O dia em que Hitler perdeu a guerra

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Evandro Oliveira
Evandro Oliveira
PÓS GRADUADO EM GESTÃO E DIREÇÃO ESCOLAR; ESPECIALISTA EM "POLÍTICAS DA IGUALDADE RACIAL NA ESCOLA", SABERES AFRICANOS E AFRO-BRASILEIROS NA AMAZÕNIA - PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ (UFPA); GRADUADO CIÊNCIAS SOCIAIS COM ÊNFASE EM SOCIOLOGIA - UFPA; ATUA COMO PROFESSOR DE FILOSOFIA E SOCIOLOGIA NA REDE PÚBLICA E COMO PROFESSOR NO ENSINO SUPERIOR E CURSOS PRÉ-VESTIBULARES.
Há 80 anos, começava o fim do nazismo com a decisão da Alemanha de invadir a União Soviética. Em seu delírio racista, o ditador pensava que a Rússia seria subjugada em questão de semanas

No dia em que Hitler ordenou que as tropas alemãs invadissem a URSS, na madrugada de 22 de junho de 1941, há 80 anos, perdeu a Segunda Guerra Mundial. A Operação Barbarossa, como foi batizada a invasão em homenagem ao imperador Frederico I, tornou inevitável a derrota do nazismo, ainda que também tenha levado a guerra a um nível de selvageria desconhecido até então: o objetivo do Terceiro Reich não era vencer seus inimigos, e sim exterminá-los. Os quatro anos que restavam de conflito estão entre os mais sangrentos da história, não somente nas frentes de batalha, e sim também na retaguarda porque foi nesse momento em que começou o assassinato sistemático dos judeus europeus.

Em seu delírio racial, o ditador nazista Hitler pensava que um país que considerava povoado por Untermenschen (sub-humanos) seria subjugado em questão de semanas, como havia ocorrido com a Polônia, França e os Países Baixos. O ditador soviético Josef Stalin, desconfiado e impiedoso assassino de multidões, acreditou cegamente –contra informações contrárias das quais dispunha– que a Alemanha não romperia o pacto de não agressão que havia assinado dois anos antes. Seu Exército, dizimado durante os grandes expurgos, não estava, de maneira nenhuma, preparado. O custo de vidas desse terror é impossível de ser medido; mas Hitler não soube calcular a imensidão do espaço soviético, sua capacidade de produção industrial e as centenas de milhares de soldados de reforço enviados para combater dos confins da URSS.

O historiador militar britânico Antony Beevor, um dos grandes especialistas no conflito, autor de obras como Stalingrado e Berlim 1945. A Queda, responde com um “quase com toda certeza” quando é perguntado sobre se a invasão selou o destino da Alemanha. “Isso ocorreu pois Hitler não aprendeu as lições não só da derrota de Napoleão em 1812, e sim principalmente as da guerra sino-japonesa de 1937, apesar de Chiang Kai Shek contar com assessores alemães”, diz Beevor por e-mail. “Se um Exército defensor, por mais mal armado e destreinado que esteja, tem uma enorme massa de terra para se retirar, então o atacante, por mais bem treinado e armado que esteja, perderá todas as suas vantagens. A única esperança de vitória de Hitler era transformar a invasão da União Soviética em outra guerra civil levantando um exército de um milhão de ucranianos e outros antissoviéticos, como disseram para que ele fizesse, mas se negou a colocar os Untermenschen eslavos em uniformes alemães por princípios”.

O último livro do historiador britânico Jonathan Dimbleby, publicado em abril, deixa claro a partir do título: Barbarossa. How Hitler lost the war (Barbarossa. Como Hitler perdeu a guerra). “A invasão da União Soviética por parte de Hitler foi a maior, mais sangrenta e mais bárbara empreitada militar da história”, escreve Dimbleby. “Quando seus Exércitos chegaram às portas de Moscou, em menos de seis meses, qualquer perspectiva que Hitler poderia ter de realizar sua delirante visão de um Reich de Mil Anos já havia se desvanecido”.

