Algo de podre no Reino de Westeros

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Evandro Oliveira
Evandro Oliveira
PÓS GRADUADO EM GESTÃO E DIREÇÃO ESCOLAR; ESPECIALISTA EM "POLÍTICAS DA IGUALDADE RACIAL NA ESCOLA", SABERES AFRICANOS E AFRO-BRASILEIROS NA AMAZÕNIA - PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ (UFPA); GRADUADO CIÊNCIAS SOCIAIS COM ÊNFASE EM SOCIOLOGIA - UFPA; ATUA COMO PROFESSOR DE FILOSOFIA E SOCIOLOGIA NA REDE PÚBLICA E COMO PROFESSOR NO ENSINO SUPERIOR E CURSOS PRÉ-VESTIBULARES.
Casa do Dragão é o primo pobre de GOT

Quase duzentos anos antes de Daenerys, a Casa Targaryen havia unificado os sete reinos e reinava soberana sobre Westeros. A derrocada do clã é o tema central da série A Casa do Dragão – título meio infeliz que remete à primeira vista mais a um filme B de kung-fu do que a uma prequel do fenômeno Game of Thrones. O problema começa aí: a comparação é inevitável.

Para não deixar dúvidas que uma série está atrelada à outra, optou-se pela mesma música tema da abertura da guerra dos tronos, privando o novo rebento de personalidade própria já na largada. Para uma produção que confia tão pouco no discernimento do público, parece irônico que a narrativa da série seja construída len-ta-men-te em cima de tantas lacunas espaço-temporais, além de novas casas nobiliárquicas e personagens introduzidos de sopetão. E dá-lhe sangue e violência gratuitos, na tentativa de despertar de tempos em tempos a audiência, sonolenta no sofá em frente à televisão.

O quinto episódio começou como um susto. Um pulo temporal nos fez aterrissar cerca de uma década após o que já havia sido mostrado. A mudança foi tão grande que, nos primeiros minutos da exibição, criou-se a dúvida se estávamos assistindo ao mesmo programa ou se não havíamos perdido o capítulo anterior. Espécie de “samba do Targaryen doido”, a mudança de fase e o tratamento desigual das marcas da passagem do tempo sobre os personagens institucionalizaram de vez a confusão.

Enquanto a Princesa Rhaenyra Targaryen; o príncipe consorte e sua irmã; e a Rainha Alicent Hightower ganharam outros atores para encarnar suas versões adultas, o Rei Viserys (vivido por Paddy Considine) se transformou em ancião à custa de pesada maquiagem. Todo o restante do elenco permaneceu sem envelhecer um dia sequer; à exceção de poucos e bons (como o Príncipe Daemon; a Mão do Rei, Lord Lyonel Strong; e o guarda-costas Ser Criston Cole), que, pelo menos, ganharam um novo corte de cabelo.

Há que se perguntar ainda se este tipo de salto temporal é adequado ao formato de série praticado pela HBO. Com temporadas de apenas dez episódios, a condensação narrativa torna-se um imperativo e dedicar tanto tempo a um prelúdio resulta em luxo inadequado e um passo em falso. Fica a impressão de que só agora, na metade da temporada, a série começou de fato.

Em uma novela, cuja duração orbita entre seis e oito meses, dedicar os capítulos iniciais a uma primeira fase faz sentido. O expediente foi inaugurado na teledramaturgia brasileira justamente com a antiga versão de Pantanal. Repetida no remake, a estratégia usada há 30 anos seguiu funcionando e ofereceu ao público uma bela introdução à saga de José Leôncio e sua família pantaneira. Mas, em uma série, o expediente deve ser bem melhor dosado.

A inexperiência de Miguel Sapochnik no papel de showrunner pode ser um dos fatores a contribuir para este e outros deslizes. Marinheiro de primeira viagem na função, o diretor competente de inúmeros episódios de GOT (inclusive do memorável Batalha dos Bastardos, destaque da nona temporada) aparentemente não estava preparado para assumir tal tarefa. O visual opulento de cores renascentistas (em oposição à vibe medieval de GOT) e o elenco bem escalado não são o suficiente para compensar as deficiências narrativas.

Faz falta também a presença de personagens marcantes, à altura de um Tyrion Lannister, de uma Arya Stark ou de um Jon Snow. Além das peculiaridades de personalidade, cada um deles possuía trajetória própria dentro do arco da história. Agora, todos estão submetidos a um único fio narrativo – daí ser inadmissível a dificuldade de desenvolvê-lo. Como um grupo de vacas a caminho do matadouro, não se vê de ninguém os cornos se destacando para fora e acima da manada.

Com uma história linear e até simplória, esta Casa do Dragão deveria fluir muito melhor. Enquanto o programa predecessor era superlativo em clãs, batalhas e castelos, desta vez o foco é apenas em uma família e suas mazelas. A guerra não é mais pelo trono, mas pelo direito à sucessão. O embate real só acontecerá após a morte do Rei Vyseris (nesta altura, uma possibilidade longínqua), jogando qualquer ação para o futuro e transformando toda a temporada – e não apenas os cinco primeiro episódios – em mera introdução.

Até lá, parecemos fadados a acompanhar as intrigas palacianas da Casa Targaryen e peripécias pouco interessantes protagonizadas pelos seus membros. Os eventos de impacto são mal desenvolvidos ao ponto de resultarem gratuitos (como a autoimolação de uma das personagens no episódio mais recente), desnecessários (como a briga no casamento de Rhaenyra), ou óbvios (como o surgimento do cervo branco no terceiro episódio). Pior do que isso, este sim o pecado mortal da série, pouco ou nada resulta como consequência destes eventos: são apenas ilhas de acontecimento cercadas de um mar de tédio por todos os lados.

Até mesmo os dragões – um trunfo do programa original – assumiram tímida coadjuvância em um palco onde supostamente deveriam ser a atração principal. De Game of Thrones a esta Casa do Dragão, perdeu-se pelo caminho algo da arte de contar histórias.

(A CASA DO DRAGÃO: novos episódios aos domingos, 22:00h, na HBO e HBO Max)

VOZ DO PARÁ: Essencial todo dia!

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