Ela lidera a corrida eleitoral num país afundado em crise política. Defende programa ultraconservador e saída da União Europeia. Seu partido é próximo de grupos neofascistas. Visa articular ampla coalizão de direita, com Salvini e Berlusconi
Uma placa de pedra e uma coroa de flores murchas na fachada de um palacete na Via della Scrofa, em Roma, homenageiam o combatente antifascista Alberto Marchesi. Em 1944, ele foi executado pelos nazistas durante o massacre das Fossas Ardeatinas. A placa fica pendurada à esquerda da entrada em arco do edifício amarelo. À direita, vê-se uma outra, de acrílico, muito menor, indicando que ali fica a sede do partido neofascista Fratelli d’Italia (Irmãos da Itália, FdI). Uma estranha justaposição.
Partidos neofascistas ocupam o número 39 da Via della Scrofa desde 1946. Primeiro foi o movimento MSI, depois a Aliança Nacional e agora os Irmãos da Itália, cujo nome alude ao primeiro verso do hino nacional italiano.
Giorgia Meloni, a líder do partido, fez questão de ocupar o edifício histórico que velhos comparsas do ditador Benito Mussolini costumavam frequentar. Mussolini era “uma personalidade complexa”, disse ela em várias entrevistas, apostando na nostalgia que alguns italianos ainda sentem pelo antigo regime fascista.
Símbolo fascista
Meloni não procura se distanciar nitidamente do fascismo. Uma neta do ditador, Rachele Mussolini, foi até eleita vereadora em Roma pela legenda em 2021.
Em sua autobiografia, Meloni escreve que está consciente que navega por um campo minado da política: “Somos filhos da nossa história. Toda nossa história. Como todas as outras nações, o caminho que percorremos é complexo, muito mais complicado do que muitos pensam.” Ela só se limita a rejeitar o culto personalista do fascismo, mas símbolos da ideologia que nasceu na Itália estão constantemente presentes no dia a dia do partido.
Por exemplo, quando Giorgia Meloni dá coletivas de imprensa na sede do partido, costuma aparecer em frente a um enorme logotipo da legenda: uma chama estilizada com as cores italianas. A mesma chama estilizada é parte da cripta que abriga os restos mortais de Mussolini, em Predappio, ao sul de Bolonha.
“Eu não tenho nada a pedir desculpas em minha vida. Mas em dois de cada três debates na televisão tenho que falar sobre a história e não sobre a política atual. Acho que isso não está certo”, queixa-se Meloni.
Benito Mussolini em 1934. Uma neta do ditador foi eleita vereadora pelo Irmãos da Itália em 2021. Foto: AP
Topo das pesquisas
Em meio aos preparativos para a próxima campanha eleitoral, Giorgia Meloni instruiu os diretórios do FdI a alertarem os membros para evitar dar declarações mais extremas, mencionar a ideologia fascista e, sobretudo, façam em público a “saudação romana”, que consiste em estender o braço direito para o alto, o mesmo gesto que compõe a saudação hitlerista.
No momento, os Irmãos da Itália nunca estiveram tão perto do poder. E por isso têm apostado numa política de suavização da sua imagem de extrema direita e se aproximado de outros partidos de direita que não abraçam o neofascismo abertamente. Isso tudo porque Meloni espera, depois das eleições federais antecipadas, marcadas para 25 de setembro, formar uma coalizão com outras siglas de direita: a Liga, do ultradireitista Matteo Salvini, e o Força Italia, do populista Silvio Berlusconi.
Segundo as últimas sondagens, o Irmãos da Itália pode receber quase 23% dos votos, com a Liga obtendo 14.4% e Força Itália, 8.4%. Dessa forma, o grupo pode somar quase 46% do total das urnas. Como o Irmão da Itália pode ser o mais votado, caberia então a Meloni liderar como primeira-ministra esse eventual governo de coalizão. Mesmo que não vença as eleições, o crescimento do partido de Meloni é considerável: no pleito de 2018, obteve apenas 4,4% dos votos.
