Milton Gonçalves, o porteiro

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Evandro Oliveira
Evandro Oliveira
PÓS GRADUADO EM GESTÃO E DIREÇÃO ESCOLAR; ESPECIALISTA EM "POLÍTICAS DA IGUALDADE RACIAL NA ESCOLA", SABERES AFRICANOS E AFRO-BRASILEIROS NA AMAZÕNIA - PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ (UFPA); GRADUADO CIÊNCIAS SOCIAIS COM ÊNFASE EM SOCIOLOGIA - UFPA; ATUA COMO PROFESSOR DE FILOSOFIA E SOCIOLOGIA NA REDE PÚBLICA E COMO PROFESSOR NO ENSINO SUPERIOR E CURSOS PRÉ-VESTIBULARES.
A morte do ator, no início da semana, trouxe-me gratas lembranças e muita saudade

A morte do ator Milton Gonçalves, no início da semana, trouxe-me gratas lembranças e muita saudade. Lembrei-me, por exemplo, da primeira vez em que o vi na telinha, em 1973, num “Caso especial” da TV Globo ainda em P&B. Refiro-me à adaptação do romance “Ratos & homens”, de John Steinbeck, estrelada por Stenio Garcia e Carlos Eduardo Dolabella, sob direção de Walter Avancini.

Lembrei-me também de sua magistral atuação no longa-metragem “A Rainha Diaba”, de Antônio Carlos Fontoura com roteiro de Plínio Marcos, rodado em 1974. Antes disso, como não poderia deixar de ser, veio-me à memória sua presença em “Macunaíma” (de 1969), filme de Joaquim Pedro de Andrade inspirado na obra de Mário de Andrade – com Grande Otelo, Paulo José, Jadel Filho e Dina Sfat.

Em nenhum desses momentos eu poderia supor que um dia ele pudesse interpretar um dos meus personagens. Refiro-me ao protagonista de “O porteiro”, episódio do programa “Você decide”, cujo argumento escrevi por indicação do dramaturgo e roteirista Carlos Alberto Ratton.

No início dos anos 1990, quando o Estado de Minas ainda funcionava no número 36 da Rua Goiás, recebi Ratton na redação para uma entrevista a ser publicada no caderno de Cultura, no qual eu atuava como repórter. Até então, só nos conhecíamos de “obas e olás”, e por isso fiquei surpreso quando, ao final da conversa, ele perguntou como ia o meu teatro.

Troféu Fundacen

Eu tinha recebido três premiações como dramaturgo, entre elas o Troféu Fundacen pelo texto “A rebelião dos poetas”, em 1989, escrito sob encomenda da Fundação Clóvis Salgado. Depois de estrear no Palácio das

Artes, o espetáculo dirigido por Afonso Drumond percorrera 14 municípios, em comemoração aos 200 anos da Inconfidência Mineira.

Desde então, meu teatro havia estagnado, já que a atividade jornalística em dupla jornada me consumia boa parte do tempo. Ratton ouviu a explicação e disse que eu deveria escrever para a TV. Em seguida, passou-me o endereço de Geraldo Carneiro, cujo núcleo de trabalho na Globo era responsável pelo “Você decide”, um dos campeões de audiência da emissora aberto à colaboração de argumentistas e roteiristas.

Aceitei a dica com gratidão, levando em conta a máxima atribuída a Otto Lara Resende de que “o mineiro só é solidário no câncer”. Como eu não estava doente, o gesto de Ratton pareceu-me algo raro no meio artístico provinciano em que vivíamos. Escrevi cinco argumentos e despachei pelos Correios. Algum tempo depois, recebi um telefonema da secretária de Geraldo Carneiro, informando que haviam aprovado “O porteiro”.

Surpresa maior foi saber que o elenco já estava escalado. Além de Milton Gonçalves no papel principal, o programa teria Carlos Vereza, Isis de Oliveira e Norma Bengell como coadjuvantes. Melhor ainda foi saber que a direção estaria a cargo de Roberto Farias, diretor de filmes como “O assalto ao trem pagador” (1962) e “Pra frente, Brasil” (1982).

Menção de louvor

Por aquelas 15 linhas de argumento, recebi da Globo uma quantia equivalente ao salário de um mês de trabalho como repórter. O programa foi ao ar em 1993, apresentado pelo ator Raul Cortez, que eu já conhecia pessoalmente. A história girava em torno do drama de um ex-presidiário que trabalha como porteiro num colégio particular da Zona Sul do Rio.

Vereza interpretou o promotor de Justiça que o condenara por assassinato. Ao saber que o sujeito trabalha na escola do seu filho, ele mobiliza a comunidade para expulsá-lo do emprego. No papel da diretora, Norma Bengell investiga o caso e descobre a verdade por trás das aparências. No final, a maioria dos telespectadores optou por manter o porteiro no cargo, levando em conta que ele já havia quitado sua dívida com a sociedade.

Coincidentemente, no dia em que “O porteiro” foi ao ar, entrevistei Norma Bengell com a equipe do filme “Vagas para moças de fino trato”, da obra de Alcione Araújo, dirigido por Paulo Thiago. Mais tarde, durante um jantar, a atriz pediu ao garçom que providenciasse uma televisão para que ela e os convidados pudessem assistir ao programa cujo argumento elogiara.

Além do bom índice de audiência, “O porteiro” recebeu uma menção de louvor do Conselho Penitenciário de Minas Gerais, por sugestão do conselheiro Luiz Carlos Abritta. A interpretação de Milton Gonçalves, como tudo o que ele fazia, foi de primeiríssima qualidade, o que muito contribuiu para a repercussão do programa. Não cheguei a conhecê-lo pessoalmente,

mas sempre o admirei. Sua morte representa uma grande perda para as artes nacionais, sobretudo em tempos de tanta mediocridade e intolerância. (por Jorge Fernando dos Santos)

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