Quase 2000 anos depois, Jesus continua sendo perseguido, traído e torturado até a morte
No Primeiro Concílio de Niceia (325 d.C.), presidido pelo Imperador Constantino I, e organizado pelo Papa Silvestre I, a Igreja instituiu oficialmente a liturgia da Semana Santa.
Quase 2000 anos depois, Jesus continua sendo perseguido, traído e torturado até a morte. Muitos cristãos ainda não conseguem compreender o Mistério de um Deus Crucificado.
A Paixão de Jesus foi o desenlace de uma vida em confronto com o sistema religioso-político do seu tempo. Foi condenado à tortura e morte por aqueles que se achavam donos de Deus, da nação e da religião. A aliança entre poder e religião é perversa e violenta.
Jesus não era militar, sacerdote do templo ou autoridade política. Jesus rompeu com os esquemas, entrou em Jerusalém montado em um jumentinho. Agitação popular! Inquietação das elites! Sua missão não dependia da autorização humana. Não se deixou subornar por nenhum poder humano.
Ele atingiu o centro do poder político-econômico e religioso. Não estavam a serviço da humanização e da justiça. Ao anunciar a chegada do Reino de Deus em gestos e palavras, Jesus se tornou um perigo. “Os sumos sacerdotes e os escribas procuravam como prender Jesus, por um ardil, para matá-lo” (Marcos 14,1). Jesus foi preso, torturado e supliciado na cruz.
A cruz era instrumento de tortura e morte reservado a rebeldes perigosos. A morte cruel de Jesus foi fruto de seu testemunho. Poderosos nunca estão dispostos a renunciar a seus privilégios. Nunca! Jesus identificava-se totalmente com os explorados pelo poder político-econômico e com os discriminados pela religião. Jesus não recuou diante das ameaças, não modificou sua mensagem. Nada o deteve. Sua cruz foi consequência de sua opção em favor do Reino.
Que faz Deus numa cruz?
Deus identificado para sempre com todas as vidas indefesas, destruídas e abandonadas da terra. Não se pode adorar o Crucificado e viver de costas ao sofrimento humano. Deus está em todos os calvários do mundo. Sempre é Sexta-feira Santa na vida de milhares de filhos de Deus.
O Catecismo da Igreja (n. 598) afirma: “Nossos pecados atingem Cristo em pessoa. A Igreja não hesita em imputar aos cristãos a mais grave responsabilidade no suplício de Jesus, responsabilidade que eles muitas vezes imputaram unicamente aos judeus. Devemos ter como culpados deste horrível crime os que continuam a recair nos seus pecados… aqueles que mergulham na desordem e no mal crucificam de novo em seu coração, tanto quanto deles depende, o Filho de Deus”.
Quem são os pecadores de hoje? Que crimes continuam a cometer? Qual é a desordem e o mal que continuam crucificando Jesus? Quem são os traidores?
Religiosos e políticos? “Pastores com cheiro de ovelha ao lado de lobos”. Assim foi classificado o encontro das autoridades religiosas com Bolsonaro no Santuário do Cristo Redentor, no Rio. Segundo o Movimento de Padres da Caminhada & Padres contra o Fascismo (coletivos de mais de 400 padres de todo o Brasil e alguns bispos), o “presidente despreza o maior dom de Deus: a vida, … desrespeita
o meio ambiente e os habitantes originários de nossas terras, é racista, misógino e homofóbico, não esconde sua aversão aos pobres, aquelas e aqueles que sempre foram centrais para Jesus, o Redentor”.
Não há messias fora do evangelho. É preciso acompanhar a Paixão de Cristo de todos os dias: Fome, desemprego, pobreza, preconceitos, desigualdades, destruição da criação de Deus.
Condenamos Jesus em cada irmão abandonado, discriminado e descartado. “Temos de reconhecer: o nosso crime, neste caso, é maior que o dos judeus. Porque eles, como afirma o Apóstolo, “se tivessem conhecido a Sabedoria de Deus, não teriam crucificado o Senhor da glória” (1 Cor 2, 8). Nós, pelo contrário, fazemos profissão de O conhecer: e, quando O renegamos pelos nossos atos, de certo modo levantamos contra Ele as nossas mãos assassinas” (Catecismo, n.598).
Entretanto, “devemos elevar um grito humilde, mas insistente a Deus: O nosso grito a Deus deve ao mesmo tempo ser um grito que penetra o nosso próprio coração, para que desperte em nós a presença escondida de Deus para que aquele seu poder que Ele depositou nos nossos corações não seja coberto e sufocado em nós pela lama do egoísmo, do medo, da indiferença e do oportunismo” (Bento XVI).
Não são poucos os gritos dos mais pobres, descartados e abandonados. Em tempos tão difíceis “precisamos ser afetados pela Cruz. Que a Cruz nos toque e nos transforme, que nos purifique e, sobretudo, que nos humanize” (padre Júlio Lancelotti).
Muitos já vivem como ressuscitados. É consolador ver tantas mulheres e homens que são presença de Jesus no meio de tanto sofrimento. Estão com Jesus até as cruzes da humanidade das quais todos ignoram. Arriscam a vida em defesa dos abandonados. Em meio à indiferença, muitos nos ensinam fidelidade ao Crucificado. É preciso coragem para permanecer com Jesus.
Necessitamos experienciar, todos os dias, a Ressurreição!
Élio Gasda no Dom Total