Redefinição da crítica marxista da religião

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Evandro Oliveira
Evandro Oliveira
PÓS GRADUADO EM GESTÃO E DIREÇÃO ESCOLAR; ESPECIALISTA EM "POLÍTICAS DA IGUALDADE RACIAL NA ESCOLA", SABERES AFRICANOS E AFRO-BRASILEIROS NA AMAZÕNIA - PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ (UFPA); GRADUADO CIÊNCIAS SOCIAIS COM ÊNFASE EM SOCIOLOGIA - UFPA; ATUA COMO PROFESSOR DE FILOSOFIA E SOCIOLOGIA NA REDE PÚBLICA E COMO PROFESSOR NO ENSINO SUPERIOR E CURSOS PRÉ-VESTIBULARES.
No Brasil, a partir dos anos 1970, Hugo Asmann, Leonardo e Clodovis Boff e Frei Betto foram as difusores da teologia da libertação

Com a chegada do cristianismo revolucionário e da teologia da libertação na América Latina estamos diante de uma nova realidade histórica, a exigir uma releitura da dimensão religiosa na doutrina marxista e do próprio materialismo dialético, também de Marx.

Na verdade, no fim dos anos 1950 e início de 1960, com a eleição do papa João XXIII e também com o advento da revolução cubana, o cristianismo de libertação emerge no cenário sociopolítico e cultural da América Latina, conforme destaca Fabio Mascaro Querido, no livro Michael Lowy – Marxismo e crítica da modernidade, Boitempo, 2016, p. 165.

“Esse fenômeno, conhecido como teologia da libertação “é muito mais profundo e amplo que uma mera corrente teológica: na verdade, ele é um vasto movimento social – que propomos chamar de ‘cristianismo de libertação’ – com consequências políticas de grande alcance, afirma Lowy no já citado A guerra dos deuses: religião e política na América Latina, seu principal trabalho sobre o assunto, redigido na década de 1990. Em sua trajetória, é exatamente nesse momento – que coincide com a intensificação de suas visitas ao Brasil – que se ampliam suas pesquisas em torno das culturas religiosas e do cristianismo anticapitalista na América Latina, abordando “pela primeira vez”, segundo ele, “temas brasileiros: a questão da religião e política no Brasil e na América Latina, em torno da teologia da libertação.” (Fabio Mascaro Querido, p. 165)

No Brasil, a partir dos anos 1970, Hugo Asmann, Leonardo e Clodovis Boff e Frei Betto foram as difusores da teologia da libertação que, nada mais é do que a real opção da Igreja Católica na defesa dos interesses dos pobres, em razão da inércia do Estado e também ricos em socorrê-los e consequente ausência de materialização de direitos fundamentais, com a falta de moradia e de moradia decente, de salário digno, de emprego etc., a demonstrar que não era possível a Igreja permanecer distante destes fatos, preocupação primeira de Jesus Cristo, quando esteve entre nós.

Assim é que Michael Lowy, “A Teologia da libertação acabou?” Teoria e Direito, Fundação Perseu Abramo, n. 31, 1996, nos esclarece, com maestria, o que é esse movimento em prol dos pobres a afirmar que: “a teologia da libertação não é senão a ponta visível de um iceberg, isto é, de um imenso movimento social composto por comunidade de base, pastorais populares – da terra, operária, indígena, da juventude -, por redes do clero progressista (especialmente nas ordens religiosas), associações de bairros pobres, movimentos de camponeses sem-terra etc. Este movimento, que poderíamos chamar de cristianismo da libertação, nasceu no curso dos anos de 1960, como a primeira esquerda cristã brasileira (1960-1962) e com o sacrifício de Camilo Torres, o padre guerrilheiro morto em combate em 1966. Encontrou sua expressão religiosa mais avançada na teologia da libertação, a partir de 1971, ano da publicação das obras pioneiras de Gustavo Gutiérrez e Hugo Asmann. Enfim, forneceu boa parte dos militantes e simpatizantes da Frente Sandinista, da FMLN salvadorenha e do Partido dos Trabalhadores brasileiro,”.

E apesar dos contratempos, considerado que esse movimento desagrada aos poderosos e principalmente às políticas neoliberais que significa menos direitos aos pobres, pode-se afirmar que o cristianismo de libertação permanece vivo, inclusive em Belo Horizonte, sobre a liderança de Frei Gilvander, dentre outros católicos, que arregaçam as mangas e vão à luta, vão ao campo, em prol dos mais necessitados, evitando-se que inúmeros despejos fossem concretizados, inclusive em plena pandemia da Covid-19.,

Portanto, inúmeras ações políticas são praticadas, diariamente, por esse movimento no Brasil todo, considerando que a função social da propriedade ainda não foi bem assimilada, principalmente pelo Judiciário brasileiro, sopesando que, afinal, prevalece a sacralização da propriedade, com inúmeras reintegrações de posses sendo executadas, apenas adiando o problema dos sem tetos, caso não haja uma negociação, com a transferência dos despejados para locais apropriados.

E na atualidade esse necessário e as vezes incompreendido movimento ampliou o conceito de pobre, com a inclusão também dos negros e mulheres, dos índios e de toda camadas que forem atingidas por formas específicas de opressão. Portanto, é um movimento que vai ao encontro à nossa atual Constituição, considerando que tem por objetivo a inclusão de todos no ordenamento jurídico, não apenas formal, mas também materialmente.

E quando se fala em Marx, com relação à religião, logo aparece a fala do jovem filósofo que afirmou, em um determinado contexto, que a “religião é o ópio do povo.” Como, na interpretação dos detratores de Marx, se a religião fosse considerada apenas no aspecto negativo de alienação.

É certo que a crítica de Marx e também de Engels foi em desfavor das religiões que contribuíssem para a manutenção do sistema vigente, sem nenhuma censura no sentido de que várias questões estão erradas, em razão da desigualdade social, consequência da concentração de lucro e renda em mãos de poucos. Não é correto fechar os olhos a esta realidade ultrajante e excludente, como o fazem algumas religiões, deixando tudo como está, como se a pobreza fosse algo natural. Assim, não é correto permanecer inerte, diante de uma ordem social estruturalmente desigual.

Portanto, Marx e Engels não imaginaram a religião como simples ideologia, a encobrir interesse de classe. Assim é que Fabio Mascaro, obra citada, p. 167, afiança que “uma simples leitura do parágrafo no qual Marx afirma, em sua introdução de 1844 à Crítica da filosofia do direito de Hegel, que a religião “é o ópio do povo” revela que, longe de considera-la apenas como forma de alienação que obscurece a compreensão lúcida e racional da causalidade histórica, o filósofo alemão apresenta a religião também como forma de “protesto” contra o mundo. Diz Marx, em uma passagem que muitas vezes não é explorada em sua qualidade dialética: A miséria religiosa constitui ao mesmo tempo a expressão da miséria real e o protesto contra a miséria real. A religião é o suspiro da criatura oprimida, o ânimo de um mundo sem coração, assim como o espírito de estados de coisas embrutecidos. Ela é o ópio do povo.”.”

Nota-se que inverteram, incorretamente, a homilia de Marx, a demonstrar a real necessidade da religião na vida das pessoas, principalmente quando há preocupação da religião com os povos oprimidos, como acontece com a Teologia da Libertação, a reafirmar a aliança de Cristo com os pobres. Portanto, trata-se de uma Igreja preocupada com os desprovidos, com a pretensão de dar-lhes visibilidades material e não simplesmente ignorá-los, deixando apenas para uma outra dimensão a resolução de problemas terrenos atuais e constantes.

VOZ DO PARÁ: Essencial todo dia!

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