De contracultura a esporte olímpico: como o skate chegou aos Jogos de Tóquio

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Evandro Oliveira
Evandro Oliveira
PÓS GRADUADO EM GESTÃO E DIREÇÃO ESCOLAR; ESPECIALISTA EM "POLÍTICAS DA IGUALDADE RACIAL NA ESCOLA", SABERES AFRICANOS E AFRO-BRASILEIROS NA AMAZÕNIA - PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ (UFPA); GRADUADO CIÊNCIAS SOCIAIS COM ÊNFASE EM SOCIOLOGIA - UFPA; ATUA COMO PROFESSOR DE FILOSOFIA E SOCIOLOGIA NA REDE PÚBLICA E COMO PROFESSOR NO ENSINO SUPERIOR E CURSOS PRÉ-VESTIBULARES.
Professor da Universidade Western, no Canadá, analisa em artigo os pontos positivos e negativos da modalidade ter entrado para as Olimpíadas

Se os organizadores pudessem fazer o roteiro da estreia olímpica do skate, eles provavelmente mudariam muito pouco sobre o que aconteceu em Tóquio. O skatista da cidade sede das Olimpíadas Yuto Horigome, que se aperfeiçoou nas ruas de Tóquio, ganhou a medalha de ouro inaugural da modalidade na competição masculina de street.

No dia seguinte, Momiji Nishiya, de 13 anos, ganhou o segundo ouro no skate do Japão, terminando no topo do pódio do estilo street feminino para se tornar a mais jovem medalhista de ouro olímpica do país e a terceira mais jovem na história dos Jogos. E a dominação japonesa continuou na competição feminina do park, quando Sakura Yosozumi levou o ouro e Kokona Hiraki, de 12 anos, ganhou a prata.

Muitas pessoas podem achar estranho ver skate nas Olimpíadas. E isso não é um desprezo pela habilidade ou talento necessários para competir como um skatista de elite — é estranho por causa da longa história do skate como uma atividade contracultural.

Para participar das Olimpíadas, um esporte precisa de uma federação internacional que aceite a Carta Olímpica. No entanto, é difícil imaginar que alguns, senão a maioria, dos skatistas não zombem da Regra 1, que estabelece a “autoridade suprema e liderança do Comitê Olímpico Internacional”.

O que se desenrolou em Tóquio 2020 é apenas um pequeno fragmento de uma atividade normalmente celebrada e apreciada como uma forma de resistência contra a cultura dominante. Na verdade, em sua forma mais básica, o skate ainda é uma atividade essencialmente contracultural.

Enraizado na resistência

O skate como o conhecemos hoje evoluiu principalmente nas décadas de 1970 e 1980, quando inovadores como Mark Gonzales (Street), Rodney Mullen (Street) e Tony Alva (Vert) estavam experimentando novas maneiras de usar skates.

Em meados da década de 1970, parques de skate construídos para esse fim pontuaram a paisagem urbana dos Estados Unidos. As competições existiam, mas havia pouco dinheiro a ser ganho. Andar de skate era uma questão de camaradagem, criatividade e expressão pessoal.

Em um artigo de 2018 para a Vice, Cole Nowicki descreve o skate como uma arte. Como tantas artes que vieram antes dele, o skate se opôs às noções predominantes de lazer e recreação apropriados.

Num Estados Unidos dominado por esportes com regras e regulamentos rígidos e confinados a um campo de jogo, o skate ofereceu uma liberdade bonita e desestruturada. Não havia pontuação. Sem estádio. Sem limites. A improvisação era celebrada, não castigada.

O skatista norte-americano John Cardiel, cujo pico da carreira ocorreu na década de 1990 (Foto: Flickr/Creative Commons)

O skatista norte-americano John Cardiel, cujo pico da carreira ocorreu na década de 1990 (Foto: Flickr/Creative Commons)

Havia pouco dinheiro no início do skate profissional. As competições não pagavam praticamente nada. Os skatistas filmavam “peças” demonstrando suas habilidades, na esperança de obter um modesto patrocínio de empresas específicas do setor. Quando John Cardiel foi nomeado o Skatista do Ano pela Thrasher Magazine em 1992, por exemplo, ele ganhava apenas US$ 500 por mês como skatista profissional.

Da margem para o popular

A popularidade do skate acabou por chamar a atenção dos endinheirados. Em 1995, a ESPN sediou os primeiros X-Games, abrangendo skate e oito outros esportes “radicais”. Em vez dos patrocinadores de skate típicos, os X-Games anunciavam grandes marcas, incluindo Advil, Mountain Dew, Taco Bell, Chevy Trucks, AT&T, Nike e Miller Lite Ice. Embora os X-Games tenham colocado novos olhos no skate, a ESPN não transformou os skatistas em milionários. O estilo de vida de um skatista profissional continuou sendo uma luta para sobreviver.