“O fato de ela [Meloni] ter chegado até aqui na Itália é graças a todos aqueles que a normalizaram”, diz a jornalista espanhola Alba Sidera, que há anos cobre a direita italiana. Ela menciona parte da mídia que insiste em classificar personagens como Salvini e Meloni de “centro-direita”, e até uma centro-esquerda mal orientada que a subestimou. “Meloni não apareceu do nada. Ela tem se preparado para se tornar primeira-ministra há anos.”
Militante neofascista
Nascida em 1977, Giorgia Meloni juntou-se à ala jovem do partido neofascista MSI quando ainda era uma estudante de 15 anos – segundo ela, como sinal de resistência contra o terrorismo de grupos marxistas que sacudia a Itália na época.
Mais tarde, ela liderou o braço estudantil do grupo de extrema direita Aliança Nacional e foi finalmente eleita deputada federal em 2006. Dois anos mais tarde, tornou-se a mais jovem ministra da Itália, aos 31 anos, quando assumiu a pasta da Juventude no governo de Silvio Berlusconi (2008-2011).
Meloni fundou o Irmãos da Itália dez anos atrás, e ocupando a presidência da legenda desde 2014. Em 2020 também assumiu a presidência do grupo Reformistas e Conservadores Europeus (ECR), que reúne vários partidos eurocéticos de direita, como o espanhol Vox e o ultraconservador Lei e Justiça (PiS), que domina o governo da Polônia desde 2015.
Meloni, Berlusconi e Salvini em 2018. O trio de direita espera comandar a Itália após a eleição de setembro Foto: Reuters/A. Bianchi
Puro populismo e nacionalismo
Meloni vai entrar na campanha eleitoral com o slogan populista e nacionalista “A Itália e os italianos em primeiro lugar”. Seu programa defende mais benefícios para famílias, menos burocracia europeia, impostos baixos e acabar com a imigração.
Ela diz querer renegociar os tratados entre a Itália e União Europeia e a filiação do país à comunidade monetária do euro, e rejeita o aborto e o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Formada como secretária para línguas estrangeiras, ela é relativamente inexperiente em economia e política externa.
Assim como outros membros da extrema direita mundial, Meloni também promove teorias conspiratórias como a “grande substituição” e a ameaça de uma suposta “ideologia de gênero”.
Radicalmente autoconfiante
Em posts no Facebook, Giorgia Meloni costuma reagir com tranquilidade às críticas que lhe são dirigidas, especialmente pela esquerda. Quando a escritora Ginevra Bompiani disse ao canal La7 “Meloni é uma verdadeira bufona […] ela está cercada por nazistas”, ela respondeu no Facebook que estava cansada de ser sempre retratada como “a dama negra”.
Meloni afirma que seus oponentes se desesperam por ela ser bem-sucedida, e que associá-la a Mussolini, Hitler ou Putin é ridículo,”afinal, eu apoio a Ucrânia”. Numa entrevista, aconselhou seus críticos a olharem para o exemplo da França ou da Alemanha, onde, segundo ela, partidos de ultradireita conseguiram bons resultados eleitorais sem que ocorresse um “escândalo”. “Por que deveria funcionar de forma diferente na Itália?”
Se vier a liderar o governo italiano, a chefe partidária espera instrumentalizar o peso do seu país na UE para transformar o bloco numa mera união econômica informal. Numa entrevista recente à emissora pública RAI, afirmou que o presidente francês Emmanuel Macron está enfraquecido pela falta de uma maioria no parlamento, e que o chanceler federal alemão, Olaf Scholz, ainda está tentando firmar seu governo.
Scholz certamente não tem por enquanto a mesma força de sua antecessora Angela Merkel. É esse vazio que Giorgia Meloni espera ocupar, como sugeriu ela própria, que é casada com um jornalista televisivo e dedica grande atenção à forma como sua imagem é projetada. (Por Bernd Riegert, na DW Brasil)
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