandes dos Santos na Dom Total)

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