O que é a essência da verdade?

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Evandro Oliveira
Evandro Oliveira
PÓS GRADUADO EM GESTÃO E DIREÇÃO ESCOLAR; ESPECIALISTA EM "POLÍTICAS DA IGUALDADE RACIAL NA ESCOLA", SABERES AFRICANOS E AFRO-BRASILEIROS NA AMAZÕNIA - PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ (UFPA); GRADUADO CIÊNCIAS SOCIAIS COM ÊNFASE EM SOCIOLOGIA - UFPA; ATUA COMO PROFESSOR DE FILOSOFIA E SOCIOLOGIA NA REDE PÚBLICA E COMO PROFESSOR NO ENSINO SUPERIOR E CURSOS PRÉ-VESTIBULARES.
O dogmatismo é um atraso, considerando que acaba por engessar o pensamento humano

Temos falado, que em uma sociedade multicomplexa e plural não há uma única verdade e também uma única moralidade. No dizer de Bauman estamos diante de uma sociedade fluída, líquida. E quer nos parecer que o grande avanço da ciência foi quando reconheceu que a verdade é temporária, o que já era também entendimento na Grécia antiga, como veremos abaixo, e que restou esquecida por longo tempo, em prejuízo de nossa civilização.

Tais colocações vão ao encontro à minoria e ao respeito às diferenças. A democracia não é apenas da maioria. Tal colocação é ditatorial. Portanto, a provisoriedade da verdade é uma colocação democrática e que carece de um melhor entendimento por parte daqueles que querem ditar uma única e constante verdade, uma única moralidade, numa atitude excludente.

Quantas “verdades” já foram modificadas no curso de nossa história, a exemplo de o sol girar ao redor da terra. Correção de enunciados postos como verdadeiros é consequência de uma necessária meditação crítica e de abertura para o novo. O dogmatismo é um atraso, considerando que acaba por engessar o pensamento humano. É um obstáculo para correção de rumos, seja em que campo for à área de conhecimento, inclusive o religioso.

E, portanto, não há que se falar em uma única religião. Devemos respeitar todos os credos, em consonância com o princípio constitucional de liberdade religiosa, o que também no Brasil ainda não é aceito, cabalmente. Algumas religiões ainda são perseguidas, marginalizadas, apedrejadas, a exemplo da Umbanda, religião a respeito a qual já fui praticante e que em muito contribuiu para desconstruir tabus e para minha formação mais humanística e despida de preconceitos. Outras religiões se querem impor, como se apenas elas fossem as donas da verdade, pronta e acabada.

Posto desta maneira parece ser fácil entender o que seja a verdade, não obstante uma questão filosófica desafiante, a começar pela filosofia da Grécia antiga que, como veremos, buscou fundamentar a essência da verdade e que, com o pensamento de Platão e Aristóteles, restou esquecida e chegou até nós sem a necessária fundamentação, que somente restou recuperada com os estudos do filósofo Heidegger.

E para falar em Heidegger, aqui o tomamos como grande filósofo do século XX, não obstante a sua adesão ao nazismo. Portanto, estamos separando a filósofo de suas atitudes paradoxais, que acabam por contrariar o próprio pensamento filosófico, ao aderir ao sistema genocida, que ceifou a vida de milhares de pessoas, em nome de uma raça pura e, portanto, excludente e elitista. De um filósofo é de se esperar outra postura, também na vida particular.

Assim é que, a partir de Platão e Aristóteles, restou estabelecida a essência da verdade como correção do enunciado. E quer nos parecer que tal proposta vai ao encontro do dito acima, ou seja, que verdade é uma construção e, portanto, não é uma proposta definitiva.

Porém, esta determinação essencial do verdadeiro como correção do enunciado numa visão apressada parece que não foi fundamentada, por Aristóteles, mas apenas expressa, como norma. Tornou-se algo normativo, posto, aceito, sem um necessário questionamento filosófico.

Assim, necessário é que nos perguntemos sobre a essência da verdade, considerando que em Aristóteles, segundo Heidegger, in: As questões Fundamentais da Filosofia, Ed. Martins Fontes, 2015, p. 124, não encontramos solução para tal procura, ou seja, “não há nenhuma fundamentação para a colocação da essência da verdade como correção do enunciado, então esse fato não é casual, mas necessário, porque não há nenhuma fundamentação para o posicionamento da essência.”.

