Há 60 anos, ‘O Pagador de Promessas’ ganhava a Palma de Ouro em Cannes

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Evandro Oliveira
Evandro Oliveira
PÓS GRADUADO EM GESTÃO E DIREÇÃO ESCOLAR; ESPECIALISTA EM "POLÍTICAS DA IGUALDADE RACIAL NA ESCOLA", SABERES AFRICANOS E AFRO-BRASILEIROS NA AMAZÕNIA - PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ (UFPA); GRADUADO CIÊNCIAS SOCIAIS COM ÊNFASE EM SOCIOLOGIA - UFPA; ATUA COMO PROFESSOR DE FILOSOFIA E SOCIOLOGIA NA REDE PÚBLICA E COMO PROFESSOR NO ENSINO SUPERIOR E CURSOS PRÉ-VESTIBULARES.
A data será comemorada com exibição do filme e debate a partir de 19h30 no Cine Satyros, com presença do ator Antonio Pitanga

Há exatos 60 anos o cinema brasileiro recebia sua principal recompensa internacional. Dia 23 de maio de 1962, O Pagador de Promessas, de Anselmo Duarte, ganhava a Palma de Ouro, principal prêmio de Cannes, o mais prestigioso festival de cinema do mundo. A data será comemorada com exibição do filme e debate a partir de 19h30 no Cine Satyros Bijou, com presença do ator Antonio Pitanga. Será também exibido às 20h20 no Canal Brasil.

As comemorações se justificam. Além do significado dessa premiação única para um país sedento de reconhecimento externo, há a improbabilidade dessa vitória. A despeito das suas inegáveis qualidades, ainda espanta que esse texto de Dias Gomes adaptado para a tela por Anselmo Duarte, tenha superado um conjunto de obras-primas presentes em Cannes naquele ano. Basta lembrar três delas – O Anjo Exterminador, de Luis Buñuel, O Eclipse, de Michelangelo Antonioni, O Processo de Joana D’Arc, de Robert Bresson.

BASTIDORES

O folclore em torno dessa premiação é vasto. Diz-se que o júri ficou dividido entre dois concorrentes e Pagador surgiu como o tertius de conciliação. Outra hipótese é que Pagador seria o representante de uma cinematografia de prestígio à época na Europa – o Cinema Novo. E então teria sido premiado mais por fazer parte dessa onda (o que é um equívoco) e menos por suas qualidades intrínsecas. Verdade que o Cinema Novo não tinha ainda lançado suas obras-primas, Vidas Secas, de Nelson Pereira dos Santos, Os Fuzis, de Ruy Guerra, e Deus e o Diabo na Terra do Sol, realizadas e exibidas entre 1963 e 1964. Mas o movimento já gozava de renome e tinha-se como certo que o representante brasileiro em Cannes seria o impactante Os Cafajestes, de Ruy Guerra, filme original e irmão de alma da nouvelle vague francesa.

Além do mais, Glauber Rocha, o profeta do Cinema Novo, recusava a obras como Assalto ao Trem Pagador, de Roberto Farias, e ao próprio O Pagador de Promessas, carta de cidadania no movimento que liderava. O Cinema Novo viera para revolucionar forma e conteúdo, e os dois filmes, para os cinemanovistas, eram ainda excessivamente tradicionais, vinculados a uma estética herdada do cinema norte-americano ou aparentada à Vera Cruz, companhia paulista de sotaque europeu, mesmo ao filmar temas nacionais.

Hoje essas discussões parecem um tanto desbotadas. Revisto, O Pagador de Promessas poderá até reavivá-las, talvez sob nova perspectiva. Permanecem a eficiência com que a história é contada, a pegada épica e socialmente ambiciosa do cinema brasileiro de então, a beleza da fotografia (do britânico Chick Fowle), a qualidade do texto, a força do elenco. A começar por Leonardo Villar, que encarna com garra o personagem Zé do Burro. Quando seu animal de estimação fica doente, ele faz uma promessa no candomblé a Santa Bárbara. Conduziria a pé uma cruz até Salvador e entraria com ela na igreja católica. Mas, ao saber que a promessa fora feita num terreiro, o padre, vivido por Dionísio Azevedo, impede a entrada de Zé do Burro. Como ninguém cede, surge o impasse, com desfecho trágico.

Numa época de intolerância religiosa e regressão cultural, essa história de embate entre a força popular e a ordem estabelecida ganha nova (e triste) atualidade.

Voz do Pará com informações da Agência Estado

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