Os skatistas repararam no COI pela primeira vez quando ele encenou uma aquisição hostil do snowboard para as Olimpíadas de Nagano de 1998. Como Dvora Meyers destacou recentemente na Vice, o COI flexionou seus músculos organizacionais ao rejeitar a já estabelecida Federação Internacional de Snowboard (ISF) — o grupo verdadeiramente responsável pela disseminação global do esporte —, movendo o snowboard sob a égide da Fédération Internationale de Ski (FIS). Eventos rivais da FIS foram realizados, forçando os snowboarders a escolherem um lado, resultando no colapso da IFS em 2002.

Depois de suportar imensa hostilidade do snowboard por seu tratamento com o IFS, o COI agiu com muito mais cuidado ao incorporar o skate aos Jogos de 2020. Embora parecesse que o COI poderia entregar a jurisdição sobre o skate à Federação Internacional de Esportes sobre Rodas, uma fusão com a Federação Internacional de Skate foi finalmente garantida, produzindo a federação reconhecida pelo COI, a World Skate.

Uma resposta mista

A comunidade do skate está dividida devido à incorporação da modalidade nas Olimpíadas. Em 2016, logo após o COI anunciar que o skate estava se juntando ao megaevento, a Thrasher Magazine solicitou a opinião de 33 skatistas profissionais sobre a chegada do skate olímpico. As respostas variaram de excitação a repulsa.

Para muitos skatistas, a competição é uma reflexão tardia. Veja John Cardiel, por exemplo. Aclamado como uma lenda na subcultura do skate, Cardiel era conhecido por seu estilo de alta velocidade e riscos ousados. Sua reputação evoluiu, procurando as paisagens mais desafiadoras e interessantes onde pudesse andar de skate. Suas performances continuam populares e, embora ele seja um profissional patrocinado, vê o skate como algo maior do que um esporte.

“Para mim, andar de skate tem tudo a ver com individualidade e originalidade”, disse Cardiel à Thrasher. “Não tem nada a ver com o mais alto, o mais distante, o mais longo. O skate sendo um esporte olímpico contradiz tudo o que eu acredito que o skate seja. ”

A carreira de Cardiel atingiu o pico na década de 1990, antes que o skate fosse totalmente comercializado por meio dos X-Games e eventos semelhantes. Mas para skatistas que ganharam destaque na década de 2000, como o atleta olímpico norte-americano Nyjah Huston, as Olimpíadas são outra oportunidade de expandir o esporte.

O norte-americano Nyjah Huston (à esquerda) e o brasileiro Kelvin Hoefler (à direita) no Street League de Skate RJ, em 2019 (Foto: Breno Barros/rededoesporte.gov.br)

O norte-americano Nyjah Huston (à esquerda) e o brasileiro Kelvin Hoefler (à direita) no Street League de Skate RJ, em 2019 (Foto: Breno Barros/rededoesporte.gov.br)

Huston ganhou 12 medalhas de ouro nos X-Games e quatro campeonatos mundiais, e sua visão das Olimpíadas não poderia ser mais diferente da de Cardiel: “Estou animado com a oportunidade de poder andar de skate nas Olimpíadas! Quer as pessoas gostem ou não, o skate tende a se transformar em coisas maiores, mais cedo ou mais tarde. Então, aos meus olhos, pode muito bem ser agora. ”

O lado bom

A campeã mundial da Vans Park Series 2017, Nora Vasconcellos, passou sua jovem carreira equilibrando a competição com os vídeos mais tradicionais que fizeram de Cardiel um ícone do esporte. Embora as mulheres andassem de skate desde o início, as oportunidades ficaram para trás em relação aos homens. Vasconcellos espera que as Olimpíadas possam ajudar a melhorar a sorte das skatistas.

“Eu não me importo, porque skate sempre será skate para mim”, disse Vasconcellos à Thrasher. “No máximo, é bom porque, como skatistas, agora temos mais competições para ir e oportunidades de viagens. Mudou totalmente o snowboard para as mulheres. Uma vez que o snowboard estava nas Olimpíadas, as mulheres eram realmente capazes de viver apenas lançando gravações de vídeo. Quanto mais meninas ganham a vida andando de skate, mais diversidade pode haver.”

O interesse do COI no skate, claro, é financeiro. Como um vampiro ganancioso, ele esquadrinha o cenário esportivo em busca de esportes populares e juvenis, capazes de revitalizar sua audiência. Caberá aos atletas usar a criatividade, ousadia e camaradagem pelas quais o skate é conhecido para resistir e preservar o que puderem da subcultura skatista, a fim de que o esporte e a arte não se separem para sempre. Fonte: Revista Galileu)

Olimpíadas separaram skatista Pedro Barros do pai, que estará surfando na  Nicarágua - 03/08/2021 - Esporte - Folha

Pedro Barros – Skatista brasileiro nas Olimpíadas de Tóquio
 (Este texto foi originalmente publicado em inglês no site The Conversation)

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