Entretanto, esta determinação da essência da verdade como correção do enunciado não pode ser arbitrária e sem fundamento. E não o é. Entendendo por essência o que pode ser visto, trazido ao mundo, à luz, questionado. Portanto, a apreensão da essência é no dizer de Heidegger um trazer-a-tona, ou seja, uma exteriorização, um trazer para fora. Um mostrar-se.

Assim sendo, a essência da verdade é desvelamento, considerando que a coisa velada não se mostra, não é trazida-a-tona e, por conseguinte, não pode ser questionada, criticada e reelaborada. Urge que partamos do velamento para o desvelamento, com a retirada do véu que encobria a coisa, deixando-a, enquanto velada, fora da realidade. Para Platão o desvelamento foi entendido como ideia. Mas o mais correto é entendê-lo como o ver intencional, ou seja, enxergar o ente para encontra-lo e para trazê-lo à tona. Tirá-lo do velamento.

Assim, a apreensão da essência da verdade significa desvelamento. “Por isso, a apreensão do ente enquanto tal precisa ser um desencobrimento (arrancar ao velamento).” (Heidegger, p. 128).

É preciso ressaltar, com Heidegger, p. 128, que “Toda tomada de conhecimento e todo conhecimento do ente particular, contudo, estão fundados na tomada de conhecimento da essência.” E “A verdade como correção tem seu fundamento na verdade como desvelamento, como o vir à tona e já se encontrar em vista da entidade (da essência) do ente.”.

Portanto, o desvelamento do ente (da coisa) significa retirar o véu, desencobrir, de não permanecer fechado. É necessário que o ente esteja aberto, que ele seja posto, questionado, indagado e entendido, ratificado ou retificado. É através dessa abertura do ente que surge o fundamento da possibilidade de correção, o que não acontece se a coisa não for velada, isto é, se ela não for desvelada, trazida a tona, sujeita à crítica, a partir do momento em que percebida.

Assim, a abertura do ente é à base da concepção corrente da verdade como correção. Portanto, o desvelamento nos dá o acesso à essência originária da verdade, à abertura do ente. E os gregos já sabiam disto, ou seja, já entendiam a concepção primeva de verdade como desvelamento do ente. Porém, Platão e Aristóteles acabaram por desprezar tais entendimentos, ao consideraram a verdade apenas como correção do enunciado.

Entretanto, a correção do enunciado, posto como verdadeiro, somente ocorre a partir da abertura, para que a essência da verdade seja realmente fundamentada. Assim, a essência da verdade como correção, se encontra fundamentada no desvelamento do ente, na abertura do ente.

Como dito, os gregos primeiramente remontaram ao desvelamento do ente para, somente depois, com base nessa experiência, determinarem a verdade também como correção do enunciado. O equívoco, a partir de Platão e Aristóteles, foi estabelecer a essência da verdade a partir da correção do enunciado, sem preocupação com a essência, o que acabou por normatizar tal postulação e levar ao questionamento a respeito do fundamento da essência da verdade.

Portanto, a verdade, cuja essência é determinada como correção, a partir do desvelamento, da abertura, da apresentação do ente e somente a partir daí entendendo a verdade como correção do enunciado, é uma proposta que se encontra presente nos tempos atuais, levando em consideração a essência originária da verdade, o que foi denominado por Heidegger, baseando na Grécia antiga, como abertura.

Necessário, portanto, ao mencionar a verdade como correção do enunciado e da representação, não se olvidar, como vinha acontecendo desde Platão, como o fizeram também Descartes, Leibniz e Kant, da proveniência histórica aqui demonstrada, a partir da filosofia da Grécia antiga, como o desvelamento ou como a abertura. Esta é a essência originária da verdade.

E para se chegar a tais conclusões sequer há necessidade de nossa meditação crítica, que se torna desnecessária, porque já foi realizada pelos gregos. Assim, podemos entender a verdade, a partir dos gregos, que já a conhecia fundamentadamente, no sentido duplo aqui demonstrado como necessário, isto é, como desvelamento (manifestação do ente) e, passo seguinte, como adequação da representação ao ente, que acontece por meio da necessária correção.

Restou, com Heidegger, restabelecida a essência originária da verdade, como desvelamento, então perdida a partir do predomínio da verdade apenas como correção do enunciado e da representação. Pena que este filósofo não percebeu, com base em seus próprios estudos, que o nazismo longe estava da verdade; que na verdade o nazismo era uma escancarada mentira!

VOZ DO PARÁ: Essencial todo dia!

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