Todos os números que cercam a Operação Barbarossa são espantosos: às 3h15 da madrugada, hora de Berlim, o Exército alemão abriu uma frente de 2.600 quilômetros, com a colaboração de seus aliados italianos e romenos. Um total de três milhões de militares (148 divisões, 80% do exército alemão) participaram de uma ofensiva apoiada em 600.000 cavalos e 600.000 veículos. “Não se deve esquecer que a invasão alemã foi basicamente uma operação dependente dos cavalos”, diz o historiador norte-americano Peter Fritzsche, professor emérito da Universidade de Illinois e autor de obras de referência como Life and Death in the Third Reich (Vida e Morte no Terceiro Reich). Quando o clima russo se abateu sobre o Exército invasor, a dependência dos cavalos se demonstrou crucial.

 

Tropas alemãs durante a Operação Barbarossa, no verão europeu de 1941Tropas alemãs durante a Operação Barbarossa, no verão europeu de 1941

O avanço foi rápido e impiedoso – Beevor conta em seu livro A Segunda Guerra Mundial que uma unidade de cavalaria se mostrava orgulhosa de ter matado 200 soldados inimigos em combate e 13.788 civis na retaguarda –, mas com a passagem do verão a resistência se tornava cada vez mais intensa na frente e os ataques guerrilheiros se multiplicaram atrás das linhas. A brutalidade nazista desencadeou uma reação patriótica, mas também uma luta desesperada para sobreviver. Três milhões de prisioneiros de guerra soviéticos morreram nas mãos dos nazistas, dos quais dois milhões faleceram em 1941, a maioria de fome. Diante dessa perspectiva, somada aos comissários políticos onipresentes no Exército Vermelho, combater era quase a única forma de se ter uma oportunidade, por menor que fosse, de sair com vida.

No outono, as linhas de abastecimento alemãs começaram a se quebrar com dezenas de milhares de soldados, seus cavalos e seus veículos presos na lama. O general inverno russo inutilizou uma parte do armamento alemão, enquanto os soldados não tinham roupas adequadas para temperaturas siberianas: como Hitler pensava que a ofensiva seria questão de semanas, não pensou em equipamento especial para o frio, equipamento que os soldados soviéticos possuíam. O fracasso na tomada de Moscou significou um ponto de não retorno na ofensiva e na guerra.

Ainda que as tropas nazistas já houvessem colocado em funcionamento unidades dedicadas exclusivamente ao assassinato de civis, com a Operação Barbarossa o extermínio dos judeus europeus entrou em uma nova fase. Peter Fritzsche explica que “o avanço da ofensiva foi imediatamente acompanhado por ataques assassinos contra as comunidades judaicas, incluindo horríveis pogroms que os alemães tentaram instigar utilizando a população local”. “Os historiadores não entram em acordo sobre quando o Holocausto foi concebido como uma solução final que implicava o assassinato em grande escala”, prossegue Fritzsche. “Possivelmente foi no verão de 1941, nesse espírito de euforia desatado pela ofensiva. Em 31 de julho de 1941 foi transmitida a ordem explícita de destruir as comunidades judaicas, incluindo as mulheres e crianças”.

Quatro unidades dos Einsatzgruppen – esquadrões da morte – foram mobilizadas atrás das linhas para realizar esses assassinatos maciços. Mas existe atualmente um consenso entre os historiadores da Shoah de que esses assassinatos maciços não poderiam ter sido realizados sem a cumplicidade ativa do Exército regular alemão e de colaboradores locais. “A Operação Barbarossa representou um ponto de inflexão”, escreveu Yona Kobo, pesquisadora do Yad Vashem e curadora da exposição virtual The Onset of Mass Murder sobre as vítimas civis da invasão, que pode ser vista atualmente no site do museu do Holocausto de Jerusalém. “Até então, as medidas antissemitas consistiam principalmente em colocar os judeus em guetos e campos de concentração, mas a invasão trouxe consigo o assassinato maciço e depois a deportação a campos de extermínio. Primeiro assassinaram os homens e logo todas as mulheres, crianças e bebês”.

No Natal de 1941 um milhão de judeus havia sido assassinado, a maioria na URSS. Em 1942 as câmaras de gás começaram a funcionar. “É uma ironia grotesca”, escreve Jonathan Dimbleby, “que o crime mais inqualificável do século XX tenha sido o único elemento da visão apocalíptica do Führer para o Terceiro Reich que, até os últimos meses da guerra, não foi excessivamente obstaculizado pela derrota no campo de batalha”. (Guillermo Altares para o El País)

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